Mais do mesmo?
1. 13 anos a andar para trás, a reaprender a pobreza. Desde 2002 que
vivemos em Portugal a mais longa regressão económico-social desde a II
Guerra Mundial. Dentro deste ciclo, os últimos cinco anos (com Sócrates
e, depois, Passos) ficarão na memória dos portugueses associados à
pobreza/empobrecimento, à precarização/ansiedade, à emigração. Quiseram
convencer-nos que estávamos (nós, não os bancos!) a viver “acima das
nossas possibilidades” e que por isso havia que impor um estado de
exceção que justificaria ignorar os compromissos com quem trabalha
(corte nos salários) e com quem trabalhou (cortes nas pensões), ao mesmo
tempo que o bom nome de Portugal nos obrigava a pagar uma dívida que
não contraímos.
Mais de um milhão de desempregados. Desrespeito
geral pelo valor do trabalho. Com um dos salários mínimos mais baixos da
Europa, a proporção de trabalhadores portugueses a receberem-no quase
duplicou entre 2011 (11,3%) e 2015 (19,6%). 25% das mulheres é o que
recebe! Depois de meio século, desde os anos 50, a cortar lentamente a
distância salarial do resto da Europa, Sócrates e Passos fizeram-nos
retroceder quinze anos. Em 2008, o “custo total da mão de obra em
Portugal” correspondia apenas a 47,8% da média da Zona Euro e a 43,7% da
da Alemanha. Em 2013, esta proporção caíra para apenas 40,8% da média
da Zona euro e 36,7% da da Alemanha. O aspirador de riqueza que se
instalou no Ministério das Finanças, que tira dos pobres e da classe
média para dar aos bancos (BPN, Privado, BES, …), sugou, entre 2010 e
2015, quase 7 mil milhões de euros das pensões, a que se juntam quase 9
mil milhões de “remunerações base” dos funcionários públicos (cálculos
de E. Rosa, in www.eugeniorosa.com,
4.3, 11.6 e 10.8.2015). É a própria OCDE que assegura que “a pobreza
cresceu de 17.9% para 24.7% entre 2009 e 2012”, aumentando “sobretudo
entre a população em idade ativa, bem como entre as crianças e os
jovens. Entre os menores de 17, quase um terço estava, em 2012, abaixo
do [nível] de pobreza.” Para cúmulo, numa sociedade sujeita a este nível
de stress social, a proporção de desempregados a receber
subsídio tem diminuído consistentemente, ao mesmo tempo que “os 400 mil
beneficiários do RSI em janeiro de 2010 se reduziram quase para metade
até março de 2014, incluindo a perda do RSI para mais de 50 mil crianças
e jovens.” Em síntese, “as reformas [introduzidas pelo Governo]
tornaram os pobres mais pobres” (J. Arnold, C.F. Rodrigues, Reducing Inequality and Poverty in Portugal, OCDE, 17.8.2015).
Querem fazer-nos reaprender a inevitabilidade da pobreza, a sua bondade,
porque nela se reaprende a trabalhar por menos, a fazer o que quase
sempre os portugueses fizeram para procurar cumprir os seus sonhos:
emigrar, desistir do país, chorar por ele à distância. Reaprender, ao
contrário de 1974, que é inútil lutar contra a desigualdade porque ela é
natural, porque corrigi-la só faz mal à economia, e o que cada um deveria fazer é safar-se por si.
Escuso
de enumerar o que isto significa na vida da grande maioria: a ansiedade
perante o futuro, a rutura nas vidas afetivas (os casais em crise, os
filhos/maridos/namorados que emigram à média de mais de cem mil ao ano),
os velhos que morrem mais cedo, rodeados de abandono e de
culpabilização de quem já não sabe como os ajudar. Medo. Desesperança.
2. Votar em regime de Protetorado. Desde 2002 que votamos (cada vez menos votamos...) em crise,
sempre com o coração nas mãos, os nossos pais e os nossos avós receosos
pelo seu futuro de aposentados, os nossos filhos e netos, e os nossos
alunos, a fazerem-se à vida lá fora, muitos de nós próprios a vermos
fugir o emprego, a ver avançar a precarização que desde há anos se nos
diz ser a única forma de aprender a ser empreendedor (e
obediente!) no trabalho. Mas nunca nos últimos 170 anos o Estado
português (e, portanto, os eleitores que se suporia poderem decidir das
suas políticas) se tinha encontrado tão sujeito a opções fundamentais de
política económica e social que nós, enquanto comunidade, não
controlamos democraticamente, mas de que depende quase tudo na nossa
vida: salários, pensões, prestações sociais, tipo de contrato, direitos,
impostos… Ao contrário do que diz Vasco Pulido Valente, nunca desde a
intervenção militar estrangeira em 1847 - nem mesmo no Ultimato de 1890
ou no “resgate” do FMI de 1983-84 - se viveu uma situação na qual todas
as decisões vinculativas do Estado português, desde um orçamento de
Estado até ao valor do IMI ou de uma indemnização por despedimento, são
tomadas por decisores estrangeiros, ou por eles são previamente
autorizadas, isentos de qualquer controlo democrático. Sob a ditadura,
tudo passava pelo próprio Salazar, desde a portaria de um subsecretário
de Estado até à toalha da mesa de um banquete oficial; hoje tudo passa
por não sei quantos obscuros funcionários do BCE ou da Comissão
Europeia, que dizem ao Governo português como proceder na liberalização
dos despedimentos ou nas restrições ao acesso ao RSI para “pôr esses
preguiçosos a mexer de uma vez por todas!”...
3. Mais do mesmo?
Se estamos há anos a passar todas as linhas vermelhas (orçamentos –
todos! - contra a Constituição, incumprimento unilateral do contrato
social, retrocesso histórico sem precedentes), vamos voltar a ter mais
do mesmo? PS-menos-austeridade-se-Bruxelas-deixar, depois de
Passos-queremos-fazer-mais-do-que-a-troika..., e é tudo? Não
aprendemos já com Sócrates depois de Durão e Santana? Hollande depois de
Sarkozy? O PASOK depois da Nova Democracia? O bipartidarismo Dupond
contra Dupont está em crise por toda a Europa. Afundam-se os (antigos)
socialistas; à direita os racistas impõem os seus muros aos (antigos)
democratas-cristãos e liberais, da Hungria à Polónia, da Escandinávia à
França. Se é evidente que este magma de elogio da desigualdade e de
racismo, esta versão europeia de Donald Trump, não passará sem
resistência, parece ser na Europa do Sul (Grécia, Espanha, Portugal) que
dessa resistência nascem alternativas políticas. Ou como se explica
que, com a direita a perder uma maré de votos, o PS não descola da PAF
(a sigla diz tudo)? Quem imagina que no ringue continua a haver apenas
dois protagonistas deveria fazer bem as contas: 18%-20% dos eleitores
continuam a votar à esquerda destes dois-parceiros-e-meio que têm
partilhado o poder. Entre eles destaca-se o fortalecimento da CDU e um
BE que desmente a declaração antecipada de morte que lhe quiseram fazer.
Não lhes perguntem se só querem ser protesto. Prestem sim atenção à sua
capacidade de representar a dignidade de quem resiste e de contribuir
para mudar. Para acabar com isto.
IN "PÚBLICO"
19/09/15
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