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Porque é preciso
IN "NOTICIAS MAGAZINE"Porque é preciso
falar das praxes
Debaixo da calçada, a praia. Tenho pensado
muito em frases como esta, desse Maio de 68 que não vivi. Sou da geração
da nostalgia em relação a essa, anterior, que fez a revolução dos
costumes que marcou o nosso século – este que fica aqui a cavalo entre o
xx e o xxi. Gostava de ter lutado por alguma coisa que mais tarde
viesse a acontecer. De ter usado uma minissaia quando isso era uma
afirmação de valores. De ter gritado contra o sistema antes de o sistema
ter engolido – com o seu poder suave e integrador – toda a subversão.
Tenho saudades por interpostas pessoas – ou geração – desse tempo. Em
que uma mulher grávida e nua aparecer numa revista não era marketing, mas real liberdade e subversão.
O mundo é hoje melhor do que esse, cheio de
proibições que essa geração combateu? Talvez seja. Mas isto às tantas
parece a história dos macacos e dos homens de Neandertal, do lado fértil
e do outro, do rio. A necessidade aguça não só o engenho, como a
inteligência, e pode até alavancá-los a ambos – isto para usar a mais
moderna linguagem da gestão, essa que se considera a filosofia, a
ciência e a religião dos nossos tempos. Só pode ser esta a explicação
para o nosso adormecimento em relação às praxes.
Ah, está tudo mais calmo, dizem-me quando, na Avenida da Liberdade, passa um conjunto de jovens aos urros, de T-shirts
azuis farruscadas, ladeado por uma coluna de também jovens, todos
vestidos de negro da cabeça aos pés. Agora já é diferente, contam-me os
que conhecem melhor o ambiente, quando lhes digo que todos – mas mesmo
todos – os dias me cruzo pela cidade com estes corvos negros vestidos
daquilo a que se convencionou chamar trajes académicos. Presumo que com
esta adjetivação de «melhor» queiram fazer a comparação com outras
praxes que tiveram o pior resultado possível: a morte.
Qualquer acidente bárbaro como os do Meco e de Braga será, sempre, a ponta de um iceberg.
Mas não de gelo, da podridão e maus costumes que as praxes somatizam. E
não há tolerância possível. Nem para os trajes negros. Têm tudo o que é
mau numa farda sem o que habitualmente é positivo: espírito de corpo,
solidariedade, missão. Juro que não entendo: porque é que numa fase da
vida em que deviam querer ser diferentes, eles querem ser todos iguais?
Porque é que na única época das suas vidas em que a diversidade não tem
consequências eles querem ser fotocópias dos demais? Porque se vestem de
gravata antes de precisarem? Porque usam capas tristes e pesadonas?
Para se dizerem diferentes do resto da população? Isso seria sintoma
triste de elitismo, ainda por cima desajustado da realidade – a verdade é
que um diploma, hoje, não é garantia de nada. Como imagem de poder?
Sobre quem?
Também não há tolerância possível para os que se
deixam impor o cabresto desta obrigação, que fazem as figuras mais
tristes porque tem de ser, é «tradição», sem sequer se questionarem. Os
que urram e gritam como em cânticos mais apropriados a fascismos, ou, na
melhor das hipóteses, jogos de futebol, com o mesmo nível de
inteligência coletiva das claques. Será esta a matéria do nosso futuro?
Medo. Estaremos a escolher entre os que impõem os seus tacões de ferro
sobre os que rastejam e os que rastejam. Porque a verdade é que as
praxes e tudo o que durante este período acontece diz mais sobre o
futuro que espera Portugal do que as promessas desta campanha eleitoral.
27/09/15
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