HOJE NO
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Condutor com taxa de álcool de 1,74 g/l
. absolvido por causa de alcoolímetro
. absolvido por causa de alcoolímetro
Mas o alívio de J., reincidente no crime, durou
pouco. Nove meses depois da absolvição, a Relação de Évora considerou
que, afinal, era culpado. E tudo por causa da letra “P”.
J. até já tinha antecedentes. Em Junho de 2005 foi
condenado por conduzir bêbedo e por condução perigosa. Pagou 1300 euros e
ficou proibido de pegar no carro durante 13 meses. O castigo serviu de
pouco e, em 2011, voltou a ser apanhado alcoolizado ao volante. Pagou
400 euros de multa e esteve quatro meses sem conduzir. Ainda assim, em
Dezembro de 2014, voltou a reincidir no crime: pouco antes da
meia-noite, foi mandado parar pela GNR na zona de Loulé. Soprou no balão
e acusou uma taxa de álcool superior à crime: 1,74 g/l.
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J. ainda tentou argumentar que não tinha causado nenhum acidente e
que mal tinha tocado no carro. Contou como tinha estado realmente a
beber, “no local de trabalho”, e que ia para casa a pé. Mas um amigo
“que não tinha carta de condução” pediu-lhe que conduzisse. E, feitas as
contas, só andara 150 metros até dar de caras com a patrulha da GNR.
Com desculpas ou sem elas, certo é que J. acusou um valor superior à
taxa-crime (fixada na lei em 1,20 g/l) e teve de ir responder a
tribunal. E, apesar dos antecedentes e de ter ficado provado que
circulava embriagado – o alcoolímetro acusou 1,74 g/l e, descontando a
margem de erro máxima admissível, estaria com uma taxa de, pelo menos,
1,65 g/l no momento em que foi apanhado –, acabou absolvido pelo
Tribunal de Faro. Na base da insólita decisão esteve uma longa discussão
técnica e jurídica em torno do modelo e da marca do alcoolímetro
utilizado pela GNR. E a culpa foi de uma letrinha apenas: bastou um “P”
para que J. se tenha conseguido safar.
A defesa do condutor conseguiu
convencer o tribunal de que o balão usado pelos militares era da marca
Drager Alcoteste 7110 MK III-P – cuja validade já teria expirado –, em
vez de ter sido usado um Drager Alcoteste 7110 MK III.
Ministério Público recorre
J., que acumulava um
part-time como empregado de mesa com biscates numa oficina de carros,
acabou assim absolvido, em Janeiro deste ano, da prática de um crime de
condução de veículo em estado de embriaguez – punido no Código Penal com
uma pena de prisão até um ano ou com uma multa até 120 dias.
Mas o Ministério Público de Faro não concordou com a decisão do juiz e
resolveu recorrer da sentença para o Tribunal da Relação, invocando
que, na realidade, o alcoolímetro usado pelos militares da GNR na noite
de 5 de Dezembro de 2014 estava homologado e dentro do prazo de
validade. O que se seguiu foi uma discussão técnica e jurídica levada ao
detalhe. Se o Tribunal de Faro tivesse razão, e efectivamente o modelo
usado pela GNR já estivesse expirado ou não estivesse homologado, mesmo
que J. estivesse bêbedo, teria de ser absolvido – uma vez que o aparelho
usado para fazer prova não estava conforme.
Já o Ministério Público tentou provar que o alcoolímetro estava
conforme – sendo, por isso, inevitável a condenação do condutor. O
caricato da história é que, no meio da discussão jurídica, J. confessou,
desde o primeiro momento, que conduzia alcoolizado.
Os argumentos
A confissão de pouco serviu. O
Tribunal de Faro considerou que o facto de J. ter admitido o crime não
era “prova suficiente” para que houvesse condenação, uma vez que, como o
alcoolímetro não estava em condições, não era possível determinar, com
exactidão, a taxa de álcool com que conduzia.
Mas qual era, afinal, o
problema do aparelho? Os alcoolímetros usados pelas polícias têm de ser
aprovados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e,
antes disso, precisam de ser homologados pelo Instituto Português da
Qualidade (IPQ). Existe, por outro lado, um Regulamento do Controlo
Metrológico dos Alcoolímetros (RCMA) que define os modelos que devem ser
adoptados no terreno e o respectivo prazo de validade – fixado,
normalmente, em dez anos após a aprovação e publicação em Diário da
República dos modelos dos alcoolímetros.
Acontece que a aprovação do modelo utilizado pela GNR naquela noite –
o Drager Alcoteste 7110 MK III-P – teria sido, segundo o Tribunal de
Faro, publicada a 25 de Setembro de 1996, tendo caducado em 2006. Por
estar fora da validade dos dez anos, a taxa de álcool que J. acusou não
poderia ser admitida como prova em tribunal.
Mas o Ministério Público fez uma leitura diferente da legislação e
explicou aos juízes do Tribunal da Relação de Évora que, na realidade,
existem dois modelos diferentes de alcoolímetro: o Drager Alcoteste 7110
MK III e o Drager Alcoteste 7110 MK III-P. O primeiro foi homologado
pelo IPQ em 1996 e o segundo em 1998. Só que, enquanto o primeiro foi
depois aprovado para uso pela Direcção-Geral de Viação (entretanto
extinta e substituída pela ANSR) em Agosto de 1998, o segundo nunca o
foi. Só mais tarde, já com a ANSR em funcionamento, é que foi retomado o
processo de implementação do Drager Alcoteste 7110 MK III-P. O IPQ
voltou a homologar o modelo, em Junho de 2007, e a ANSR aprovou-o por
despacho em Junho de 2009, tendo sido publicado em Diário da República
em Agosto do mesmo ano. Assim, argumentou o Ministério Público de Faro, o
alcoolímetro estava dentro do prazo na noite em que J. foi apanhado
pela GNR e a validade do modelo só caducará em Agosto de 2019.
Vai ser condenado
Os juízes da Relação de Évora
concordaram com o recurso do Ministério Público de Faro e, recentemente,
pronunciaram-se sobre o caso. Concluíram que na data em que J. conduzia
alcoolizado e foi fiscalizado pelos militares, “o aparelho cumpria os
requisitos para fazer prova”. Por isso, J. terá de ser condenado por
conduzir sob o efeito de álcool. Que pena apanhará? A decisão terá de
ser agora tomada pelo Tribunal de Faro – o mesmo que, inicialmente,
absolveu o condutor embriagado – porque os juízes de Évora ordenaram que
seja o tribunal de primeira instância a estipular “a adequada pena pelo
crime”.
* A justiça nunca é uma linha recta, ainda bem.
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