Listas de deputados:
um retrato
Com um misto de ingenuidade e de
frivolidade, acreditei, na minha adolescência política, que era possível
mudar a forma de escolher deputados. Vinha no Manifesto Reformador:
dois círculos, um nacional para satisfazer as necessidades básicas da
sobrevivência partidária, e outro uninominal que permitisse aos
eleitores escrutinar de perto os seus escolhidos. Porque, sendo as
eleições legislativas, o Governo é uma decorrência indirecta do
resultado da composição final do Parlamento.
Todavia, a coisa inverteu-se completamente com a centralidade da figura
do primeiro-ministro. Os candidatos a deputados passaram a ser
facultativos e dependentes da vontade do chefe partidário momentâneo.
Por consequência, o espectáculo deprimente a que se tem vindo a assistir
com as "listas" não é original. Em geral os líderes que sucedem a
antecessores derrotados nas urnas "herdam" umas criaturas que
maioritariamente não lhes pertencem. Mendes, Menezes e Manuela
"herdaram" de Santana; Passos, por pouco tempo, "herdou" de Manuela;
Seguro "herdou" famosamente de Sócrates.
Tudo porque a magnífica
"coutada" (oficialmente tem outro nome) dos chefes é que decide: quem
encabeça, quem vai ali ou acolá, de comboio, avião ou de pára-quedas,
quem não vai e quem vai para ornamentar. A persistente desqualificação
parlamentar não conta nesta mercearia. Passos não quer na coligação
ninguém que perturbe, com alguma actividade sináptica suspeita, o seu
mando num putativo Governo. Obriga-os a assinar de cruz uma declaração
como eunucos políticos ou não são candidatos. E Costa, que
demagogicamente apelou aos seus para "dissidirem" à vontade, escolheu
cabeças de lista razoáveis para servirem de tampão aos caciques que ele
não pode dispensar por causa dos "compromissos" e das falsas "unidades".
Nos
partidos mais pequenos esta farsa é disfarçada pela natureza deles:
pequena. Não existe, porém, nada de novo nestes exercícios miseráveis.
Manuel José Homem de Mello contou uma vez que, ainda novinho e convidado
para integrar as listas da União Nacional, o seu "padrinho" político e
fidelíssimo de Salazar, Mário de Figueiredo, o aconselhou a fazer de
morto: "se queres viver, faz de morto". De lá para cá poucos têm
conseguido fazer pouco mais do que isso. Como escrevia Eça em 1871,
acostumam-se "a viver sem carácter e sem opinião". Ora quem não se
respeita a si, "não respeita os outros". Não é uma "farpa". É um
retrato.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
22/07/15
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