Dentro da cabeça
O sofrimento é grande porque Riley deixou de ser capaz de estar alegre ou triste. As emoções que restam – o medo, a repugnância e a raiva – são insuficientes para viver saudavelmente.
Tinha pensado em desenvolver o tema excitante do que
considero ser uma forma de bullying na estrada disfarçada de
“preocupação”, a propósito da porta mal fechada de um carro, quando a
semana nos trouxe acontecimentos importantes. O Estado Islâmico
desencadeou acções terroristas concertadas na Tunísia, em Paris e no
Koweit, fazendo vítimas em nome do Califado. O governo grego convocou
um referendo para saber o que o povo pensa sobre um assunto técnico que
poucas pessoas entendem. Gosto da ideia do referendo, embora o momento
em que é convocado seja revelador do fracasso da capacidade de
negociação do governo grego, quanto a mim incompetente e irresponsável
no processo.
A saída da Grécia da zona euro ou, como inteligentemente referiu Helena
Garrido no “Jornal de Notícias”, “o euro sair da Grécia”, trará momentos
ainda mais difíceis para os gregos, que sofrem na pele as decisões dos
seus governantes.
O presidente Obama, por seu lado, teve uma semana extraordinária, com a
aprovação do Obamacare pelo Supremo Tribunal e a decisão histórica sobre
o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão é histórica porque
não foi imposta por um partido em maioria num parlamento. É o resultado
de uma conversa longa, em que os argumentos contra o casamento entre
pessoas do mesmo sexo foram contestados um a um até acabarem por ficar
reduzidos a uma crença, que cada um terá livremente, mas que não tem
força suficiente para ser legal. Ainda haverá pessoas que acreditam que o
Estado tem o direito de proibir casais que estão juntos a vida toda de
formalizarem a sua união. A partir
desta semana, nos Estados Unidos, o que era lei passou a ter o valor de
uma opinião. Viva a civilização! Obama ainda cantou “Amazing Grace”
numa cerimónia de homenagem às vítimas do massacre em Charleston e fez
um discurso religioso, algo só possível numa democracia como os Estados
Unidos.
Aconteceu isto tudo e ainda fui ao cinema ver “Inside Out”, ou
“Divertida-Mente”, como lhe chamaram em português. O filme é difícil
para crianças, talvez complicado para alguns adultos, mas fala de
assuntos importantes como as “vozes na nossa cabeça” que, na verdade,
ouvimos mal. Uma mudança de casa e de cidade aos 11 anos com os pais é
suficiente para causar alterações de comportamento e até mudanças mais
profundas. É o que acontece a Riley, a menina que conhecemos através do
que se passa dentro da sua cabeça.
“Inside Out” é um filme sobre saúde mental e sobre a importância das
emoções, mesmo da tristeza, apresentada como uma gorda chata de
camisolão grosso. Riley sofre com as mudanças na sua vida ao ponto de a
sua identidade ficar fragmentada. O sofrimento é grande porque Riley
deixou de ser capaz de estar alegre ou triste. As emoções que restam – o
medo, a repugnância e a raiva – são insuficientes para viver
saudavelmente. As memórias destas emoções caem num buraco negro do qual
nada se pode recuperar
e, ao fim e ao cabo, são “os desordeiros” residentes no subconsciente
que acordam Riley e a obrigam a agir, tornando-a, curiosamente, ainda
mais doente. Só a tristeza é capaz de pôr as coisas no seu lugar e dar
espaço à alegria de saber o que não se pode perder.
IN "I"
29/06/15
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