02/07/2015

CARLA HILÁRIO QUEVEDO

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Dentro da cabeça

O sofrimento é grande porque Riley deixou de ser capaz de estar alegre ou triste. As emoções que restam – o medo, a repugnância e a raiva – são insuficientes para viver saudavelmente.

Tinha pensado em desenvolver o tema excitante do que considero ser uma forma de bullying na estrada disfarçada de “preocupação”, a propósito da porta mal fechada de um carro, quando a semana nos trouxe acontecimentos importantes. O Estado Islâmico desencadeou acções terroristas concertadas na Tunísia, em Paris e no Koweit, fazendo vítimas em nome do Califado. O governo grego convocou um referendo para saber o que o povo pensa sobre um assunto técnico que poucas pessoas entendem. Gosto da ideia do referendo, embora o momento em que é convocado seja revelador do fracasso da capacidade de negociação do governo grego, quanto a mim incompetente e irresponsável no processo.

A saída da Grécia da zona euro ou, como inteligentemente referiu Helena Garrido no “Jornal de Notícias”, “o euro sair da Grécia”, trará momentos ainda mais difíceis para os gregos, que sofrem na pele as decisões dos seus governantes.

O presidente Obama, por seu lado, teve uma semana extraordinária, com a aprovação do Obamacare pelo Supremo Tribunal e a decisão histórica sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão é histórica porque não foi imposta por um partido em maioria num parlamento. É o resultado de uma conversa longa, em que os argumentos contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo foram contestados um a um até acabarem por ficar reduzidos a uma crença, que cada um terá livremente, mas que não tem força suficiente para ser legal. Ainda haverá pessoas que acreditam que o Estado tem o direito de proibir casais que estão juntos a vida toda de formalizarem a sua união. A partir desta semana, nos Estados Unidos, o que era lei passou a ter o valor de uma opinião. Viva a civilização! Obama ainda cantou “Amazing Grace” numa cerimónia de homenagem às vítimas do massacre em Charleston e fez um discurso religioso, algo só possível numa democracia como os Estados Unidos.

Aconteceu isto tudo e ainda fui ao cinema ver “Inside Out”, ou “Divertida-Mente”, como lhe chamaram em português. O filme é difícil para crianças, talvez complicado para alguns adultos, mas fala de assuntos importantes como as “vozes na nossa cabeça” que, na verdade, ouvimos mal. Uma mudança de casa e de cidade aos 11 anos com os pais é suficiente para causar alterações de comportamento e até mudanças mais profundas. É o que acontece a Riley, a menina que conhecemos através do que se passa dentro da sua cabeça.

“Inside Out” é um filme sobre saúde mental e sobre a importância das emoções, mesmo da tristeza, apresentada como uma gorda chata de camisolão grosso. Riley sofre com as mudanças na sua vida ao ponto de a sua identidade ficar fragmentada. O sofrimento é grande porque Riley deixou de ser capaz de estar alegre ou triste. As emoções que restam – o medo, a repugnância e a raiva – são insuficientes para viver saudavelmente. As memórias destas emoções caem num buraco negro do qual nada se pode recuperar e, ao fim e ao cabo, são “os desordeiros” residentes no subconsciente que acordam Riley e a obrigam a agir, tornando-a, curiosamente, ainda mais doente. Só a tristeza é capaz de pôr as coisas no seu lugar e dar espaço à alegria de saber o que não se pode perder.

IN "I"
29/06/15


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