Um diletante
A política sempre foi um subgénero do teatro e de literatura. O
orador típico, como por exemplo Churchill, escrevia primeiro os seus
discursos, que depois decorava e só a seguir “dizia” na Câmara dos
Comuns. Mesmo quando se tratava de um “à parte”, a ocasião e as palavras
não eram deixadas à inspiração do momento; eram ensaiadas, pensadas,
muitas vezes combinadas.
No século XIX e
no princípio do século XX, o orador também precisava de qualidades
físicas particulares; devia ter “presença” (ser alto ajudava), uma voz
versátil e uma dicção impecável; e os gestos deviam acentuar a
“mensagem” sem exagero, nem preciosismo, mas com elegância e variedade.
Um pouco de erudição ajudava, desde que viesse a propósito e não
servisse apenas de ornamento gratuito.
Não admira que, a
partir de 1850 (com a excepção de Herculano), um escritor se tornasse
conhecido e estimado, menos pelos seus livros do que pela sua oratória.
Para os contemporâneos, Garrett valia muito mais pelo “discurso do porto
de Pireu” do que pela poesia e pelos romances. No Verão, oradores
célebres corriam as “praias de banho” para exibir à noite no casino da
terra as suas proezas. Muitos velhos diziam que a grande experiência
estética da sua vida fora ouvir José Estêvão no parlamento, mas que ler o
que tinham ouvido os não comovia. Os sucessores — Mendes Leal e Rebelo
da Silva nunca
chegaram aos píncaros do mestre, apesar de um esforço regular e de um
treino intenso. E, durante a República, ninguém se chegou a distinguir,
nem o berrador de comício e “ídolo do povo”, António José de Almeida.
Hoje
a política é um espectáculo permanente. Com a omnipresença da
televisão, cada frase, cada movimento precisa de ser pesado e calculado
com antecedência e minúcia. Um elogio entusiástico à pessoa errada, uma em S. Bento, revelações despropositadas numa pretensa biografia podem arruinar e frequentemente arruínam
a propaganda de meses. Como sucede então que o primeiro-ministro Passos
Coelho, com a sua já célebre teimosia, persista em não se preparar para
essa parte essencial do seu trabalho? Assessores não lhe faltam, nem
lhe faltam meios. Porquê a reincidência num amadorismo destrutivo e
patético? Na declaração improvisada, repetitiva e vácua? No comentário
néscio? Numa biografia (Santo Deus!) que envergonha as pedras? Não leu,
ninguém lha mostrou? Não faria mal a Passos Coelho levar a sua profissão
a sério.
IN "PÚBLICO"
10/05/15
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