HOJE NO
"PÚBLICO"
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Merdas que dizem às mulheres que trabalham em cinema e televisão
– o blogue
Propostas sexuais, beijos indesejados, desautorizações e desigualdade salarial. O blogue Shit People Say to Women Directors junta-se às estatísticas e às denúncias recentes com histórias e gifs. E linguagem forte.
A estatística mostra os números confrangedores de mulheres atrás das
câmaras e de filmes protagonizados por actrizes em Hollywood e na
Europa. E agora elas (e eles) revelam o que se passa nos bastidores. Um
produtor entra numa sala cheia de mulheres designers de produção e diz:
“É preciso um varão aqui”. Um assistente de produção diz à mulher que se
aproxima: “Não podes entrar na carrinha, querida. Estou à espera do
realizador”. Ela era a realizadora.
“Elas deviam
ficar-se pelas casas de bonecas”, disse o director de produção de um
programa televisivo a um operador de câmara sobre a realizadora com quem
trabalhavam. “Como está a sua vida sexual? Tem feito muito sexo?”,
perguntou um investidor a meio de uma conversa de angariação de
financiamento à realizadora que lhe falava sobre o seu projecto de
documentário sobre os direitos das mulheres no Médio Oriente. “Pedi-lhes
que me mandassem um homem. Bom, agora não há tempo para resolver isso”,
queixou-se um produtor a uma técnica de som à sua chegada.
“Não
posso trabalhar com alguém que quero foder.
.
Dá-me cabo da cabeça”,
disse um realizador (casado) a uma das muitas mulheres e homens que
trabalham no sector audiovisual e que começaram a usar o tumblr Shit People Say to Women Directors
para revelar experiências pessoais ou situações mediáticas que revelam o
sexismo na indústria. “Sorri mais!”
Diferenças salariais.
Práticas
discriminatórias na contratação.
“Ela é boa mas eu só quero contratar
pessoas com quem possa beber uma cerveja ao fim do dia”, justificou um
produtor ao agente de uma realizadora que não seria contratada.
Propostas directas quando, como descreve uma trabalhadora do sector,
bebe um copo com o produtor e ela pergunta qual é o próximo projecto:
“Acho que devíamos foder”.
Lançado há poucos dias, o blogue
alojado no Tumblr foi criado para partilhar histórias, permitindo o
anonimato de quem envia relatos que “expõem alguns dos obstáculos
absurdos que as mulheres enfrentam na indústria do entretenimento”, como
escrevem os seus criadores no blogue. Anonimato porque há medo de
retaliação – de serem ainda mais afastadas do sector, rotuladas como
“delatoras” ou “difíceis”, explica o grupo que criou o blogue em
comunicado. A ideia era ser “uma espécie de intervenção de crise”, como
explicam os mesmos criadores ao site Mashable, cujo título sugere que ler o blogue “vai fazê-lo dar um murro numa parede”.
Uma intervenção numa altura que Meryl Streep se levanta em apoio pela igualdade salarial de género em plenos Óscares e financia mulheres argumentistas com mais de 40 anos.
Este é o mesmo tempo dos anos 1940, na verdade. “Havia mais
oportunidades para as mulheres no tempo do cinema mudo do que existem em
2015”, diz o grupo criador do blogue. Há mais de 60 anos que os números
se mantêm quase inalterados: as mulheres são uma minoria a realizar em
Hollywood, com apenas 7% dos filmes mais rentáveis nos EUA dirigidos por uma mulher em 2014. No ano passado só 12% desses mesmos filmes rentáveis foram protagonizados por mulheres, revelam estudos do Center for the Study of Women in Television and Film.
Na Europa, em 2012, apenas 17,5% das pessoas que trabalham em cinema eram do sexo feminino,
como revelou Sanja Ravlic, presidente do Grupo de Estudo sobre
Igualdade de Género (GEIG) do Eurimages, num encontro do grupo em Março
na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa. E em Portugal, no mesmo encontro,
soube-se que entre 2011 e 2013 dos filmes com apoios públicos só 27,3%
foram dirigidos por mulheres.
Sob anonimato ou com rostos públicos, partilham-se então bocas,
perdas de oportunidades de trabalho, sugestões sobre como se chegou
sexualmente à posição rara de trabalhar em cinema ou TV sendo mulher. Ou
como se pode misturar uma oferta de trabalho com uma proposta sexual.
Como o que aconteceu há dias à actriz sueca Josefin Ljungman, partilhada
pela própria na Internet e noticiada no seu país: um realizador envia-lhe um e-mail com
uma proposta de trabalho para um novo filme. “Oi Josefine! É assim,
estou a fazer uma sequela do meu filme [censurado]. Sobre uma pessoa que
passa pela mesma ‘inspecção’ que a personagem principal de Laranja Mecânica.
Preciso de mulheres bonitas. Que NÃO mostrem a cara. Só corpos”,
explica, detalhando o pagamento e perguntando-lhe, no final “Estás
interessada? (Sempre te quis lamber. De preferência por trás. 69.)”.
.
Beijos
indesejados que “são algo a que tens de te habituar”, disseram a uma
jovem assistente de televisão. Jennifer Garner ou Cate Blanchett lembram
que os jornalistas lhes fazem perguntas sobre o equilíbrio entre a vida
familiar e o trabalho ou lhes escrutinam cada centímetro do vestido,
mas que não fazem o mesmo aos seus maridos ou aos homens em geral.
Piadas sobre violação ou epítetos como “Barbie” ou “babe”. Colegas ou subordinados homens que mudam planos, ângulos ou enquadramentos das realizadoras.
“O
sexismo é uma das formas mais socialmente aceites de discriminação e
uma doença impregnada no negócio do cinema e da televisão”, dizem os
autores ou autoras de Shit People Say to Women Directors ao IndieWire. E
agora têm centenas de contributos, de histórias ou agradecimentos, de
pessoas do sector, de estudantes a realizadores, ou membros do público
indignados com a realidade que expõem.
“No primeiro dia obtivemos um ano
de posts de um dia para o outro”, escrevem no blogue, que
admitem não ser a solução “para este tema complexo”. “Mas é um ponto de
partida e uma conversa há muito atrasada e que tem absolutamente de
acontecer.”
* Javardice masculina não surpreende, mesmo no topo da fama, porque a toleram as mulheres?
.
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