HOJE NO
"OBSERVADOR"
Puxar da arma, sambar ou
andar de carrinhos de choque.
Histórias de quem faz Segurança Pessoal
Por favor, pedem, não lhes chamem guarda-costas. Estes homens fazem
parte do Corpo de Segurança Pessoal da PSP e já fizeram de tudo para
proteger alguém. O Observador conta-lhe como.
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A menina de dez anos queria ir ao desfile de Carnaval com uma escola
de samba. Estavam previstas centenas de pessoas pelas ruas. Muitas
mascaradas. Mas, uma das regras da proteção pessoal, é que os visados
mantenham o mais possível a sua vida normal. Só havia uma solução:
integrar também o desfile. O chefe Saraiva não hesitou. Nunca tinha
sambado, mas a vida daquela criança estava dependente dele. E lá foi ele
para o meio da rua desfilar, “mesmo com alguns erros de coreografia”
como conta ao Observador.
Aos 52 anos este chefe da PSP tem 24
anos de histórias ao serviço do Corpo de Segurança Pessoal da PSP (CSP).
O CSP está integrado na Unidade Especial de Polícia, que completa esta
terça-feira sete anos enquanto Unidade, que engloba não só o CSP, mas
outras subunidades como as Operações Especiais. São cinco as subunidades. Saraiva teve que dançar samba quando o serviço que lhe foi atribuído passava por fazer proteção pessoal a uma família inteira
– desde o filho mais novo até ao patriarca. Eram testemunhas num
processo por tráfico de droga e corriam risco de vida. Saraiva
acompanhou-os mais de um ano. Não houve incidentes. Mas dançou.
O único episódio em que recorda ter que puxar de uma arma e
erguê-la foi em 2003. Era ele quem seguia todos os passos de um dos
magistrados de um mediático processo por abusos sexuais de menores e pedofilia.
Naquele dia, ele estava num local público e viu dois homens
aproximarem-se de mota. Ele não sabe explicar porquê, talvez intuição
policial, mas os dois levantaram-lhe suspeitas. Reparou, depois, que a
mota não trazia matrícula e que havia um volume, semelhante ao de uma
arma, por baixo dos casacos de cada um. Casacos, em dia de calor.
“Peguei
na arma, apontei e ordenei-lhes que se deitassem”, recorda, escolhendo
minuciosamente cada uma das palavras necessárias para descrever o
episódio. Chamou a PSP e, quando percebeu que os suspeitos estavam
imobilizados, retirou o magistrado do local e pediu um reforço para a
segurança pessoal daquele homem.
Mais tarde, a Polícia Judiciária, através da então Direção Central de
Combate ao Banditismo, acabaria por informá-los que os dois homens
estavam armados. As armas estavam novas e o curriculum criminal dos
suspeitos também devia estar. “Não tinham experiência”. Com ou sem
passado criminoso, queriam matar o magistrado incómodo ao processo. E
foi Saraiva quem o salvou.
Depois daquele episódio, foi o próprio chefe
da PSP que pediu que a segurança pessoal àquele homem fosse reforçada. A
avaliação do risco elevou-se para o extremo máximo da escala e o seu
pedido foi tido em conta. Atualmente, esta avaliação cabe ao
Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (neste caso uma mulher,
Helena Fazenda), juntamente com informação do Sistema de Informações e
Segurança (SIS) e com a própria Direção Nacional da PSP. Os elementos do
CSP no terreno podem sempre solicitar um reforço.
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Também foi uma magistrada envolvida no processo das FP-25
que um dia o levou a tomar medidas mais drásticas. Ainda assim não
exigiram o uso da arma de serviço. Mas foi inesperado. Numa deslocação a
uma cidade de Trás-os-Montes ela decidiu, juntamente com a secretária,
andar de carrinhos de choque. “Escusado será dizer que só havia homens
de volta daquelas duas únicas mulheres”, lembra. Solução: ele e e os
restantes elementos da Segurança Pessoal compraram fichas e foram,
também eles, andar de carrinhos de choque. Criaram uma barreira de
segurança em torno do carro de choque onde a magistrada e a secretária
se divertiam.
Hoje o chefe Saraiva sorri quando lembra estes momentos. Mas só hoje, em que o tempo volvido atenuou a preocupação da altura.
Para esta entrevista Saraiva fardou-se. E até perdeu aquele que seria
o seu dia de folga – algo já habitual numa profissão como a dele. Há um
ano que está a fazer proteção policial de uma vítima, alvo de uma tentativa de homicídio com uma arma de guerra, mas
é raro usar aquela indumentária. Os elementos do CSP têm que adaptar-se
a cada situação. É normal associá-los a um homem de fato negro e
gravata que está, habitualmente, ao lado de uma alta entidade. Mas ele
pode vestir calções, se a pessoa a quem garante a segurança se lembrar
de ir para a praia, ou até optar por uma roupa mais informal. Não se
pretende que se destaquem durante as suas missões.
Assim o explica
o também chefe Fidalgo, 35 anos. Não foi esta capacidade de se camuflar
perante as situações que o atraiu no CSP, quando ainda estava no curso
de acesso à PSP. Mas foi a forma como estes elementos conseguiam
conduzir um carro. “Fiquei fascinado com o tipo de condução que faziam
de acordo com cada situação”, conta. Mal abriu curso para aquela
subunidade, que agora integra a Unidade Especial de Polícia, concorreu.
Mas não foi fácil. O então agente conseguia passar nos testes físicos e
psicológicos, mas quando chegava à parte da entrevista, via o acesso
recusado. E era obrigado a regressar ao serviço da esquadra.
O acesso ao Corpo de Segurança Pessoal implica passar testes exigentes.
Nos últimos quatro meses mais de 30 polícias, que queriam entrar nesta
subunidade da Unidade Especial de Polícia, acabaram por desistir.
Primeiro passaram os testes físicos, escritos e psicológicos que lhes
permitiram entrar no curso. Mas logo nos primeiros três dias de treino
muitos veem que a tarefa não é fácil. “São convocados para se
apresentarem à meia-noite. E são três dias muito duros”, diz uma fonte
policial.
Neste momento, há pouco mais de 50 polícias a terminar o curso
de acesso, que deverá estar concluído durante a próxima semana. A
cerimónia de encerramento está marcada para o dia 7 de maio. O
Observador acompanhou um dos dias de treino, no Baleal, em Peniche. Os
polícias estiveram três dias num exercício que simulava a segurança
pessoal a dois presidentes de dois países distintos.
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Fidalgo, um homem alto e moreno cuja educação alemã o impede de
esboçar grandes sorrisos em serviço, faz segurança a altas entidades a
nível nacional. Mas o CSP tem três áreas de atuação: as
entidades internacionais, as nacionais e a proteção pessoal a
testemunhas, arguidos e magistrados. Nos dois primeiros casos, o
próprio cargo que a entidade em causa ocupa obriga à existência de
segurança pessoal. No caso da proteção policial, existe uma ameaça
concreta que leva o tribunal a decretar essa necessidade. A forma de
estar numa e noutra situações pode ser diferente.
Mas, dizem estes
operacionais, há uma obrigação comum: os sentidos têm de estar bem
alerta, como a audição e a visão. E a rotina é inimiga deste trabalho. É
por isso que, nos seus percursos profissionais, estes polícias já
passaram pelas três realidades. E mudam constantemente.
Na parede da sala destes polícias há um quadro com a fotografia de cada um dos membros do atual Governo e o nome. O chefe Fidalgo está neste momento a fazer segurança a um deles.
Não pode dizer qual. Já o fez várias vezes. Fala com tanto
profissionalismo e isenção das suas funções que é difícil imaginá-lo
misturar as emoções com o trabalho. “Nem devo. A ligação pessoal é muito
bonita, mas é má para nós e para o nosso trabalho”, assegura. São 24
horas sobre 24 horas com uma pessoa, mas o ideal é que não se estabeleça
qualquer relação. Até porque isso seria prejudicial ao trabalho.
Sem
nunca identificar as pessoas de quem segue os passos, lembra que, por
vezes, são os visados os próprios resistentes à segurança pessoal.
“Imagine o que é ter agora uma pessoa sempre atrás”, exemplifica. O
cargo obriga a isso e cada vez que um ministro toma posse é-lhe feito um
briefing sobre o que é isto da segurança pessoal e sobre o
facto de, a partir daquele momento, a pessoa em questão ser uma figura
pública. E a segurança obriga a determinados comportamentos para que
tudo seja garantido. Se for preciso que a entidade deixe de ir passear o
cão diariamente à rua, ele sugere. Se for necessário deixar de ir ao
mercado às compras ou deixar de frequentar determinados ambientes
também.
Um pacto e uma distância que por vezes são difíceis de manter. Aos 51
anos o chefe Castilho, que já quase celebrou as bodas de prata com o
CSP, ainda fala com alguma emoção dos tempos em que foi segurança pessoal de um ex-primeiro-ministro socialista.
Recorda-se de todas as viagens em que o acompanhou ao estrangeiro, onde
a mulher recebia tratamento médico. Ela acabou por morrer.
Lembra-se,
depois, do seu segundo casamento e da lua-de-mel. “Tive que ir com eles
de lua-de-mel!” A viagem teve como destino Marrocos e até implicou
passeios no deserto. Castilho esteve sempre lá.
1981. O Papa João
Paulo II era salvo de uma tentativa de homicídio graças a elementos do
CSP, em Fátima. Na altura o padre espanhol Fernandez Krohn, que
pertencia a uma comunidade de católicos opositores à Santa Sé, viola o
cordão de segurança e aproxima-se do Papa. É imobilizado por um elemento
da PSP, que depois percebe que o padre em causa estava armado com um
punhal com o qual queria atingir o Papa. Dez anos depois, o ainda agente
Castilho estreava-se no CSP coma visita do Papa João Paulo II a Fátima.
O dispositivo de segurança era enorme e envolvia várias forças
policiais. “Aí percebi que o trabalho no terreno é muito diferente.
Lidar com as situações reais não é a mesma coisa que no curso”. Ele
próprio não terá chegado muito perto do Papa. Recorda-se que todos os
polícias dormiram em sacos de cama num espaço amplo.
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Pouco tempo depois, a experiência de que hoje ainda fala como se não tivessem passado quase duas décadas. O ex-primeiro ministro inglês John Major,
sucessor de Margaret Thatcher, escolheu a zona do Douro para umas
férias em Portugal. E o chefe (João Silveira) foi um dos portugueses
destacado para a segurança pessoal. Foram duas semanas literalmente
passadas na vinha que circundava a a casa de férias. Literalmente não. O
chefe recorda que um dia teve direito a um passeio de barco pelo Douro.
Mas, em trabalho. John Major queria passear. Os polícias portugueses
envolvidos na segurança foram, mais tarde, convidados pelos colegas
britânicos para se deslocarem a Londres. John Major soube que eles
estavam por lá e até os recebeu por breves minutos. Queria dar-lhes um
aperto de mão.
Nem todas as entidades chegam a trocar palavras com os polícias do
CSP. Há quem não olhe sequer para eles. Outros cumprimentam e até deixam
lembranças. Na sala de reuniões do CSP há várias fotografias na parede
onde figuram altas personalidades que já foram “guardadas” por esta
equipa, desde Yasser Arafat com Mário Soares, ao ex-presidente francês
Sarkozy, não esquecendo o Príncipe Carlos e Camila.
Bill Clinton aparece em duas fotografias diferentes, de
duas vezes que esteve em Portugal. Nenhuma delas enquanto presidente
dos EUA. Uma delas coincidiu com o último dia de um elemento do CSP,
antes da sua aposentação. Dias depois chegava à Unidade Especial de
Polícia uma carta dos EUA: Bill Clinton mandava uma fotografia dele com
elementos da CSP ao cuidado do polícia aposentado.
Mas uma das memórias que guarda de Clinton foi no Rock in Rio. “Ele
estava em Portugal para um seminário, mas como era muito amigo do Mick
Jagger, tinha sido convidado para ir ao concerto”. A segurança foi
concertada com os responsáveis pela segurança do festival no parque da
Belavista, em Lisboa. Os carros onde seguiam Clinton e os elementos da
segurança pessoal entraram pelas traseiras. O ex-presidente foi levado
por um corredor improvisado, mesmo por baixo do palco principal. E como a
zona VIP não era “verdadeiramente uma zona VIP”, foi-lhe colocada uma
cadeira junto à mesa de mistura para assistir ao concerto dos Rolling
Stones. Uma visita não secreta, mas muito discreta.
Outro ex-presidente dos EUA que Castilho não esquece foi o George H. W. Bush,
o pai. O chefe da PSP recorda-se de o ter ido buscar a Alcântara e, já a
passar a Avenida de Ceuta, assim que ele pôs os olhos no Casal Ventoso
perguntou ao polícia o que “era aquilo”. Na altura a toxicodependência
via-se da berma da estrada. E o presidente não terá ficado alheio ao
degradante cenário.
Mais recentemente, no último dia 10 de abril, foi o primeiro-ministro francês, Manuel Valls,
quem lhe trocou as voltas. Normalmente as entidades que visitam o
presidente da República, Cavaco Silva, abandonam de carro o Palácio de
Belém. Mas, na última visita, Valls ainda tinha tempo até ser recebido
pelo seu homólogo, Passos Coelho, e decidiu caminhar a pé até aos
Jerónimos. As imagens das televisões captaram os elementos do CSP
aflitos com a mudança de planos. Mas nada de mal se passou.
Aliás,
o único incidente de que se recorda na sua carreira aconteceu na Expo
98, quando o ex-primeiro-ministro espanhol Filipe Gonzalez esteve em
Portugal. O ataque partiu de um jornalista que lançou um ovo para o
atingir. Um elemento do CSP chegou-se à frente para proteger o político.
E acabou por ser ele o atingido. Com o ovo.
(Os nomes dos chefes da PSP entrevistados são fictícios, de forma a proteger a sua identidade.)
* Chamar guarda costas a este profissionais de risco é quase um insulto.
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