ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
Contratar mulheres é um bom negócio
Quando elas progridem, as empresas prosperam. Elas são mais flexíveis e multifacetadas, têm espírito de sacrifício e são capazes de lidar com várias crises ao mesmo tempo. Contudo, ainda estamos longe da igualdade de género. O compromisso português é ter, no prazo de três anos, 30% de mulheres nas administrações
O futuro começa aqui' é o slogan que nos recebe na Cisco
Portugal, como se nos quisesse dizer, logo à partida, que o movimento
da igualdade do século XXI pode ser comandado pelas tecnológicas -um
mundo masculino por tradição que aposta agora na busca de talentos no
feminino.
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Assim, encontrar uma sala cheia de raparigas, sentadas em frente a
um ecrã com vários quadros, que mostram outras salas cheias de meninas,
espalhadas um pouco por todo o mundo, não devia ser tão surpreendente.
'Think Like a Girl', apregoam os escritos nas t-shirts delas. Por
uma meia hora, hão de estar ligadas por teleconferência com alunas de
várias cidades espalhadas pelo globo Riade, na Arábia Saudita, ou
Nairobi, no Quénia, mas também Estocolmo, na Suécia, ou Sofia, na
Bulgária, além dos EUA. A ideia é assinalar o Girls Tech Day, (Dia das
Raparigas na Tecnologia), promovido pelas Nações Unidas desde 2011.
Perto de 20 alunas da Secundária D. Dinis, de Lisboa, estão prestes a
descobrir quais as oportunidades de carreira que há ali. No final da
manhã, o entusiasmo é evidente: "É muito mais interessante do que
julgávamos", reconhece Maria, 16 anos, a porta-voz do grupo.
Fundada em 1984, a empresa vai no bom caminho de tornar a Internet
das Coisas algo de corriqueiro no nosso dia-a-dia (um exemplo clássico é
o dos frigoríficos que nos avisam do que falta em casa). Mas é também,
e por cinco vezes, a Melhor Empresa para Trabalhar em Portugal: os
seus funcionários podem fazê-lo de onde quiserem e no horário que lhes
der mais jeito o que se avalia é o trabalho feito, não o tempo que se
passa no escritório.
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"Querem melhores razões para se gostar de trabalhar aqui?", desafia
Sandra Freitas, a mentora da iniciativa no nosso país. "E nós somos tão
boas quanto eles.
É só querermos!" É um elogio que traz água no bico: as tecnológicas
também já perceberam que o desenvolvimento é cada vez mais rápido e que
em breve vão precisar de muito mais mão de obra do que a procura que
têm. Além disso, segundo números da Comissão Europeia, apenas 30% de
mulheres exerce cargos relacionados com as TIC.
Na própria Cisco, a igualdade de género a nível global está nos 23
por cento. Bom, em todo o mundo, não: Lisboa já alcançou os 50 por
cento. Há três meses, deu o exemplo maior, quando foi à Microsoft
buscar a então gestora da área de consumo, Sofia Tenreiro, 39 anos, e a
promoveu a diretora-geral.
No parâmetro da igualdade de género, a Melhor Empresa para Trabalhar
em Portugal é outra tecnológica. As razões: há um concurso interno de
ideias, de três em três meses, com direito a um voucher de uma
experiência para dois, e no final do ano, uma viagem para uma capital
europeia, também para duas pessoas -"a pensar na vida pessoal", garante
Carla Carvalho, 27 anos, diretora de recursos humanos da Gatewit. No
Dia da Mulher do ano passado, por exemplo, multiplicaram-se os cuidados
para lá das flores, com direito a manicura, pedicura e, ainda, um
workshop de maquilhagem. Claro que ali também não há gravidez que
assuste seja quem for: basta planear quem irá assegurar o trabalho
durante a licença e tudo volta ao normal.
"Engane-se quem pensa que, ao passar a porta do trabalho, a vida
pessoal fica lá fora", insiste Carla Carvalho, a lembrar que as pessoas
não são números e, se estiverem felizes e bem com o seu trabalho, são
muito mais produtivas. "E também ali mulheres, e mães, em cargos de
direção não são uma exceção: há 9, para 7 homens.
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Estaremos no mesmo país onde, no final do ano passado, candidatas a
médicas foram a entrevistas de emprego e lhes perguntaram se pensavam
ter bebés?
Os malabarismos da conciliação
É um cenário que não faz qualquer sentido naquelas duas empresas.
Mas os números não mentem: nascem cada vez menos crianças e, no
inquérito à fecundidade, realizado em 2013, uma grande maioria de
casais em idade fértil assumiu não ter mais filhos por falta de emprego
e estabilidade económica.
"Sim, continuamos a ter notícias de mulheres pressionadas pelos
empregadores por causa da sua maternidade", assume José Manuel Silva,
bastonário da Ordem dos Médicos, a lembrar ainda o recente caso das
enfermeiras a amamentar há mais de um ano que eram obrigadas a fazer
prova disso, espremendo o peito.
"Bastaria um atestado", lembra, classificando a prática dos
Hospitais S. João e Santo António, no Porto, como ilegal, antiética e
imoral. Mas, apesar dos comentários públicos, o medo continua a travar
os portugueses (ou melhor, as portuguesas) a denunciarem qualquer
discriminação no trabalho.
A mão cheia de cartazes, que nos dá as
boas-vindas ao edifício onde funciona a Comissão para a Igualdade no
Trabalho e no Emprego, deixa no ar uma série de outras perguntas muito
inquietantes: Rapaz ou rapariga, igualdade de oportunidades? O trabalho
do homem e da mulher tem o mesmo valor? Ter um filho poderá prejudicar
a minha carreira? A verdade, assinala Joana Gíria, a presidente da
CITE, é que ali não chegou nenhuma queixa sobre "entrevistas de emprego
com perguntas discriminatórias".
O que não quer dizer que as mulheres não continuem às voltas com os
malabarismos da conciliação afinal, as portuguesas dedicam quatro vezes
mais tempo do que os homens ao trabalho doméstico e não remunerado
(dados do recém-lançado relatório Progresso das Mulheres do Mundo 2015:
Transformar Economias, Realizar Desejos, produzido pela ONU Mulheres,
nas vésperas do 20.º aniversário da 4.ª Conferência Mundial sobre
Mulheres, em Pequim.) Por cá, o assunto também está na ordem do dia:
segundo uma resolução do Conselho de Ministros, o compromisso nacional
é, até 2018, haver 30 por cento de mulheres nos conselhos de
administração das empresas. "Se tudo continuar como está, demoraremos
40 anos até haver igualdade de género. É preciso que as medidas sejam
formalizadas, para que se ponham em prática ", insiste Joana Gíria,
acrescentando que a CITE já deu formação em várias empresas
interessadas em fazer essa mudança: "O melhor? Quando se sentem bem
tratadas, as pessoas vestem mais a camisola."
Razões para contratarem mulheres
Há outras perguntas. Mas porque é que contratar mulheres, e mães, e
promovê-la a lugares de chefia, pode fazer a diferença no seu negócio,
como apregoa Sofia Serrano, 35 anos, mãe, médica e blogger? Fez já um
ano que o seu post (em cafecanelachocolate.sapo.pt) correu a blogosfera,
a assinalar essas razões: "Primeiro: [somos] um trunfo para as
empresas porque, mesmo quando dormimos mal, chegamos arranjadas ao
emprego. Depois, somos multitasking porque, mal temos filhos,
habituamo-nos a que todos lá em casa peçam imensa coisa ao mesmo tempo.
E mais: somos extraordinárias na organização do tempo e dos horários,
ao mesmo tempo que somos sensíveis e compreensíveis com os outros."
Mas até esta lutadora cheia de otimismo sabe bem como não é fácil
ver estas qualidades reconhecidas por todos o que provoca uma imensa
autocensura. Mesmo para quem se mudou de Lisboa para Faro, para fazer a
especialidade, e teve dois filhos pelo meio. "Diziam-me que não devia,
que isso iria prejudicar-me. Mas ser mãe deu-me outras capacidades:
por exemplo, no início custava-me imenso descansar no hospital. Depois
do primeiro filho, passei a descansar onde podia, quando podia. Não há
como ter filhos para aprender a dormir pouco e estar pronto a trabalhar
quando é preciso."
Sofia Serrano avança ainda que não só passou a gerir melhor o dia
-"organizo o tempo ao pormenor, sem descurar nada" -como se tornou mais
empática com os problemas dos outros, em vez de estar sempre a fazer
reparos. "Posso dizer ainda que, no final da especialidade, quem teve
filhos durante o internato obteve melhores notas."
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A informação parece estar já a colher simpatia junto de algumas das
nossas empresas uma trintena de companhias, reunidas no IGEN Fórum
Empresas para a Igualdade, desde 2012, e que já assumiram uma série de
compromissos: políticas de não discriminação, formação em igualda- de de
género, monitorização da gestão das carreiras e promoções, e ainda
flexibilidade dos tempos e modalidades de trabalho.
Veja-se o exemplo dos CTT, empresa anfitriã da última reunião
plenária, onde cerca de 40% dos cargos de chefia da empresa (tanto na
gestão de topo, como nas restantes linhas hierárquicas) são ocupados
por mulheres, representando estas 33% do universo de trabalhadores.
Mas é apenas um pequeno passo: Portugal ocupa o 34 º lugar no
ranking mundial da igualdade do género, um lugar que nos deixa ainda
muito longe dos países mais avançados (ver infografia). Por cá, apenas
9% de mulheres ocupam cargos de administração em empresas do PSI 20,
não havendo qualquer mulher no cargo de presidente há algumas chefias
intermédias e outras de topo, mas não em proporção ao número de mulheres
que sai licenciada das faculdades e entra no mercado de trabalho.
Igualdade promove sucesso
Esta ideia de que as mulheres continuam a não progredir nas suas
carreiras como seria de esperar foi a principal conclusão do estudo
When Women Thrive, Business Thrive (qualquer coisa como 'quando as
mulheres progridem, os negócios prosperam'), divulgado pela consultora
Mercer em fevereiro.
Analisando as resposta de mais de 1,7 milhões de pessoas, em 28
países, o estudo identificou ainda o que as organizações podem fazer
para envolver as suas trabalhadoras, assegurando que a igualdade existe
e que promove o sucesso do negócio.
O primeiro passo é compreender que não há uma solução única: cada
empresa deve adotar estratégias que vão ao encontro dos seus objetivos e
necessidades.
Nélia Câmara, responsável nacional do Women at Mercer, sublinha:
"Não há dúvidas: encontramos melhores resultados em empresas que
adotaram as melhores políticas de igualdade de género." O que reforça
as palavras de Mari Kiviniemi, antiga primeira-ministra finlandesa,
atualmente quadro da OCDE: "Se diminuíssemos a desigualdade na força
laboral em 50 por cento, o nosso PIB cresceria seis por cento até
2030." Ou, como diz, Joan Libby Hawk, da agência da ONU para as
mulheres: "É extraordinário o que acontece quando se convida a outra
metade da Humanidade a participar."
Cuidado é com as armadilhas, avisa Sara Falcão Casaca, a propósito
das medidas recentemente apresentadas pelo governo português como
incentivo à natalidade e que, em vez de flexibilidade, apostam antes em
trabalho a tempo parcial, com a respetiva redução do salário. "Só
prejudica as mulheres e não incentiva ninguém a ter mais filhos",
continua a especialista em sociologia das organizações e igualdade de
género. "Nunca se irá convencer os portugueses a aumentar a família sem
uma redução das jornadas laborais para ambos os sexos, reduzindo
também os atuais níveis de stresse na conciliação do trabalho e da
família."
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Empenhada em mostrar que é possível agir de outra maneira, Sara
Falcão Casaca acaba de lançar um novo projeto. Envolvendo sete
empresas, este Break Even desafia cada uma a fazer o diagnóstico e a
encontrar os seus constrangimentos para depois receber a ajuda adequada
na mudança. "É uma questão da mais elementar justiça social: estamos a
desperdiçar um imenso capital humano", salienta. "A nossa democracia
será sempre um processo inacabado enquanto não houver igualdade."
Claro que há quem vá traçando este caminho num tom mais ou menos
informal, graças a chefias sensíveis a estas questões. E não, não têm
obrigatoriamente de ser mulheres. A declaração de interesses é de Jaime
Morais Sarmento, diretor de recursos humanos para Portugal e África no
Hotel Pestana: "Nunca me fez sentido escolher alguém menos competente
só porque pode estar mais disponível."
Vestir a camisola
Contabilizando mais de 20 mulheres, nas várias equipas que dependem
de si, Jaime Morais Sarmento garante que elas têm toda a flexibilidade
para organizarem o seu tempo e o seu trabalho e nota-se quando é
preciso retribuírem. "É o departamento com menor nível de absentismo",
garante, antes de rematar, com um sorriso: "Tenho uma equipa
formidável."
Elas confirmam. Helena Augusto, 46 anos, Esmeralda Correia, 42, e
Sílvia Pontes, 38, são as colaboradoras mais diretas de que falamos. "O
facto de gostarmos do que fazemos ajuda muito a gerir os
constrangimentos do dia-a-dia", começa por dizer Sílvia. "Isso e uma
grande entreajuda entre pares", acrescenta Helena, antes de contar que
foi uma das colegas a levar a filha ao médico, num dia em que ela não
podia faltar a uma reunião no Porto. "Isto é que é trabalho de equipa",
comenta, perante um aceno de concordância de todas as outras. "Somos
umas felizardas."
Assumem ainda que têm uma espécie de acordo tácito: só há telefonemas
fora de horas se for mesmo, mesmo urgente. De resto, organizam o seu
dia como querem e quando precisam levam trabalho para casa, para
terminarem depois de deitarem as crianças e procuram fazer o mesmo com
as suas equipas. "Gerir pessoas é ser um pouco psicólogo, gestor,
economista, confidente...", concordam.
Jaime Morais Sarmento parece saber disto tudo há muito mais tempo.
Afinal, foi ele que, há sete anos, antes de se mudar para o grupo
Pestana, recomendou a contratação de uma funcionária na fase final da
sua gravidez.
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Falamos de Ana Silvestre, 38 anos, diretora de recursos humanos do
Hotel Imaviz, em Lisboa. "Sim, chamaram-me para a entrevista quando já
tinha seis meses de gestação e sempre pensei que seria para fazer
número, nunca imaginei que pudesse passar à fase seguinte", recorda
Ana, entre o espanto e a incredulidade, depois de contar que tinha
decidido fazer apenas apoio de consultoria enquanto preparava a chegada
do bebé. Perguntaram-lhe apenas quanto tempo de licença precisava e,
pouco depois do rapaz nascer, estava a trabalhar. "Trataram-me de uma
forma tão especial que vesti a camisola na hora." António Pereira, o
diretor-geral do hotel que carimbou a decisão de contratar Ana,
estranha tamanha admiração: "As pessoas valem pelo que são, não pelo
momento em que estão."
Faz-se um raro silêncio e vem-nos à memória uma
estrofe batida
... Em Cada Rosto, Igualdade
lembrando que esta revolução, apesar de tudo, ainda está por fazer.
Uma luta mundial
As suas palavras abalaram o mundo. Foi em setembro do ano passado
que a atriz Emma Watson, mais famosa pela sua participação na saga de
Harry Potter, fez um discurso inovador sobre feminismo e igualdade de
géneros, na sede da ONU em Nova York. Recém-licenciada pela
Universidade Brown, a britânica de 24 anos desmistificou a palavra
"feminismo" e lançou a campanha HeForShe (ElePorEla): "Homens,
igualdade de género também é um problema vosso." Este ano, foi a Davos
repetir a mensagem: "Fiquei espantada com a quantidade de homens que me
incentivarem a continuar, dizendo querer que as filhas cresçam num
mundo onde poderão ter poder e igualdade, económica e politicamente."
Por vezes, são as mulheres a minar a ascensão de outras.
Foi o caso de Katherine Zaleski, uma ex-executiva do Washington
Post. Assumiu que concordou com a decisão de demitir uma funcionária
antes que ela engravidasse e questionou o compromisso de mulheres com
filhos.
Mas depois de ter sido mãe, veio a público fazer mea culpa.
Sheryl Sanberg, COO do Facebook, braço direito de Mark Zuckerberg,
escreveu o livro Faça Acontecer, em 2013, e defende que o caminho da
igualdade tem simplesmente de começar mais cedo.
"Percebemos que, na
adolescência, as meninas começam a afastar-se das posições de liderança
para não serem vistas como agressivas", diz, juntando a sua voz ao
grito de alerta de Hillary Clinton e Melinda Gates. O relatório No
Ceilings (Sem limites) é mais um a mostrar que as mulheres estão longe
de conquistarem a igualdade em posições de liderança.
Melinda Gates insiste: "Quando se investe nas mulheres, está-se a investir em quem se ocupa de todos os outros."
* Sem palavras!
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