Vanessa.
O bom casamento é
o casamento por interesse
Foi a Vanessa que insistiu em ligar a televisão. E enquanto eu ia e vinha da cozinha a mudar pratos e a tratar do vinho, ela ficou para ali colada ao ecrã. Toda a gente lá em casa, a família e amigos íntimos, viraram costas à coligação e continuaram a festa de anos. Mas ela fixou-se na renovação dos votos do casamento entre o PSD e o CDS
Vanessa casou três vezes, as três vezes por amor, e correu tudo mal.
Não se passou nada de extraordinário, simplesmente o trivial: a uma
paixão doida segue-se um casamento eufórico, o deslumbramento de ter
bebés e um divórcio dilacerado. A coisa maravilhosa do amor é que sendo
infinitas as possibilidades de correr tudo mal, as pessoas continuam a
insistir no assunto como se não houvesse amanhã, como se o laço da
paixão não fosse uma coisa mais sensível do que o cristal da Marinha
Grande, como se o mundo não fosse acabar depois do amor acabar. Do amor
romântico ninguém percebe nada, apesar dos extensos tratados que já
foram escritos: é indefinível e perecível, sujeito aos tormentos da
natureza e das coisas humanas que são sempre estranhas.
A Vanessa estava numa festa em minha casa quando Passos e Portas fizeram
o anúncio da coligação para as legislativas. Estávamos a comemorar os
21 anos do meu filho – e não os 41 da liberdade. Esta coincidência que
me comove faz-me estar muito mais concentrada em saber se a comida chega
ou não para todos do que em minuciosas análises sobre se o dia da
liberdade é ou não condignamente evocado.
Ao longo destes maravilhosos 21 anos, a minha descida da avenida foi quase sempre um passeio entre a casa e o supermercado.
Foi a Vanessa que insistiu em ligar a televisão. E enquanto eu ia e
vinha da cozinha a mudar pratos e a tratar do vinho, ela ficou para ali
colada ao ecrã. Toda a gente lá em casa, a família e amigos íntimos,
viraram costas à coligação e continuaram a festa de anos. Mas ela
fixou-se na renovação dos votos do casamento entre o PSD e o CDS.
- Afinal isto correu bem!!!!! E tu andavas sempre a dizer que
qualquer dia a coisa rebentava, que eles se odiavam e tal. Estavas
completamente enganada. Erraste em toda a linha.
Eu tinha um bolo na mão e tive uma espécie de impulso de lhe o atirar
à cara. Mas controlei-me. Pousei o bolo na mesa e abri uma mini.
- Oh pá há imenso tempo que se sabia que isto ia ser assim. Não havia
saída. Era fundamental que existisse a coligação para poder haver uma
réstia de esperança, dificilmente numa vitória, mas num resultado
honroso.
E continuei no patati patatá, até que ela disse:
- Se calhar era melhor que os casamentos a sério fossem como as
coligações. Casamentos de interesse, como havia dantes. O interesse é
sólido, o amor é líquido, dissolve-se. Acho que tenho que aprender com o
Passos e o Portas. A partir de agora vou transformar-me numa mulher
pragmática. Se me voltar a casar, só casarei por interesse!!! E se me
vires a querer casar por amor, por favor impede-me!!!
IN "i"
04/05/15
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