HOJE NO
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Caso vistos gold.
Saiba como os concursos para a administraçãopública são manipulados
Ministério Público encontrou mensagens e telefonemas que mostram que o ex-presidente do IRN terá tido acesso às regras do concurso a que se candidatou. Mas há outros favorecidos
O
Ministério Público suspeita que a ex-secretária-geral da Justiça, Maria
Antónia Anes, e António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos
Registos e Notariado (IRN), detidos no caso Vistos Gold, manipularam
concursos da CRESAP – entidade que selecciona e recruta candidatos para
cargos de direcção superior na Administração Pública.
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Telefonemas e mensagens escritas
trocadas entre os dois altos quadros indiciam que António Figueiredo e
Maria Antónia Anes chegaram mesmo a violar as regras do concurso em que o
primeiro era candidato a presidente da IRN e de outro em que colegas
seus concorriam ao cargo de vice-presidente daquele instituto. Para
conseguirem ajudar terceiros de quem eram próximos, há até casos em que
foram pedidos favores a Miguel Macedo, então ministro da Administração
Interna.
A 10 de Dezembro de 2013, foi
publicado o aviso de abertura do concurso para o cargo de presidente do
IRN – cargo que já era, à data, desempenhado por António Figueiredo. Um
dia depois, Maria Antónia Anes, que fazia parte do júri do concurso da
CRESAP, passou essa informação a Figueiredo, que pediu a uma funcionária
do IRN que tratasse da sua candidatura. No dia 19, a funcionária
confirmou a Figueiredo que o formulário da candidatura já se encontrava
preenchido, sendo apenas necessário submetê-lo.
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Mais tarde, nesse mesmo dia, a
funcionária mostrou-se indignada: constatou que faltavam “coisas” no
currículo de Figueiredo e alegou que alguém teria entrado no documento e
“apagado uma ou outra frase” e que só quem estivesse na posse da
password é que poderia fazê-lo. António Figueiredo parecia saber do que
se tratava e respondeu que poderia ter sido “a Maria Antónia” (Anes) que
“não gostou de qualquer coisa e tirou”. No dia 23, Figueiredo enviou
uma mensagem escrita a Maria Antónia: “Toninha veja-me quantos
candidatos houveram ao concurso por favor”.
Dois dias depois, Maria Antónia Anes
respondeu que estavam na corrida quatro candidatos. Identificou-os,
explicou os testes a que seria submetido no concurso e deu-lhe conta da
avaliação pessoal dos currículos que fez dos outros candidatos. “É uma
gente que não tem hipótese nenhuma”; “é para nos fazer perder tempo”,
disse, acrescentando ter vontade de “dar zero a todos”. O problema,
explicou a Figueiredo, é que não poderia chumbá-los à partida por causa
dos currículos que apresentavam. “A gente não consegue chumbá-los,
porque estas criaturas são criaturas que se dão a si mesmo 20. A gente
nem que lhes dê zero, que é o que eu faço, eles ficam sempre com o 10.”
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Figueiredo ainda terá comentado não
conhecer nenhum dos seus adversários. Maria Antónia explicou-lhe: “Isto é
tudo uns profissionais de concursos”, acrescentando que Figueiredo
podia estar descansado pois nenhum deles era da área nem tinha
experiência como conservador.
No final da conversa, a
secretária-geral da Justiça convidou-o a passar no dia seguinte no seu
gabinete. No dia 26, Maria Antónia Anes trazia uma boa notícia:
comunicou a Figueiredo que acabara de lhe dar a nota de “19”. E só não
lhe teria dado mais porque o próprio se teria auto-avaliado em
“sensibilidade social” com a nota de “16”.
Mais de um mês depois, a 28 de
Janeiro, os dois quadros da Administração Pública voltaram a falar sobre
o concurso. Maria Antónia informou-o de que se não fossem apurados três
candidatos, Figueiredo só precisaria de ser reconduzido. A então
secretária-geral estava certa de que era isso que iria acontecer porque
os currículos não preencheriam os requisitos.
Ainda assim, para melhor se preparar
para os testes psicotécnicos, a 1 de Fevereiro António Figueiredo pediu
um favor a Maria Antónia Anes. A vogal da CRESAP terá acedido e dado a
Figueiredo “acesso ao perfil das competências comportamentais que melhor
se adequavam ao seu concurso”.
Figueiredo não só terá usado estas
informações para uso próprio – informações estas que Maria Antónia Anes
estava proibida de partilhar enquanto membro do júri daquele concurso -
como terá acabado por transmiti-las àqueles que eram, à data, candidatos
ao cargo de vice-presidente do IRN: Ascenso Maia e João Rodrigues. Ou
seja, os três terão tido acesso prévio às regras que, por lei, deveriam
ser sigilosas.
A história – descrita em pormenor no
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu manter Maria
Antónia Anes em prisão domiciliária, e a que o i teve acesso – não acaba
aqui.
Na manhã de 7 Fevereiro, antes da
prova oral do concurso, Maria Antónia Anes terá dado a Figueiredo, por
antecipação, o resultado dos testes psicotécnicos que havia feito uns
dias antes. A oferta terá permitido que o presidente do IRN pudesse
“preparar com antecedência a resposta a uma questão atinente à
manifestação de um sentimento de frustração no exercício do cargo”.
Poucos minutos depois da entrevista, a
vogal do júri resolveu comentar o desempenho de Figueiredo e enviou-lhe
um SMS: “Muito bem… um pouco acelerado, mas sem par.”
Como a secretária-geral da Justiça
antecipara, o concurso viria mesmo a ser anulado por alegada
inexistência de três candidatos que reunissem os requisitos. A 12 de
Fevereiro, pouco antes da primeira fuga de informação do processo Vistos
Gold, o homem que conduzia o Instituto dos Registos e Notariado foi
reconduzido no cargo por Paula Teixeira da Cruz.
Maria Antónia Anes terá chegado a
contar a Figueiredo, por telefone, uma conversa “mantida entre si e a
ministra da Justiça” sobre a sua recondução. Nos fundamentos que enviou à
Relação de Lisboa, o Ministério Público não revela o conteúdo dessa
conversa.
O Ministério Público alega existirem
indícios suficientes de que havia “um acordo tácito de troca de
favores”, de natureza “material e imaterial”, entre Maria Antónia Anes e
António Figueiredo, o cabecilha da alegada rede de corrupção montada em
torno da atribuição de vistos gold.
Favores pedidos a Miguel Macedo No
âmbito desse alegado acordo, em Dezembro de 2013, foi a vez de Maria
Antónia Anes pedir um favor a Figueiredo, solicitando-lhe que fizesse
uso do seu poder de influência junto do então ministro da Administração
Interna, Miguel Macedo, para que Humberto Meirinhos, então presidente
dos Serviços Sociais da Administração Pública, fosse favorecido num
concurso para secretário-geral do MAI.
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Meirinhos era um dos presentes no
jantar em casa de Maria Antónia Anes, em Maio de 2014, que também teve
como convidado Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP. Durante o
interrogatório do juiz Carlos Alexandre, a secretária-geral da Justiça
terá alegado que se reuniram para comer favas que Meirinhos plantara na
sua horta.
A 13 de Dezembro, Maria Antónia Anes
voltou a insistir junto de Figueiredo, perguntando-lhe sobre o currículo
de Meirinhos e se já havia falado com Miguel Macedo. Figueiredo disse
que já lhe teria enviado uma mensagem, mas não teria obtido resposta.
Maria Antónia sugeriu que deveria fazê-lo pessoalmente. Figueiredo
consentiu, acrescentando que jantaria com o então ministro na semana
seguinte.
No dia 19, nova insistência da
secretária-geral da Justiça sobre o mesmo tema. Às 20h02, Figueiredo
deu-lhe conta de que estava a sair da Embaixada da Roménia, onde teria
estado com Miguel Macedo. Referiu-lhe que “ele” lhe havia pedido para o
ir lembrando disso e o teria avisado de que o perfil do candidato estava
“muito aberto”.
A 10 de Janeiro, Humberto Meirinhos
contactou Figueiredo para lhe confirmar que iria concorrer ao MAI.
Figueiredo respondeu que se estivesse interessado daria uma palavrinha
“ao Miguel” e Humberto agradeceu. Um dia depois, Maria Antónia enviou um
SMS a Figueiredo: “O concurso para séc geral do mai já saiu… não se
esqueça do nosso amigo bjs” [sic], respondendo-lhe Figueiredo: “Já vi e
já falei com o Humberto.”
A 4 de Fevereiro, Miguel Macedo terá
pedido a Figueiredo que lhe indicasse o nome de alguém para chefe de
gabinete. Figueiredo fez referência ao “amigo da Maria Antónia”, cujo
currículo já lhe tinha enviado para “aquilo” da secretaria-geral. Macedo
terá respondido que nesse segundo plano o concurso estava a decorrer.
As tentativas, porém, não chegariam a bom porto. Carlos Manuel Palma foi o nomeado, em Maio de 2014, para ocupar o cargo.
Ascenso Maia não cedeu Em Dezembro de
2013, Maria Antónia Anes tinha outro favor a pedir a Figueiredo: que
favorecesse uma candidata de nome Cláudia, da secretaria-geral do
Ministério da Justiça, num concurso do IRN para chefe de Divisão de
Recursos Humanos. Depois de contactar uma funcionária daquele instituto,
Figueiredo averiguou que Cláudia estava bem posicionada no concurso mas
em posição inferior à de outros dois candidatos. Ao ter conhecimento de
que um dos membros do júri era Ascenso Maia e que “as coisas” já
estariam “assinadas”, Figueiredo, visando o que na perspectiva do
Ministério Público seria “sustar a normal tramitação do procedimento”,
ordenou à funcionária que não mandasse a deliberação para publicação em
Diário da República.
No mesmo dia falou de Cláudia a
Ascenso Maia. O vice-presidente do IRN argumentou que não tinha sido
aprovada. Figueiredo ainda o advertiu para o facto de Maria Antónia lhe
estar a dar muito apoio, mas Ascenso Maia não cedeu e argumentou que a
decisão tomada estava muito bem fundamentada. Figueiredo reportou a
conversa à então secretária-geral da Justiça, dizendo-lhe que “o Maia
não está para aí virado”. Maria Antónia observou “que é porque quer
escolher outra pessoa, mas tudo bem”.
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Luís Goes – “Tudo controlado” Em
Janeiro de 2014, com a alegada concordância de Figueiredo, Maria Antónia
Anes terá tomado a decisão de favorecer Luís Goes, então
secretário-geral da Câmara dos Solicitadores e ex-chefe de gabinete da
secretaria de Estado da Modernização Administrativa, num concurso da
CRESAP para vogal do IRN. A 15 de Janeiro, Maria Antónia informou
Figueiredo de que “no concurso para os financeiros” do IRN um dos
candidatos era Luís Goes.
Figueiredo respondeu dizendo ter boas
relações com aquele: “Não me repugnava que fosse para lá porque é um bom
elemento.” Maria Antónia referiu ser evidente que aquele candidato era
do Partido Socialista mas concluiu que isso até nem seria mau já que
estavam em fim de mandato. A então secretária-geral reforçou que aquele
candidato também tinha concorrido ao MAI mas que não estava tão bem
colocado. Se soubesse quem ele era na altura, acrescentou, tê-lo-ia
colocado melhor.
A 17 de Janeiro, Figueiredo comunica a
Goes que tinha sido escolhido para as duas entrevistas – MAI e IRN – e
aconselhou-o a ir “mais para a parte patrimonial e financeira”. De
seguida, contou-lhe: “Há aí uma pessoa que é a chave-mestra nisto tudo,
sabe quem é?”. “Uma pessoa que está no júri e é quem influencia estas
coisas todas”, acrescentou, dizendo estar a falar de Maria Antónia Anes,
“a pessoa que melhor relação tem com a ministra”. “É ela que depois vai
dizer à ministra quem no entender dela deve e não deve.” Acrescentou
ainda ter ficado com a ideia de que já mais alguém tinha dado um
“lamiré” sobre si: “O seu amigo também já teve aqui mais uma cunhita.”
A 7 de Fevereiro, dia das entrevistas,
Maria Antónia foi relatando o desempenho de Goes a Figueiredo,
desempenho que avaliou de fraco: “Avise o goês que logo à tarde traga
propostas objectivas e concretas”; “Avise o goês de que tem de ser mais
objectivo e trazer próstata concretas para o lugar que vai concorrer… É
urgente.” (Devido ao corrector automático do telefone, Goes saiu “goês” e
proposta “próstata”).
Às 14h44, Maria Antónia terá ligado a
Figueiredo para relatar novamente a prestação de Goes durante a parte da
manhã. Apelidou-a de “pouco objectiva” e de “conversa de político”,
referindo que “o Bilhim [presidente da CRESAP] até escreveu atrás num
papel: eu nem pintado de coisa nenhuma o queria.”
Figueiredo passou os recados a Goes e
recomendou-lhe que falasse mais da parte informática e financeira. No
fim da entrevista da tarde, Maria Antónia deu novo feedback ao então
presidente do IRN: “Pode dizer ao seu amigo que se saiu muito bem.”
Figueiredo terá voltado a transmitir a mensagem a Goes, concluindo: “Que
tal, hã? Isto está tudo controlado.” Às 17h56, Maria Antónia terá
voltado à carga, anunciando a Figueiredo que do conjunto dos candidatos a
melhor entrevista teria sido a de Goes. O salto tinha sido dado durante
a tarde. De manhã, a prestação teria sido tão fraca, lembrou a
secretária-geral da Justiça, que João Bilhim teria dado uma “rabecada”
ao candidato.
* Eis como as pessoas que mandam em nós com brutalidade sofisticada arranjam emprego, uns gameleiros!
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