09/04/2015

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Caso vistos gold. 
Saiba como os concursos para a administraçãopública são manipulados

Ministério Público encontrou mensagens e telefonemas que mostram que o ex-presidente do IRN terá tido acesso às regras do concurso a que se candidatou. Mas há outros favorecidos

O Ministério Público suspeita que a ex-secretária-geral da Justiça, Maria Antónia Anes, e António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), detidos no caso Vistos Gold, manipularam concursos da CRESAP – entidade que selecciona e recruta candidatos para cargos de direcção superior na Administração Pública.  
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Telefonemas e mensagens escritas trocadas entre os dois altos quadros indiciam que António Figueiredo e Maria Antónia Anes chegaram mesmo a violar as regras do concurso em que o primeiro era candidato a presidente da IRN e de outro em que colegas seus concorriam ao cargo de vice-presidente daquele instituto. Para conseguirem ajudar terceiros de quem eram próximos, há até casos em que foram pedidos favores a Miguel Macedo, então ministro da Administração Interna. 
A 10 de Dezembro de 2013, foi publicado o aviso de abertura do concurso para o cargo de presidente do IRN – cargo que já era, à data, desempenhado por António Figueiredo. Um dia depois, Maria Antónia Anes, que fazia parte do júri do concurso da CRESAP, passou essa informação a Figueiredo, que pediu a uma funcionária do IRN que tratasse da sua candidatura. No dia 19, a funcionária confirmou a Figueiredo que o formulário da candidatura já se encontrava preenchido, sendo apenas necessário submetê-lo.  
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Mais tarde, nesse mesmo dia, a funcionária mostrou-se indignada: constatou que faltavam “coisas” no currículo de Figueiredo e alegou que alguém teria entrado no documento e “apagado uma ou outra frase” e que só quem estivesse na posse da password é que poderia fazê-lo. António Figueiredo parecia saber do que se tratava e respondeu que poderia ter sido “a Maria Antónia” (Anes) que “não gostou de qualquer coisa e tirou”. No dia 23, Figueiredo enviou uma mensagem escrita a Maria Antónia: “Toninha veja-me quantos candidatos houveram ao concurso por favor”. 
Dois dias depois, Maria Antónia Anes respondeu que estavam na corrida quatro candidatos. Identificou-os, explicou os testes a que seria submetido no concurso e deu-lhe conta da avaliação pessoal dos currículos que fez dos outros candidatos. “É uma gente que não tem hipótese nenhuma”; “é para nos fazer perder tempo”, disse, acrescentando ter vontade de “dar zero a todos”. O problema, explicou a Figueiredo, é que não poderia chumbá-los à partida por causa dos currículos que apresentavam. “A gente não consegue chumbá-los, porque estas criaturas são criaturas que se dão a si mesmo 20. A gente nem que lhes dê zero, que é o que eu faço, eles ficam sempre com o 10.” 
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Figueiredo ainda terá comentado não conhecer nenhum dos seus adversários. Maria Antónia explicou-lhe: “Isto é tudo uns profissionais de concursos”, acrescentando que Figueiredo podia estar descansado pois nenhum deles era da área nem tinha experiência como conservador.  
No final da conversa, a secretária-geral da Justiça convidou-o a passar no dia seguinte no seu gabinete. No dia 26, Maria Antónia Anes trazia uma boa notícia: comunicou a Figueiredo que acabara de lhe dar a nota de “19”. E só não lhe teria dado mais porque o próprio se teria auto-avaliado em “sensibilidade social” com a nota de “16”. 
Mais de um mês depois, a 28 de Janeiro, os dois quadros da Administração Pública voltaram a falar sobre o concurso. Maria Antónia informou-o de que se não fossem apurados três candidatos, Figueiredo só precisaria de ser reconduzido. A então secretária-geral estava certa de que era isso que iria acontecer porque os currículos não preencheriam os requisitos. 
Ainda assim, para melhor se preparar para os testes psicotécnicos, a 1 de Fevereiro António Figueiredo pediu um favor a Maria Antónia Anes. A vogal da CRESAP terá acedido e dado a Figueiredo “acesso ao perfil das competências comportamentais que melhor se adequavam ao seu concurso”.  
Figueiredo não só terá usado estas informações para uso próprio – informações estas que Maria Antónia Anes estava proibida de partilhar enquanto membro do júri daquele concurso - como terá acabado por transmiti-las àqueles que eram, à data, candidatos ao cargo de vice-presidente do IRN: Ascenso Maia e João Rodrigues. Ou seja, os três terão tido acesso prévio às regras que, por lei, deveriam ser sigilosas. 
A história – descrita em pormenor no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu manter Maria Antónia Anes em prisão domiciliária, e a que o i teve acesso – não acaba aqui.  
Na manhã de 7 Fevereiro, antes da prova oral do concurso, Maria Antónia Anes terá dado a Figueiredo, por antecipação, o resultado dos testes psicotécnicos que havia feito uns dias antes. A oferta terá permitido que o presidente do IRN pudesse “preparar com antecedência a resposta a uma questão atinente à manifestação de um sentimento de frustração no exercício do cargo”. 
Poucos minutos depois da entrevista, a vogal do júri resolveu comentar o desempenho de Figueiredo e enviou-lhe um SMS: “Muito bem… um pouco acelerado, mas sem par.” 
Como a secretária-geral da Justiça antecipara, o concurso viria mesmo a ser anulado por alegada inexistência de três candidatos que reunissem os requisitos. A 12 de Fevereiro, pouco antes da primeira fuga de informação do processo Vistos Gold, o homem que conduzia o Instituto dos Registos e Notariado foi reconduzido no cargo por Paula Teixeira da Cruz.  
Maria Antónia Anes terá chegado a contar a Figueiredo, por telefone, uma conversa “mantida entre si e a ministra da Justiça” sobre a sua recondução. Nos fundamentos que enviou à Relação de Lisboa, o Ministério Público não revela o conteúdo dessa conversa. 
O Ministério Público alega existirem indícios suficientes de que havia “um acordo tácito de troca de favores”, de natureza “material e imaterial”, entre Maria Antónia Anes e António Figueiredo, o cabecilha da alegada rede de corrupção montada em torno da atribuição de vistos gold.  
Favores pedidos a Miguel Macedo No âmbito desse alegado acordo, em Dezembro de 2013, foi a vez de Maria Antónia Anes pedir um favor a Figueiredo, solicitando-lhe que fizesse uso do seu poder de influência junto do então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, para que Humberto Meirinhos, então presidente dos Serviços Sociais da Administração Pública, fosse favorecido num concurso para secretário-geral do MAI.  
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Meirinhos era um dos presentes no jantar em casa de Maria Antónia Anes, em Maio de 2014, que também teve como convidado Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP. Durante o interrogatório do juiz Carlos Alexandre, a secretária-geral da Justiça terá alegado que se reuniram para comer favas que Meirinhos plantara na sua horta.  
A 13 de Dezembro, Maria Antónia Anes voltou a insistir junto de Figueiredo, perguntando-lhe sobre o currículo de Meirinhos e se já havia falado com Miguel Macedo. Figueiredo disse que já lhe teria enviado uma mensagem, mas não teria obtido resposta. Maria Antónia sugeriu que deveria fazê-lo pessoalmente. Figueiredo consentiu, acrescentando que jantaria com o então ministro na semana seguinte. 
No dia 19, nova insistência da secretária-geral da Justiça sobre o mesmo tema. Às 20h02, Figueiredo deu-lhe conta de que estava a sair da Embaixada da Roménia, onde teria estado com Miguel Macedo. Referiu-lhe que “ele” lhe havia pedido para o ir lembrando disso e o teria avisado de que o perfil do candidato estava “muito aberto”.  
A 10 de Janeiro, Humberto Meirinhos contactou Figueiredo para lhe confirmar que iria concorrer ao MAI. Figueiredo respondeu que se estivesse interessado daria uma palavrinha “ao Miguel” e Humberto agradeceu. Um dia depois, Maria Antónia enviou um SMS a Figueiredo: “O concurso para séc geral do mai já saiu… não se esqueça do nosso amigo bjs” [sic], respondendo-lhe Figueiredo: “Já vi e já falei com o Humberto.” 
A 4 de Fevereiro, Miguel Macedo terá pedido a Figueiredo que lhe indicasse o nome de alguém para chefe de gabinete. Figueiredo fez referência ao “amigo da Maria Antónia”, cujo currículo já lhe tinha enviado para “aquilo” da secretaria-geral. Macedo terá respondido que nesse segundo plano o concurso estava a decorrer. 
As tentativas, porém, não chegariam a bom porto. Carlos Manuel Palma foi o nomeado, em Maio de 2014, para ocupar o cargo.  
Ascenso Maia não cedeu Em Dezembro de 2013, Maria Antónia Anes tinha outro favor a pedir a Figueiredo: que favorecesse uma candidata de nome Cláudia, da secretaria-geral do Ministério da Justiça, num concurso do IRN para chefe de Divisão de Recursos Humanos. Depois de contactar uma funcionária daquele instituto, Figueiredo averiguou que Cláudia estava bem posicionada no concurso mas em posição inferior à de outros dois candidatos. Ao ter conhecimento de que um dos membros do júri era Ascenso Maia e que “as coisas” já estariam “assinadas”, Figueiredo, visando o que na perspectiva do Ministério Público seria “sustar a normal tramitação do procedimento”, ordenou à funcionária que não mandasse a deliberação para publicação em Diário da República.  
No mesmo dia falou de Cláudia a Ascenso Maia. O vice-presidente do IRN argumentou que não tinha sido aprovada. Figueiredo ainda o advertiu para o facto de Maria Antónia lhe estar a dar muito apoio, mas Ascenso Maia não cedeu e argumentou que a decisão tomada estava muito bem fundamentada. Figueiredo reportou a conversa à então secretária-geral da Justiça, dizendo-lhe que “o Maia não está para aí virado”. Maria Antónia observou “que é porque quer escolher outra pessoa, mas tudo bem”. 
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Luís Goes – “Tudo controlado” Em Janeiro de 2014, com a alegada concordância de Figueiredo, Maria Antónia Anes terá tomado a decisão de favorecer Luís Goes, então secretário-geral da Câmara dos Solicitadores e ex-chefe de gabinete da secretaria de Estado da Modernização Administrativa, num concurso da CRESAP para vogal do IRN. A 15 de Janeiro, Maria Antónia informou Figueiredo de que “no concurso para os financeiros” do IRN um dos candidatos era Luís Goes.  
Figueiredo respondeu dizendo ter boas relações com aquele: “Não me repugnava que fosse para lá porque é um bom elemento.” Maria Antónia referiu ser evidente que aquele candidato era do Partido Socialista mas concluiu que isso até nem seria mau já que estavam em fim de mandato. A então secretária-geral reforçou que aquele candidato também tinha concorrido ao MAI mas que não estava tão bem colocado. Se soubesse quem ele era na altura, acrescentou, tê-lo-ia colocado melhor.  
A 17 de Janeiro, Figueiredo comunica a Goes que tinha sido escolhido para as duas entrevistas – MAI e IRN – e aconselhou-o a ir “mais para a parte patrimonial e financeira”. De seguida, contou-lhe: “Há aí uma pessoa que é a chave-mestra nisto tudo, sabe quem é?”. “Uma pessoa que está no júri e é quem influencia estas coisas todas”, acrescentou, dizendo estar a falar de Maria Antónia Anes, “a pessoa que melhor relação tem com a ministra”. “É ela que depois vai dizer à ministra quem no entender dela deve e não deve.” Acrescentou ainda ter ficado com a ideia de que já mais alguém tinha dado um “lamiré” sobre si: “O seu amigo também já teve aqui mais uma cunhita.” 
A 7 de Fevereiro, dia das entrevistas, Maria Antónia foi relatando o desempenho de Goes a Figueiredo, desempenho que avaliou de fraco: “Avise o goês que logo à tarde traga propostas objectivas e concretas”; “Avise o goês de que tem de ser mais objectivo e trazer próstata concretas para o lugar que vai concorrer… É urgente.” (Devido ao corrector automático do telefone, Goes saiu “goês” e proposta “próstata”). 
Às 14h44, Maria Antónia terá ligado a Figueiredo para relatar novamente a prestação de Goes durante a parte da manhã. Apelidou-a de “pouco objectiva” e de “conversa de político”, referindo que “o Bilhim [presidente da CRESAP] até escreveu atrás num papel: eu nem pintado de coisa nenhuma o queria.” 

Figueiredo passou os recados a Goes e recomendou-lhe que falasse mais da parte informática e financeira. No fim da entrevista da tarde, Maria Antónia deu novo feedback ao então presidente do IRN: “Pode dizer ao seu amigo que se saiu muito bem.” Figueiredo terá voltado a transmitir a mensagem a Goes, concluindo: “Que tal, hã? Isto está tudo controlado.” Às 17h56, Maria Antónia terá voltado à carga, anunciando a Figueiredo que do conjunto dos candidatos a melhor entrevista teria sido a de Goes. O salto tinha sido dado durante a tarde. De manhã, a prestação teria sido tão fraca, lembrou a secretária-geral da Justiça, que João Bilhim teria dado uma “rabecada” ao candidato. 

* Eis como as pessoas que mandam em nós com brutalidade sofisticada arranjam emprego, uns gameleiros!



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