Paz, liberdade
e prosperidade económica
Qual o bem supremo que valorizamos? Ao nível individual é
provavelmente a saúde, porque sem ela não existimos ou temos pouca
qualidade de vida.
1. Ao nível colectivo,
societário, é provavelmente a paz, e não me refiro à paz social, mas paz
no sentido de ausência de guerra. Para os que acham que as guerras na
Europa pertencem ao passado, basta olhar para a situação da Ucrânia,
para se perceber que não. Depois da paz, vêm como valores a liberdade, e
só a seguir a prosperidade económica. Cada uma é condição necessária,
mas não suficiente, da seguinte. A ordem significa também que não
devemos sacrificar as liberdades à prosperidade económica. Há,
finalmente, efeitos de retroação, crises económicas profundas, geram
instabilidade social, radicalismos políticos, que propiciarão a
emergência de líderes autoritários, que poderão reduzir ou suprimir as
liberdades, o que poderá pôr em causa a estabilidade e a paz
internacional, sobretudo se tal acontecer num país económica e sobretudo
militarmente poderoso. A razão deste “back to basics” em termos dos valores é que aqui se deve situar a discussão em torno do euro.
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2. Numa
visão optimista o euro é um passo, que espero intermédio, num longo
processo histórico, que começou na primeira fase da União Económica e
Monetária (UEM) e que terminará com a instituição de uma federação
política europeia democrática sui generis, dentro de trinta ou quarenta
anos, e após várias crises de crescimento, com os países que quiserem e
puderem participar nessa União (o que pressupõe cláusulas de adesão e
de secessão). Só esta poderá garantir a paz, a liberdade e a
prosperidade económica, não só na Europa como um todo, mas em cada um
dos seus países, em particular. Estamos muito longe ainda. Agora,
presenciamos uma incapacidade das instituições europeias, cada vez mais
intergovernamentais e menos comunitárias, de responderem adequadamente a
uma crise, que primeiro foi financeira (nos EUA), depois na Europa foi
bancária transmitida a seguir a crise da dívida soberana (Irlanda), ou
directamente transmitida a crise da dívida soberana auxiliada por uma má
gestão das finanças públicas (Portugal e Grécia). Hoje, e devido
sobretudo à intervenção do Banco Central Europeu, as condições de
financiamento da dívida estão muito boas, mas o peso da dívida no PIB é
largamente superior ao que era antes da crise, o que mostra a
fragilidade da situação actual.
3. Os problemas
actuais vêm da segunda fase da UEM, em que foi dada primazia aos
critérios de convergência nominal das economias em detrimento da
convergência real, em que os diferenciais de competitividade entre os
países que viriam a integrar o euro se agravaram. Esta divergência, não
só não foi corrigida com a adopção do euro como foi em certa medida
agravada, sobretudo no caso da Grécia em que os custos unitários do
trabalho se agravaram significativamente, sendo que os países que menos
os agravaram no período de 2001 a 2009 foram precisamente a Alemanha e a
Áustria (ver Comissão Europeia 2015). Portugal, nesse período, ocupa
uma posição intermédia, e o recente período do “programa de ajustamento”
fez reduzir estes custos. Porém, Portugal e a Grécia eram os países com
maiores rigidezes nos mercados do produto e do trabalho. Em particular a
segmentação ou dualidade do mercado de trabalho, em que existem os “insiders”, com contratos a tempo indeterminado, e os “outsiders”,
os com contrato a termo certo, para não falar nos precários, tem
contribuído muito para o aumento do desemprego nestes países em
particular do desemprego jovem e constitui um obstáculo ao crescimento.
Para além destas fragilidades no mercado de trabalho, a ineficiência e
morosidade da justiça (apreendida pelos empresários como um dos
principais obstáculos ao investimento, tão ou mais importante que a taxa
de IRC), a má gestão das finanças públicas, e privadas, agravou o
problema. Na primeira década do século XX, enquanto as democracias
maduras do norte da europa aproveitaram a descida das taxas de juro para
reduzirem a dívida, nós aproveitámos para nos endividar mais. Nunca é
demais relembrar que Portugal e a Grécia foram os únicos países que
nunca tiveram um excedente orçamental em democracia. Há problemas que
são nacionais e que têm que ser atacados à escala nacional. Mas não
chega.
IN "PÚBLICO"
08/03/15
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