ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
É científico:
raparigas começam a falar mais
cedo do que os rapazes
Muito antes de dizer as primeiras palavras, os bebés já conseguem distinguir uma língua estrangeira da sua.
Tal como já fazem para avaliar o peso e a
altura, pediatras e especialistas em Portugal podem agora verificar em
que percentil da linguagem se encontra um bebé e se apresenta ou não
algum desvio relevante em relação ao padrão típico das crianças
portuguesas.
Uma equipa de investigadores do Lisbon Baby Lab da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o primeiro do género a
surgir em Portugal, concluiu este ano um trabalho inédito de adaptação
do questionário conhecido como CDI (Inventário de Desenvolvimento
Comunicativo - formas reduzidas) para português europeu, de forma a
identificar as competências médias de bebés e crianças no que respeita à
compreensão e à fala. Um instrumento que já tinha sido adaptado para
meia centena de línguas, mas não para o português.
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O estudo foi feito a partir de uma amostra
representativa de 836 crianças, entre os 8 e os 30 meses. As curvas de
desenvolvimento mostram que a compreensão de palavras precede a produção
de vocábulos (ver caixa) e que enquanto a primeira tem uma progressão
linear, a fala dá um salto a partir dos 15 meses. A investigação
permitiu ainda verificar que desde muito cedo as raparigas começam a
compreender, mas sobretudo a dizer, mais palavras do que os rapazes. A
diferença foi encontrada em várias línguas, ainda que não em todas.
"Os estudos sobre o CDI reportam o resultado, mas não
adiantam explicações. Todavia, estudos na área do desenvolvimento do
cérebro revelaram que os cérebros de rapazes e raparigas apresentam
diferenças no seu desenvolvimento ainda durante a gravidez e que podem
estar relacionadas com a forma como homens e mulheres processam a
linguagem, designadamente com o facto de as mulheres terem capacidades
de linguagem mais fortes", explica Sónia Frota: "A maturação de áreas do
cérebro envolvidas na linguagem ocorre mais cedo nelas."
Mais do que variações normais, os investigadores
realçam a importância de se conhecer o desenvolvimento linguístico
típico, por forma a detetar desvios significativos e desencadear uma
intervenção "mais atempada e ajustada dos técnicos". Uma das
investigações em curso no Lisbon Baby Lab pretende precisamente detetar a
existência ou não desses sinais em bebés de risco no espectro do
autismo em vez de esperar dois ou três anos pela manifestação desses
sintomas.
Ainda que não falem como os adultos - as primeiras
palavras surgem à volta dos 12 meses, apesar de haver bastante variação
entre crianças -, é possível, através de sistemas de monitorização do
olhar (eye tracking), eletroencefalogramas, registo de sons perceber a
relação de bebés e crianças com a linguagem. Quando e como começam a
descodificar sons, palavras e frases é uma das perguntas a que se tenta
responder naquele laboratório, criado há cinco anos. Sendo certo que
antes de dizerem as primeiras palavras com sentido, os bebés desenvolvem
capacidades relacionadas com a linguagem logo nas primeiras semanas de
vida.
As crianças e as línguas estrangeiras
"Bebés recém-nascidos são capazes de discriminar a língua materna de línguas estrangeiras", exemplifica Sónia Frota, diretora do laboratório. "São também capazes de distinguir entre duas línguas estrangeiras, dependendo das propriedades sonoras dessas línguas."
"Bebés recém-nascidos são capazes de discriminar a língua materna de línguas estrangeiras", exemplifica Sónia Frota, diretora do laboratório. "São também capazes de distinguir entre duas línguas estrangeiras, dependendo das propriedades sonoras dessas línguas."
O que as experiências mais recentes mostram é que tudo
começa "mais cedo do que se pensava", diz Sónia Frota. No Lisbon Baby
Lab testou-se a reação de bebés com 5 meses a determinados contrastes de
melodia (a mesma frase dita com entoação interrogativa ou afirmativa,
como é comum na fala) e confirmou-se que os bebés já discriminam essa
diferença. Mas quando foram expostos ao mesmo tipo de contrastes, usando
uma língua estrangeira, no caso o mandarim, essa discriminação já não
aconteceu da mesma maneira, relata. "Isto significa que aos 5 meses já
estão sintonizados para a sua língua nativa", sublinha a investigadora.
A partir dos 4-6 meses os bebés têm consciência da
"distribuição dos sons típica de cada língua", acrescenta. E não é de
todo um mito que as crianças têm mais facilidade em aprender um idioma
estrangeiro do que os adultos. "Mesmo entre as próprias crianças há uma
grande diferença nessa capacidade, entre o que conseguem fazer entre o
primeiro ano de vida e o que acontece entre os 4 e os 7 anos. A partir
daí há uma quebra brutal dessa capacidade", confirma. Porquê?
"Quando nascemos é como se o cérebro fosse um campo
virgem que nunca foi ceifado, em que tudo tem a mesma importância. Um
bebé exposto a sons do chinês, do árabe, do italiano, do português
consegue discriminar todos eles, de uma forma que um adulto não
consegue. Esse campo vai sendo ceifado pela língua a que estão mais
expostos e há circuitos que vão sendo otimizados para determinadas
combinações de sons e outros que vão sendo desativados", numa espécie de
"learning by forgetting" explica Sónia Frota.
É o que acontece com línguas relativamente próximas na
sonoridade, como o Português e o Espanhol. "Um bebé espanhol não terá
dificuldade em distinguir a vogal 'e' aberta ou fechada. Para um adulto
espanhol isso é uma dificuldade porque só utiliza uma das vogais",
exemplifica. E está também demonstrado que, nalguns casos, as
características dos idiomas acabam por facilitar ou dificultar o início
da fala. Os bebés que falam inglês americano têm um desenvolvimento mais
rápido do que os que falam francês, por exemplo.
* Fica provado porque somos mais cuscas e tagarelas, começamos mais cedo, eh,eh,eh.
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