A estratégia
do conhecimento
Parece ser pouco
discutível que a soberania clássica compreendia mais do que o poder
militar, o qual agregava os poderes financeiro e económico, e o poder
científico e cultural, embora o primeiro tivesse uma imagem mais forte
até que as duas grandes guerras mundiais destruíram primeiro os impérios
domésticos europeus (alemão, austro-húngaro, russo, turco), depois o
império colonial euromundista (Holanda, Bélgica, França, Portugal,
Inglaterra). Depois disso, multiplicam-se os Estados cuja soberania
nominal não compreende a soma dos poderes clássicos. A necessidade de
cada Estado averiguar e assumir o que lhe resta dos componentes da
soberania clássica exige cuidar não apenas do movimento de
regionalização coletiva (União Europeia) que lhe salvaguarde a igual
dignidade internacional, e não descurar os componentes da debilitada
soberania que lhe resta em numerosa companhia.
A política externa e a
segurança externa e interna não são em geral descuradas, ou são
descuradas com aumento da perda de estatuto internacional. Mas existe um
elemento, nesta época de crise financeira e económica mundial, que é a
estratégia do conhecimento, que um liberalismo de nova invenção
frequentemente descura, porque encontra na privatização um remédio que
não responde às exigências de pelo menos manter a igual dignidade na
comunidade internacional. Trata-se da estratégia do conhecimento, antes
mais conhecida como política da investigação e do ensino. Ora os países
mais em vista, neste século sem bússola, não esquecem eles próprios que a
investigação e o ensino, ou estratégia do conhecimento, é um tema da
soberania. Um poder como ainda é o dos EUA faz uma distinção que podemos
exprimir como estratégia do conhecimento e economia do conhecimento. No
primeiro grupo ficam as investigações reservadas, relacionadas com a
segurança e a defesa nacional, com o seu conceito de nação
indispensável, designadamente com a exploração do espaço. Mas a abertura
oportuna desse conhecimento à rede nacional de ensino e investigação,
e, a partir desta, à iniciativa e à criatividade privadas, são uma
verdadeira doação à economia de mercado. A literatura sobre este tema da
estratégia do conhecimento relacionada com a inovação económica, e a
sua relação com o poder efetivo da potência política, é valiosa, e os
resultados são conhecidos.
Naturalmente, casos como o da Rússia, pelo
menos enquanto durou o regime soviético não refletiu a estratégia
militar do conhecimento na atividade privada que não considerava, mas a
França, sem a dimensão dos EUA, não omitiu que o "poder francês" tinha
nisso uma das suas bases. É evidente que os chamados pequenos países,
mesmo quando a adjetivação não é aceite pelos seus governos, não podem,
senão ocasionalmente, ligar ambas as atividades, mas não estão
impedidos, pelas alianças designadamente, de conseguir alguma corrente
útil entre a estratégia estadual do conhecimento e a inovação, quer no
ensino quer no saber-fazer que anima a iniciativa privada e a sua
criatividade. Mas em qualquer das circunstâncias o que não parece
possível, a qualquer Estado que pretende um lugar igual na comunidade
das Nações em termos de dignidade, é descurar que investigação e ensino
são responsabilidades da soberania e não do mercado.
É coisa diferente
admitir ensino público e ensino privado, articular a investigação
pública e a investigação privada, com a condição de não esquecer que a
responsabilidade estadual se estende à coerência, à viabilidade, e a
resultados, exigidos pela rede nacional que todos integram. E por isso
não reduzir a uma visão contabilista o problema da investigação e do
ensino, com o prejuízo adicional de que os que se distinguem não
obstante as dificuldades é no estrangeiro que procuram utilidade e
futuro. É muito honroso ser pátria de um Pedro Hispano, mas a honra
junta-se ao proveito quando o seu triunfo é doméstico.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/03/15
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