19/03/2015

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HOJE NO 
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Tribunal da Relação arrasa Sócrates 
no acórdão a que o i teve acesso

Acórdão de 66 páginas a que o i teve acesso questiona “amizade sem limites” entre Santos Silva e um “potencial insolvente” como Sócrates

Os juízes do Tribunal da Relação que negaram terça-feira o recurso a José Sócrates consideram que Carlos Alexandre seguiu a lei quando colocou o ex-governante em prisão preventiva. E adiantam que a alegação da defesa de que houve violação dos direitos é “completamente descabida”, uma vez que Sócrates foi confrontado com as suspeitas do Ministério Público aquando do interrogatório de Novembro.  
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No acórdão a que o i teve acesso, os desembargadores Agostinho Torres e João Carola afirmam que há fortes indícios da prática de crimes por parte de José Sócrates. Indícios com os quais a defesa pode até não concordar mas que estão devidamente fundamentados. Ao longo de 66 páginas afirmam que uma amizade como a de Sócrates e de Santos Silva é um “inexplicável comportamento fiduciário”. 
É por isso que classificam como “completamente inaceitável” o argumento de que a movimentação de milhões entre ambos era uma questão de amizade, alertando que ter uma vida de luxo com poucos rendimentos ultrapassa a esfera pessoal de cada cidadão e tem de dar origem a uma investigação: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”.  
Potencial insolvente A relação entre Sócrates e Santos Silva ocupa grande parte do acórdão. 

Agostinho Torres e João Carola questionam de forma simples as elevadas movimentações financeiras entre o ex-primeiro-ministro e Carlos Santos Silva: “Diríamos, amizade sim, por que não? Mas tanto assim, também não! E amizade assim, por que razão? O arguido Carlos é um empresário, um homem de negócios. Até pode ser uma pessoa altruísta.  
Mas é empresário, vive de e para o dinheiro, para o reproduzir, multiplicar e ter lucros.” 
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 Sobre o argumento da defesa de que os montantes entregues a Sócrates pelo empresário eram empréstimos, os desembargadores dizem que nunca foi explicada pelos arguidos “a razão de tamanha amizade sem limites”, sobretudo quando do outro lado estava um “potencial insolvente”, como José Sócrates. “Qualquer cidadão normal ficaria estupefacto perante o deslumbre de tanto dinheiro dito ‘emprestado’ mas afinal sem intenção de retorno.  
Um verdadeiro milagre de altruísmo pelo amigo! O certo é que, seguramente, não deveria ter muito gosto ou interesse em correr riscos de investimento elevados, mesmo que por amizade, ainda por cima envolvendo uma pessoa como o arguido José Sócrates que, a ser verdade não ter outro património, então seria um potencial insolvente.”  
Com base em todos estes argumentos, o acórdão conclui que em causa não estava uma mera relação de amizade, mas sim uma relação em que Santos Silva seria um testa de ferro, como defende a investigação conduzida pelo Departamento Central de Investigação e AcçãoPenal: “Só assim se explica aquela ‘magnanimidade’ e beneficiação patrimonial”. 
O crime de tráfico de influência Os dois desembargadores referem que existem factos que poderiam sustentar a presunção de tráfico de influência, um crime pelo qual Sócrates não foi indiciado. Ainda assim o tribunal deixa claro que essa não é a sua função. Sobre as dúvidas levantadas pela defesa, no recurso, sobre o crime de corrupção por não haver prova suficiente aquando do primeiro interrogatório, os juízes esclarecem: “É realmente verdade que até ao interrogatório e imposição da medida de coação não estava feita ainda prova decisiva desta modalidade de ilícito criminal, conclusão esta que o próprio MP acaba por reconhecer.” 
Mas terá isso alguma relevância? Não, respondem. A prova “dependerá muito do resultado dos pedidos de cooperação internacional e do tipo de informações bancárias solicitadas à Confederação Helvética, no intuito de confirmar a natureza dos fundos geridos por Carlos Silva.” 
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Se assim é, porque não foram pedidos antes os dados à Suíça, para que aquando da detenção o Ministério Público tivesse já detalhes sobre a alegada prática do crime de corrupção por parte de Sócrates? Os investigadores salientam que de acordo com a lei daquele país todas as pessoas que são alvo de rogatórias têm de ser notificadas e se a rogatória fosse expedida antes da detenção Sócrates ficaria dessa forma a saber que estava a ser investigado. 
Ainda assim, para a Relação, o que havia na altura era suficiente para pressupor a existência desse crime. Outra das questões levantadas pela defesa de Sócrates neste recurso era o facto de se estar a falar em fraude fiscal quando os montantes em causa vieram para Portugal ao abrigo do Regime Extraordinário de Regularização Tributária, um programa de amnistia fiscal. Mas Agostinho Torres e João Carola concordam com a interpretação do Ministério Público, ou seja, a de que o dinheiro foi regularizado mas em nome de uma pessoa que não era a verdadeira titular. E é esta provável omissão do património por parte do ex-governante que constitui o crime de fraude fiscal. 
Perigo de fuga Ponto prévio: esta é a única parte em que o acórdão da Relação não corrobora da decisão de Carlos Alexandre por considerarem os desembargadores que não havia um forte perigo de fuga a curto prazo, quando foi determinada a prisão preventiva, em Novembro. Ainda assim, deixam claro que, mesmo não sendo iminente, havia motivos para que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal temesse a sua fuga. “Tem enorme e reconhecida facilidade de deslocação para o estrangeiro, não apresentando indiciariamente problemas de natureza financeira, embora a sua liquidez dependesse da actividade e conluio do e com o arguido Carlos Silva”, sustentam. 
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O acórdão revela mesmo que, ainda que o arguido tenha regressado de França no dia em que foi detido, isso não significa que em momento posterior não pudesse fugir: “Ao arguido são conhecidas e públicas, excelentes relações políticas em África e, sobretudo, no Brasil e Venezuela”. 
Os juízes questionam mesmo – sem conseguir adiantar a resposta – se tal regresso não teria o objectivo de manipular ou ocultar provas. 
Além disso, adiantam os desembargadores, “trata-se de um arguido com manifesta capacidade intelectual e de relacionamentos multifacetados, ainda com alguns importantes apoios de relevância social e no tecido partidário, internamente e no exterior.” Também há considerações sobre a sua personalidade. Classificam-no como uma pessoa resiliente e determinada. 
O acórdão vai ainda buscar outros processos em que Sócrates esteve envolvido para justificar que o ex-governante enfrentou todas as situações adversas com “tenacidade”, acabando sempre por sair “incólume criminalmente”. 
Perigo de manipulação iminente A investigação não podia correr o risco de ser destruída numa altura em que já estava “num patamar demasiado importante”. É essa a convicção do Tribunal da Relação de Lisboa, que concorda com Carlos Alexandre sobre a existência de perigo de manipulação de documentos. 
“Os argumentos do MP e do juiz de instrução criminal assumem um enorme relevo e que está de acordo com uma visão inteligente e estruturada do caso”. E se, quanto ao perigo de fuga, acham que falta fundamentação, quanto ao de perturbação do inquérito consideram que essa questão não se coloca.  
Para o justificar lembram o facto de Sócrates ter escondido o seu computador pessoal na casa da vizinha, tentando assim dificultar o trabalho das buscas. A manipulação de provas teve supostos cúmplices – familiares e pessoas próximas –, segundo explica a Relação, que estão “ainda em liberdade”. 
Por todos estes motivos, e explicando que basta o perigo iminente de manipulação de prova para manter um arguido em preventiva, concluem os dois juízes que “a colocação do arguido em liberdade poria em sério risco a investigação”.  
O recurso de Sócrates O recurso apresentado pelos advogados João Araújo e Pedro Delille assentava em três pontos: argumentava que havia nulidades processuais relativas à audição e ao despacho de Carlos Alexandre; pedia a “impugnação da existência dos alegados fortes indícios dos crimes imputados” e sustentava também a “impugnação dos motivos alegadamente subjacentes, quer ao receio de perturbação da aquisição e conservação da prova, quer ao receio de fuga”. 

* Sem palavras.

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