HOJE NO
"i"
"i"
Tribunal da Relação arrasa Sócrates
no acórdão a que o i teve acesso
Acórdão de 66 páginas a que o i teve acesso questiona “amizade sem limites” entre Santos Silva e um “potencial insolvente” como Sócrates
Os
juízes do Tribunal da Relação que negaram terça-feira o recurso a José
Sócrates consideram que Carlos Alexandre seguiu a lei quando colocou o
ex-governante em prisão preventiva. E adiantam que a alegação da defesa
de que houve violação dos direitos é “completamente descabida”, uma vez
que Sócrates foi confrontado com as suspeitas do Ministério Público
aquando do interrogatório de Novembro.
.
No acórdão a que o i teve acesso, os desembargadores Agostinho
Torres e João Carola afirmam que há fortes indícios da prática de crimes
por parte de José Sócrates. Indícios com os quais a defesa pode até não
concordar mas que estão devidamente fundamentados. Ao longo de 66
páginas afirmam que uma amizade como a de Sócrates e de Santos Silva é
um “inexplicável comportamento fiduciário”.
É por isso que classificam como “completamente inaceitável” o
argumento de que a movimentação de milhões entre ambos era uma questão
de amizade, alertando que ter uma vida de luxo com poucos rendimentos
ultrapassa a esfera pessoal de cada cidadão e tem de dar origem a uma
investigação: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe
vêm”.
Potencial insolvente A relação entre Sócrates e Santos Silva ocupa
grande parte do acórdão.
Agostinho Torres e João Carola questionam de forma simples as elevadas movimentações financeiras entre o ex-primeiro-ministro e Carlos Santos Silva: “Diríamos, amizade sim, por que não? Mas tanto assim, também não! E amizade assim, por que razão? O arguido Carlos é um empresário, um homem de negócios. Até pode ser uma pessoa altruísta.
Agostinho Torres e João Carola questionam de forma simples as elevadas movimentações financeiras entre o ex-primeiro-ministro e Carlos Santos Silva: “Diríamos, amizade sim, por que não? Mas tanto assim, também não! E amizade assim, por que razão? O arguido Carlos é um empresário, um homem de negócios. Até pode ser uma pessoa altruísta.
Sobre o argumento da defesa de que os montantes entregues a
Sócrates pelo empresário eram empréstimos, os desembargadores dizem que
nunca foi explicada pelos arguidos “a razão de tamanha amizade sem
limites”, sobretudo quando do outro lado estava um “potencial
insolvente”, como José Sócrates. “Qualquer cidadão normal ficaria
estupefacto perante o deslumbre de tanto dinheiro dito ‘emprestado’ mas
afinal sem intenção de retorno.
Um verdadeiro milagre de altruísmo pelo amigo! O certo é que,
seguramente, não deveria ter muito gosto ou interesse em correr riscos
de investimento elevados, mesmo que por amizade, ainda por cima
envolvendo uma pessoa como o arguido José Sócrates que, a ser verdade
não ter outro património, então seria um potencial insolvente.”
Com base em todos estes argumentos, o acórdão conclui que em causa
não estava uma mera relação de amizade, mas sim uma relação em que
Santos Silva seria um testa de ferro, como defende a investigação
conduzida pelo Departamento Central de Investigação e AcçãoPenal: “Só
assim se explica aquela ‘magnanimidade’ e beneficiação patrimonial”.
O crime de tráfico de influência Os dois desembargadores referem
que existem factos que poderiam sustentar a presunção de tráfico de
influência, um crime pelo qual Sócrates não foi indiciado. Ainda assim o
tribunal deixa claro que essa não é a sua função. Sobre as dúvidas
levantadas pela defesa, no recurso, sobre o crime de corrupção por não
haver prova suficiente aquando do primeiro interrogatório, os juízes
esclarecem: “É realmente verdade que até ao interrogatório e imposição
da medida de coação não estava feita ainda prova decisiva desta
modalidade de ilícito criminal, conclusão esta que o próprio MP acaba
por reconhecer.”
Mas terá isso alguma relevância? Não, respondem. A prova “dependerá
muito do resultado dos pedidos de cooperação internacional e do tipo de
informações bancárias solicitadas à Confederação Helvética, no intuito
de confirmar a natureza dos fundos geridos por Carlos Silva.”
.
.
Se assim é, porque não foram pedidos antes os dados à Suíça, para
que aquando da detenção o Ministério Público tivesse já detalhes sobre a
alegada prática do crime de corrupção por parte de Sócrates? Os
investigadores salientam que de acordo com a lei daquele país todas as
pessoas que são alvo de rogatórias têm de ser notificadas e se a
rogatória fosse expedida antes da detenção Sócrates ficaria dessa forma a
saber que estava a ser investigado.
Ainda assim, para a Relação, o que havia na altura era suficiente
para pressupor a existência desse crime. Outra das questões levantadas
pela defesa de Sócrates neste recurso era o facto de se estar a falar em
fraude fiscal quando os montantes em causa vieram para Portugal ao
abrigo do Regime Extraordinário de Regularização Tributária, um programa
de amnistia fiscal. Mas Agostinho Torres e João Carola concordam com a
interpretação do Ministério Público, ou seja, a de que o dinheiro foi
regularizado mas em nome de uma pessoa que não era a verdadeira titular.
E é esta provável omissão do património por parte do ex-governante que
constitui o crime de fraude fiscal.
Perigo de fuga Ponto prévio: esta é a única parte em que o acórdão
da Relação não corrobora da decisão de Carlos Alexandre por considerarem
os desembargadores que não havia um forte perigo de fuga a curto prazo,
quando foi determinada a prisão preventiva, em Novembro. Ainda assim,
deixam claro que, mesmo não sendo iminente, havia motivos para que o
juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal temesse a sua fuga. “Tem
enorme e reconhecida facilidade de deslocação para o estrangeiro, não
apresentando indiciariamente problemas de natureza financeira, embora a
sua liquidez dependesse da actividade e conluio do e com o arguido
Carlos Silva”, sustentam.
.
.
O acórdão revela mesmo que, ainda que o arguido tenha regressado de
França no dia em que foi detido, isso não significa que em momento
posterior não pudesse fugir: “Ao arguido são conhecidas e públicas,
excelentes relações políticas em África e, sobretudo, no Brasil e
Venezuela”.
Os juízes questionam mesmo – sem conseguir adiantar a resposta – se
tal regresso não teria o objectivo de manipular ou ocultar provas.
Além disso, adiantam os desembargadores, “trata-se de um arguido
com manifesta capacidade intelectual e de relacionamentos
multifacetados, ainda com alguns importantes apoios de relevância social
e no tecido partidário, internamente e no exterior.” Também há
considerações sobre a sua personalidade. Classificam-no como uma pessoa
resiliente e determinada.
O acórdão vai ainda buscar outros processos em que Sócrates esteve
envolvido para justificar que o ex-governante enfrentou todas as
situações adversas com “tenacidade”, acabando sempre por sair “incólume
criminalmente”.
Perigo de manipulação iminente A investigação não podia correr o
risco de ser destruída numa altura em que já estava “num patamar
demasiado importante”. É essa a convicção do Tribunal da Relação de
Lisboa, que concorda com Carlos Alexandre sobre a existência de perigo
de manipulação de documentos.
“Os argumentos do MP e do juiz de instrução criminal assumem um
enorme relevo e que está de acordo com uma visão inteligente e
estruturada do caso”. E se, quanto ao perigo de fuga, acham que falta
fundamentação, quanto ao de perturbação do inquérito consideram que essa
questão não se coloca.
Para o justificar lembram o facto de Sócrates ter escondido o seu
computador pessoal na casa da vizinha, tentando assim dificultar o
trabalho das buscas. A manipulação de provas teve supostos cúmplices –
familiares e pessoas próximas –, segundo explica a Relação, que estão
“ainda em liberdade”.
Por todos estes motivos, e explicando que basta o perigo iminente
de manipulação de prova para manter um arguido em preventiva, concluem
os dois juízes que “a colocação do arguido em liberdade poria em sério
risco a investigação”.
O recurso de Sócrates O recurso apresentado pelos advogados João
Araújo e Pedro Delille assentava em três pontos: argumentava que havia
nulidades processuais relativas à audição e ao despacho de Carlos
Alexandre; pedia a “impugnação da existência dos alegados fortes
indícios dos crimes imputados” e sustentava também a “impugnação dos
motivos alegadamente subjacentes, quer ao receio de perturbação da
aquisição e conservação da prova, quer ao receio de fuga”.
* Sem palavras.
* Sem palavras.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário