Como lidar com Putin?
Como se sai daqui? Até onde irá Putin? Se não for travado agora (como não foi em 2008), qual será o alvo seguinte?
1. Numa inesperada iniciativa, a chanceler da Alemanha e o Presidente
da França foram a Kiev e a Moscovo para aquilo a que chamaram
“derradeira tentativa” para quebrar a escalada dos combates no Leste da
Ucrânia e tentar abrir um espaço, por pequeno que seja, para a
diplomacia.
A situação no terreno piorou drasticamente nas
últimas semanas. A intervenção russa não é segredo para ninguém:
soldados e armamento. Conseguiu colocar o Exército ucraniano na
defensiva. Coloca à Europa e aos Estados Unidos um desafio de enormes
proporções para a segurança euro-atlântica. Nem Merkel nem Hollande
vieram sorridentes do seu encontro de cinco horas com Putin, aliás, o
mais frio possível, sem apertos de mão, nem conferências de imprensa.
Hoje vão reencontrar-se telefonicamente com o Presidente ucraniano e o
Presidente russo. Merkel vai a Washington amanhã. Hollande disse que se
tratava da última tentativa de encontrar a paz antes de uma “guerra
total”. Há uma divergência entre os dois lados do Atlântico sobre a fase
seguinte: vale ou não a pena fornecer armamento defensivo ao Exército
ucraniano para conseguir resistir à ofensiva dos rebeldes e dos russos?
Em Washington cresce a pressão sobre Obama para que forneça armas. O
Presidente ainda não decidiu. Em Berlim ou em Londres, a ideia não é bem
vista, porque pode não servir de nada, a não ser piorar a situação.
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2.Joe
Biden, o vice-presidente americano, foi a Bruxelas para se encontrar
com os aliados da NATO. Mostrou-se céptico com a iniciativa
franco-alemã, lembrou que a Ucrânia “está a lutar pela sobrevivência”. A
sua missão principal foi averiguar do estado de espírito dos europeus
perante uma situação que pode sair do controlo.
A NATO decidiu
reforçar a sua presença nos países de Leste que fazem fronteira com a
Rússia e preparar uma força de reacção rápida para poder agir em
qualquer circunstância. Mas o “pulso” da NATO depende mais da vontade
política dos seus membros do que da preparação militar. Uma guerra com a
Rússia continua a ser um cenário inimaginável. Mas a defesa de todos os
seus membros (Artigo 5.º) em caso de agressão a um deles pode ser posta
dramaticamente à prova.
O problema é que não se sabe qual é a
próxima jogada de Putin. Já se percebeu que o facto de a Rússia
enfrentar uma situação económica muito difícil, graças à queda do preço
do petróleo e ao efeito das sanções, não desarma o Presidente, antes o
pode levar a uma fuga para a frente, alimentando o nacionalismo russo
com o fantasma da ameaça externa. Entretanto, também preparou o terreno:
desapareceram as manifestações que há um ano ainda animavam as ruas de
Moscovo e a comunicação social, sobretudo as televisões, está sob
controlo do Kremlin, dando aos russos apenas aquilo que o Kremlin quer.
3.
Como se sai daqui? Até onde irá Putin? Se não for travado agora (como
não foi em 2008), qual será o alvo seguinte? Os bálticos, que são
membros da NATO e da União Europeia e onde vivem minorias russas em nome
das quais Putin justifica as suas agressões militares? Se não se fizer
nada, o que é que acontece? Um “conflito congelado”? A “finlandização”
da Ucrânia? Enviar armas? Não enviar armas? As respostas são
extremamente difíceis.
É verdade que alguns dos cálculos de Putin
têm falhado. Acreditou que seria fácil dividir a Europa e neutralizá-la.
Foi a conclusão que tirou quando, ao longo dos anos, cada capital
europeia tinha as suas próprias relações com a Rússia, centradas nos
interesses económicos, impedindo uma estratégia comum. Os europeus
preferiram olhar para o lado, quando se tratou da Geórgia, cujo conflito
o Presidente Sarkozy resolveu em meia dúzia de dias com um acordo que
tinha textos diferentes para Moscovo e Tbilissi. Ainda está tudo na
mesma. A crise ucraniana mostrou que não fazer nada deixou de ser uma
opção.
Nos EUA as coisas também não andaram muito longe. Obama,
logo que chegou à Casa Branca, quis melhorar as relações de cooperação
com a Rússia. Foi o célebre “reset”. Na sua gestão das crises
internacionais não desdenhou da ajuda de Putin. Basta lembrar que, há
pouco mais de um ano, quando Damasco passou a linha vermelha da
utilização das armas químicas, o Presidente aceitou a intermediação de
Putin para evitar uma intervenção. Não queria pôr fim às duas guerras do
seu antecessor para se envolver noutras. Hoje, tem de enfrentar o
desafio que a Rússia volta a lançar ao Ocidente e não pode desligar-se
da Síria e do Estado Islâmico.
A novidade é a liderança alemã.
Também em Berlim houve uma enorme mudança. Merkel percebeu que a
Alemanha já não se podia dar ao luxo de manter o statu quo
europeu, vendo-se apenas como uma potência económica. Quando a França
enviou tropas para o Mali, fez saber que não pagaria as intervenções
militares de Paris. Hoje, ela e Hollande lidam ambos com um desafio mil
vezes mais difícil e complexo. Escreve Piotr Buras no site do European
Council on Foreign Relations: “A crise russa levou à perda de fé no
princípio da mudança através da integração, da convergência e do
comércio que a Alemanha acreditou serem as bases [da sua relação com o
mundo].” Em contrapartida, a imprensa britânica denuncia a ausência de
David Cameron, que parece disposto a acabar com a influência britânica
na Europa e no mundo.
Por mais importância que tenha a Grécia (e
tem), Merkel vai querer falar com os seus pares europeus sobre a
iniciativa ucraniana durante a cimeira da próxima quinta-feira. Aliás, a
chanceler aconselhou Atenas a apresentar o seu plano na reunião do
Eurogrupo na véspera da cimeira. Devia prestar mais atenção às
consequências de um eventual confronto com o novo Governo grego. A
Europa, por culpa própria e culpa alheia, já perdeu a Rússia, já perdeu a
Turquia e não lhe convém perder a Grécia, empurrando-a para os braços
da Rússia. Hoje, o Presidente Erdogan impõe um regime cada vez mais
autoritário aos turcos e quer desempenhar um papel de potência regional.
A tradicional inimizade com a Grécia, que uma aproximação à Europa
ajudaria a resolver, pode voltar ao de cima. Sobretudo porque o Syriza
escolheu como parceiro de governo os Gregos Independentes, cuja retórica
contra a Turquia (mas também contra a Alemanha) não é um bom sinal. Não
é caso único. Merkel foi recentemente à Hungria explicar a Victor Orban
que não será bem vista uma aproximação à Rússia.
A Europa está
rodeada de crises por todos os lados, que desafiam a sua relevância e a
sua segurança. Os seus líderes precisam de se sentar à mesa para
reflectir sobre como lidar com o mundo de hoje, carregado de incertezas e
de novas ameaças. Precisam de se entender sobre uma visão de conjunto
para tratar dos múltiplos problemas internos. Seja a Grécia, seja a
economia, seja o TTIP (Parceria Transatlântica para o Comércio e o
Investimento). Têm de manter, sobretudo, a sua unidade. Às vezes os
momentos de crise são bons conselheiros. Os ataques terroristas a Paris
aproximaram a chanceler e o Presidente francês. A Ucrânia mostra a
Merkel a importância de poder contar com Hollande. E também com
Washington. A Alemanha percebeu que a economia não é tudo lá fora.
Poderia perceber que também não é tudo cá dentro.
IN "PÚBLICO"
08/02/15
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