10/02/2015

TERESA DE SOUSA

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Como lidar com Putin?

Como se sai daqui? Até onde irá Putin? Se não for travado agora (como não foi em 2008), qual será o alvo seguinte?

1. Numa inesperada iniciativa, a chanceler da Alemanha e o Presidente da França foram a Kiev e a Moscovo para aquilo a que chamaram “derradeira tentativa” para quebrar a escalada dos combates no Leste da Ucrânia e tentar abrir um espaço, por pequeno que seja, para a diplomacia.

A situação no terreno piorou drasticamente nas últimas semanas. A intervenção russa não é segredo para ninguém: soldados e armamento. Conseguiu colocar o Exército ucraniano na defensiva. Coloca à Europa e aos Estados Unidos um desafio de enormes proporções para a segurança euro-atlântica. Nem Merkel nem Hollande vieram sorridentes do seu encontro de cinco horas com Putin, aliás, o mais frio possível, sem apertos de mão, nem conferências de imprensa. Hoje vão reencontrar-se telefonicamente com o Presidente ucraniano e o Presidente russo. Merkel vai a Washington amanhã. Hollande disse que se tratava da última tentativa de encontrar a paz antes de uma “guerra total”. Há uma divergência entre os dois lados do Atlântico sobre a fase seguinte: vale ou não a pena fornecer armamento defensivo ao Exército ucraniano para conseguir resistir à ofensiva dos rebeldes e dos russos? Em Washington cresce a pressão sobre Obama para que forneça armas. O Presidente ainda não decidiu. Em Berlim ou em Londres, a ideia não é bem vista, porque pode não servir de nada, a não ser piorar a situação.
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2.Joe Biden, o vice-presidente americano, foi a Bruxelas para se encontrar com os aliados da NATO. Mostrou-se céptico com a iniciativa franco-alemã, lembrou que a Ucrânia “está a lutar pela sobrevivência”. A sua missão principal foi averiguar do estado de espírito dos europeus perante uma situação que pode sair do controlo.

A NATO decidiu reforçar a sua presença nos países de Leste que fazem fronteira com a Rússia e preparar uma força de reacção rápida para poder agir em qualquer circunstância. Mas o “pulso” da NATO depende mais da vontade política dos seus membros do que da preparação militar. Uma guerra com a Rússia continua a ser um cenário inimaginável. Mas a defesa de todos os seus membros (Artigo 5.º) em caso de agressão a um deles pode ser posta dramaticamente à prova.

O problema é que não se sabe qual é a próxima jogada de Putin. Já se percebeu que o facto de a Rússia enfrentar uma situação económica muito difícil, graças à queda do preço do petróleo e ao efeito das sanções, não desarma o Presidente, antes o pode levar a uma fuga para a frente, alimentando o nacionalismo russo com o fantasma da ameaça externa. Entretanto, também preparou o terreno: desapareceram as manifestações que há um ano ainda animavam as ruas de Moscovo e a comunicação social, sobretudo as televisões, está sob controlo do Kremlin, dando aos russos apenas aquilo que o Kremlin quer.

3. Como se sai daqui? Até onde irá Putin? Se não for travado agora (como não foi em 2008), qual será o alvo seguinte? Os bálticos, que são membros da NATO e da União Europeia e onde vivem minorias russas em nome das quais Putin justifica as suas agressões militares? Se não se fizer nada, o que é que acontece? Um “conflito congelado”? A “finlandização” da Ucrânia? Enviar armas? Não enviar armas? As respostas são extremamente difíceis.

É verdade que alguns dos cálculos de Putin têm falhado. Acreditou que seria fácil dividir a Europa e neutralizá-la. Foi a conclusão que tirou quando, ao longo dos anos, cada capital europeia tinha as suas próprias relações com a Rússia, centradas nos interesses económicos, impedindo uma estratégia comum. Os europeus preferiram olhar para o lado, quando se tratou da Geórgia, cujo conflito o Presidente Sarkozy resolveu em meia dúzia de dias com um acordo que tinha textos diferentes para Moscovo e Tbilissi. Ainda está tudo na mesma. A crise ucraniana mostrou que não fazer nada deixou de ser uma opção.

Nos EUA as coisas também não andaram muito longe. Obama, logo que chegou à Casa Branca, quis melhorar as relações de cooperação com a Rússia. Foi o célebre “reset”. Na sua gestão das crises internacionais não desdenhou da ajuda de Putin. Basta lembrar que, há pouco mais de um ano, quando Damasco passou a linha vermelha da utilização das armas químicas, o Presidente aceitou a intermediação de Putin para evitar uma intervenção. Não queria pôr fim às duas guerras do seu antecessor para se envolver noutras. Hoje, tem de enfrentar o desafio que a Rússia volta a lançar ao Ocidente e não pode desligar-se da Síria e do Estado Islâmico.

A novidade é a liderança alemã. Também em Berlim houve uma enorme mudança. Merkel percebeu que a Alemanha já não se podia dar ao luxo de manter o statu quo europeu, vendo-se apenas como uma potência económica. Quando a França enviou tropas para o Mali, fez saber que não pagaria as intervenções militares de Paris. Hoje, ela e Hollande lidam ambos com um desafio mil vezes mais difícil e complexo. Escreve Piotr Buras no site do European Council on Foreign Relations: “A crise russa levou à perda de fé no princípio da mudança através da integração, da convergência e do comércio que a Alemanha acreditou serem as bases [da sua relação com o mundo].” Em contrapartida, a imprensa britânica denuncia a ausência de David Cameron, que parece disposto a acabar com a influência britânica na Europa e no mundo.

Por mais importância que tenha a Grécia (e tem), Merkel vai querer falar com os seus pares europeus sobre a iniciativa ucraniana durante a cimeira da próxima quinta-feira. Aliás, a chanceler aconselhou Atenas a apresentar o seu plano na reunião do Eurogrupo na véspera da cimeira. Devia prestar mais atenção às consequências de um eventual confronto com o novo Governo grego. A Europa, por culpa própria e culpa alheia, já perdeu a Rússia, já perdeu a Turquia e não lhe convém perder a Grécia, empurrando-a para os braços da Rússia. Hoje, o Presidente Erdogan impõe um regime cada vez mais autoritário aos turcos e quer desempenhar um papel de potência regional. A tradicional inimizade com a Grécia, que uma aproximação à Europa ajudaria a resolver, pode voltar ao de cima. Sobretudo porque o Syriza escolheu como parceiro de governo os Gregos Independentes, cuja retórica contra a Turquia (mas também contra a Alemanha) não é um bom sinal. Não é caso único. Merkel foi recentemente à Hungria explicar a Victor Orban que não será bem vista uma aproximação à Rússia.

A Europa está rodeada de crises por todos os lados, que desafiam a sua relevância e a sua segurança. Os seus líderes precisam de se sentar à mesa para reflectir sobre como lidar com o mundo de hoje, carregado de incertezas e de novas ameaças. Precisam de se entender sobre uma visão de conjunto para tratar dos múltiplos problemas internos. Seja a Grécia, seja a economia, seja o TTIP (Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento). Têm de manter, sobretudo, a sua unidade. Às vezes os momentos de crise são bons conselheiros. Os ataques terroristas a Paris aproximaram a chanceler e o Presidente francês. A Ucrânia mostra a Merkel a importância de poder contar com Hollande. E também com Washington. A Alemanha percebeu que a economia não é tudo lá fora. Poderia perceber que também não é tudo cá dentro.


IN "PÚBLICO"
08/02/15


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