16/02/2015

HELENA MARUJO

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Entre harmonias 
e contradições

Do I contradict myself? Very well. I contradict myself. I contain multitudes”/“Contradigo-me? Sim senhor. Contradigo-me. Contenho multidões.” Walt Wittman

Vivemos num universo ambíguo.

Quem nunca se sentiu incoerente? Quem nunca pensou “Nem parecia eu!”, perante uma remota e estranha reacção pessoal, na qual não se reconheceu na sua habitual identidade?

Sabemos de quem após os 90 anos ainda incendeia ideias politicas e morais, e incentiva à contínua luta pela democracia e pelos direitos humanos. Por contraponto, alguns conheceremos quem aos 17 está emocionalmente moribundo e miseravelmente desesperançado, sem conseguir imaginar, e muito menos iniciar, qualquer futuro. Conhecemos também quem esteja objectiva e gravemente doente, mas que, como indica o adágio, “vende saúde”. Pessoalmente conheço auto-pessimistas assumidos, que quando se trata de dar esperança a terceiros, conseguem com eficácia e leveza infundir-lhes confiança. Sei igualmente de quem toca com ternura em imagens de barro e gesso que representam icónicamente a santidade, mas é incapaz de dar com verdadeira entrega e abandono emotivo um abraço a um amigo ou filho. Sei de quem é completamente incapaz de fazer mal ao animal doméstico, mas agride e maltrata física e psicologicamente o parceiro. Sei também de quem tem cultura teórica vasta e rica sobre a natureza humana, mas demonstra uma clara incompetência em aplicá-la. Conhecemos todos figuras públicas que são idolatradas pelo que conseguiram fazer com uma parte da sua vida, mas malqueridas, quando não desprezadas, pelo que fizeram noutras esferas das suas existências. Vivemos por isso no meio de desafinados mundos: a presença de saúde, apesar da doença; a presença do amor apesar da incapacidade de amar; a presença da juvenilidade apesar da velhice; o encarquilhamento emocional apesar da mocidade; as boas emoções apesar das más; quem não consegue fazer por si, mas consegue fazer pelos outros; quem é sublime num campo da vida, mas odioso noutro.

Não são só estas as discrepâncias que são correntes no nosso dia-a-dia humano: entre o nosso corpo e a nossa mente há também muitos abismos. Somos um só, mas o nosso corpo entende coisas que a nossa mente racional e a nossa consciência nem suspeitam.

Trago a propósito os trabalhos publicados em 2005 por Isaacowitz, que ao seguir em laboratório os movimentos oculares de pessoas a quem pedia que vissem num ecrã a imagem de uma mancha de pele indicadora de cancro, verificou que os mais optimistas olhavam durante menos tempo e menos vezes para a mancha escura central do melanoma, olhando mais vezes e mais tempo para pontos fora dela. Em contraponto, os avaliados como mais pessimistas focavam-se mais tempo e mais vezes na mancha suspeita, incapazes de tirar os olhos do “problema”. Os optimistas mostraram, sem o saberem nem notarem, uma selectiva “não atenção” ao negativo.

Carmelo Vázquez, no seu laboratório da Universidade Complutense de Madrid, tem mostrado, em consonância, o impacto dos movimentos da cabeça a acenar que sim e a acenar que não em pessoas deprimidas. Depois de induzir com imagens sentimentos negativos, mostrou aos participantes um conjunto de imagens positivas, imediatamente após fazerem movimentos da cabeça verticais ou laterais. Os resultados indicaram que níveis iniciais de depressão estavam associados com maior persistência de tristeza, mas o resultado mais importante foi perceber que esta associação estava presente em participantes que diziam que não com a cabeça (movimentos laterais), mas não nos que diziam que sim (movimentos verticais). Ao que parece, há uma ligação entre os movimentos do corpo e a regulação das emoções, mesmo que não tenhamos consciência disso. A este propósito sempre me questionei porque é que os psicoterapeutas, que querem ajudar os clientes a caminhar para um futuro melhor do que o presente, o fazem com as pessoas sentadas ou deitadas, e não em “andamento”, caminhando juntos. Esta é uma questão também presentemente em estudo por estes investigadores espanhóis.

Refiro ainda as recentes investigações coordenadas pelo Prof. Mário Simões da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no seu laboratório LIMMIT, indiciando promissores resultados na qualidade do parto (Projecto “Parto Feliz”) e no impacto em problemas de infertilidade, ao juntar hipnose clínica com psicologia positiva.

IN "PÚBLICO"
10/02/15


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