Entre harmonias
e contradições
Do I contradict myself? Very well. I contradict myself. I contain multitudes”/“Contradigo-me? Sim senhor. Contradigo-me. Contenho multidões.” Walt Wittman
Vivemos num universo ambíguo.
Quem nunca
se sentiu incoerente? Quem nunca pensou “Nem parecia eu!”, perante uma
remota e estranha reacção pessoal, na qual não se reconheceu na sua
habitual identidade?
Sabemos de quem após os 90 anos ainda
incendeia ideias politicas e morais, e incentiva à contínua luta pela
democracia e pelos direitos humanos. Por contraponto, alguns
conheceremos quem aos 17 está emocionalmente moribundo e miseravelmente
desesperançado, sem conseguir imaginar, e muito menos iniciar, qualquer
futuro. Conhecemos também quem esteja objectiva e gravemente doente, mas
que, como indica o adágio, “vende saúde”. Pessoalmente conheço
auto-pessimistas assumidos, que quando se trata de dar esperança a
terceiros, conseguem com eficácia e leveza infundir-lhes confiança. Sei
igualmente de quem toca com ternura em imagens de barro e gesso que
representam icónicamente a santidade, mas é incapaz de dar com
verdadeira entrega e abandono emotivo um abraço a um amigo ou filho. Sei
de quem é completamente incapaz de fazer mal ao animal doméstico, mas
agride e maltrata física e psicologicamente o parceiro. Sei também de
quem tem cultura teórica vasta e rica sobre a natureza humana, mas
demonstra uma clara incompetência em aplicá-la. Conhecemos todos figuras
públicas que são idolatradas pelo que conseguiram fazer com uma parte
da sua vida, mas malqueridas, quando não desprezadas, pelo que fizeram
noutras esferas das suas existências. Vivemos por isso no meio de
desafinados mundos: a presença de saúde, apesar da doença; a presença do
amor apesar da incapacidade de amar; a presença da juvenilidade apesar
da velhice; o encarquilhamento emocional apesar da mocidade; as boas
emoções apesar das más; quem não consegue fazer por si, mas consegue
fazer pelos outros; quem é sublime num campo da vida, mas odioso noutro.
Não
são só estas as discrepâncias que são correntes no nosso dia-a-dia
humano: entre o nosso corpo e a nossa mente há também muitos abismos.
Somos um só, mas o nosso corpo entende coisas que a nossa mente racional
e a nossa consciência nem suspeitam.
Trago a propósito os
trabalhos publicados em 2005 por Isaacowitz, que ao seguir em
laboratório os movimentos oculares de pessoas a quem pedia que vissem
num ecrã a imagem de uma mancha de pele indicadora de cancro, verificou
que os mais optimistas olhavam durante menos tempo e menos vezes para a
mancha escura central do melanoma, olhando mais vezes e mais tempo para
pontos fora dela. Em contraponto, os avaliados como mais pessimistas
focavam-se mais tempo e mais vezes na mancha suspeita, incapazes de
tirar os olhos do “problema”. Os optimistas mostraram, sem o saberem nem
notarem, uma selectiva “não atenção” ao negativo.
Carmelo
Vázquez, no seu laboratório da Universidade Complutense de Madrid, tem
mostrado, em consonância, o impacto dos movimentos da cabeça a acenar
que sim e a acenar que não em pessoas deprimidas. Depois de induzir com
imagens sentimentos negativos, mostrou aos participantes um conjunto de
imagens positivas, imediatamente após fazerem movimentos da cabeça
verticais ou laterais. Os resultados indicaram que níveis iniciais de
depressão estavam associados com maior persistência de tristeza, mas o
resultado mais importante foi perceber que esta associação estava
presente em participantes que diziam que não com a cabeça (movimentos
laterais), mas não nos que diziam que sim (movimentos verticais). Ao que
parece, há uma ligação entre os movimentos do corpo e a regulação das
emoções, mesmo que não tenhamos consciência disso. A este propósito
sempre me questionei porque é que os psicoterapeutas, que querem ajudar
os clientes a caminhar para um futuro melhor do que o presente, o fazem
com as pessoas sentadas ou deitadas, e não em “andamento”, caminhando
juntos. Esta é uma questão também presentemente em estudo por estes
investigadores espanhóis.
Refiro ainda as recentes investigações
coordenadas pelo Prof. Mário Simões da Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa, no seu laboratório LIMMIT, indiciando
promissores resultados na qualidade do parto (Projecto “Parto Feliz”) e
no impacto em problemas de infertilidade, ao juntar hipnose clínica com
psicologia positiva.
IN "PÚBLICO"
10/02/15
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