29/01/2015

JULIANA PEREIRA MARTINS

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Apagão

Saí para jantar num restaurante “cool” da Vila Madalena, uma espécie de Bairro Alto de São Paulo. O restaurante é pequeno e a sala, com poucas mesas, é iluminada a meia-luz, o que ajuda a criar um ambiente intimista. Costumo lá ir e conheço a maioria dos empregados. Mas desta vez, notei que havia alguma coisa de diferente. Ah! São os pratos – ou a falta deles – notei. A comida passou a ser servida em pratos de alumínio, como aqueles que nos chegam a casa quando encomendamos comida. Comentei com a minha companhia que era estranho aquilo. Porque iria um restaurante com pinta trocar louça por material de pic-nic? É por causa da falta de água, concluímos! Chamamos a “garçonete” que nos confirmou a suspeita: “Está difícil. Falta água quase todos os dias. Foi a solução que encontramos.”

Ora, esta não foi a primeira experiência de privação do género que experienciei, esta semana. Na segunda-feira, fui almoçar a um restaurante numa das zonas mais nobres da cidade (o Itaim Bibi). Não tinha luz. As entradas de luz natural foram fundamentais para que o gerente não fosse obrigado a encerrar a atividade mais cedo. Já de regresso ao trabalho, a vida prossegue. Mas por volta das 15h, acaba a luz, desta vez em todo o prédio. Naquele momento reside em mim a esperança de que a energia voltará rapidamente. Em poucos minutos recebo um sms, do outro lado da avenida: “acabou a luz aqui!”. “Pronto, agora é que não volta mais”, pensei. Mas, ao contrário do que tem sido comum, a luz voltou depois de apenas uma hora.

No regresso a casa, a falta de luz era assunto em noticiários e nas esquinas das ruas. Ficou a saber-se, então, que foi um apagão concertado, uma espécie de “deixa só o que for hospital e indústria e apaga o resto”. E afinal, a falta de luz não foi apenas naquela região. Atingiu, além de todo o Estado de São Paulo, outros dez Estados e ainda o Distrito Federal, Brasília.

Os dados são alarmantes. 20 minutos antes do apagão, provavelmente pelas temperaturas acima da média, o consumo de energia elétrica – elevado sobretudo pelo uso intenso de ares condicionados – atingiu o maior pico já registado no Brasil. Para o Operador Nacional do Sistema Elétrico, não houve alternativa se não interromper a transmissão, para evitar um colapso.

Além disso (e aqui explica-se porque a falta de água tem tudo a ver com a falta de luz), o Brasil tem 81% da sua energia gerada a partir de fontes hídricas. Em 2001, o fatídico ano do apagão, onde um esquema de racionamento de energia foi posto em prática, os reservatórios de água da região sudeste/centro oeste estavam com 31,41% da sua capacidade. Nesta semana, os mesmos reservatórios registam pouco mais do que 17%. Ao ministro de Minas e Energia, não restou alternativa, senão a ironia: “Deus é brasileiro. Temos que contar que ele vai trazer um pouco de humidade e chuva para que possamos ter mais tranquilidade ainda”.

E se a água e a luz estão a esgotar-se, com elas lá vai o orgulho brasileiro. Esta quarta-feira, o Brasil teve que pedir ajuda aos vizinhos e esquecer qualquer rivalidade futebolística. Acionou um acordo de emergência de 2006 e passou a importar energia elétrica da Argentina.

Não consigo deixar de pensar no absurdo que é um país como o Brasil, com tamanha riqueza natural, pedir auxílio à Argentina, que já se habituou a viver em constante crise. É gritante que algo vai mal no país irmão, mas talvez daqui a pouco tempo ninguém consiga ver o cerne da questão. Basta apenas surgir um novo apagão.

Jornalista
Correspondente no Brasil

IN "OJE"
23/01/15


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