Apagão
Saí para jantar num restaurante “cool” da Vila Madalena, uma espécie de
Bairro Alto de São Paulo. O restaurante é pequeno e a sala, com poucas
mesas, é iluminada a meia-luz, o que ajuda a criar um ambiente
intimista. Costumo lá ir e conheço a maioria dos empregados. Mas desta
vez, notei que havia alguma coisa de diferente. Ah! São os pratos – ou a
falta deles – notei. A comida passou a ser servida em pratos de
alumínio, como aqueles que nos chegam a casa quando encomendamos comida.
Comentei com a minha companhia que era estranho aquilo. Porque iria um
restaurante com pinta trocar louça por material de pic-nic? É por causa
da falta de água, concluímos! Chamamos a “garçonete” que nos confirmou a
suspeita: “Está difícil. Falta água quase todos os dias. Foi a solução
que encontramos.”
Ora, esta não foi a primeira experiência de privação do género que
experienciei, esta semana. Na segunda-feira, fui almoçar a um
restaurante numa das zonas mais nobres da cidade (o Itaim Bibi). Não
tinha luz. As entradas de luz natural foram fundamentais para que o
gerente não fosse obrigado a encerrar a atividade mais cedo. Já de
regresso ao trabalho, a vida prossegue. Mas por volta das 15h, acaba a
luz, desta vez em todo o prédio. Naquele momento reside em mim a
esperança de que a energia voltará rapidamente. Em poucos minutos recebo
um sms, do outro lado da avenida: “acabou a luz aqui!”. “Pronto, agora é
que não volta mais”, pensei. Mas, ao contrário do que tem sido comum, a
luz voltou depois de apenas uma hora.
No regresso a casa, a falta de luz era assunto em noticiários e nas
esquinas das ruas. Ficou a saber-se, então, que foi um apagão
concertado, uma espécie de “deixa só o que for hospital e indústria e
apaga o resto”. E afinal, a falta de luz não foi apenas naquela região.
Atingiu, além de todo o Estado de São Paulo, outros dez Estados e ainda o
Distrito Federal, Brasília.
Os dados são alarmantes. 20 minutos antes do apagão, provavelmente pelas
temperaturas acima da média, o consumo de energia elétrica – elevado
sobretudo pelo uso intenso de ares condicionados – atingiu o maior pico
já registado no Brasil. Para o Operador Nacional do Sistema Elétrico,
não houve alternativa se não interromper a transmissão, para evitar um
colapso.
Além disso (e aqui explica-se porque a falta de água tem tudo a ver com a
falta de luz), o Brasil tem 81% da sua energia gerada a partir de
fontes hídricas. Em 2001, o fatídico ano do apagão, onde um esquema de
racionamento de energia foi posto em prática, os reservatórios de água
da região sudeste/centro oeste estavam com 31,41% da sua capacidade.
Nesta semana, os mesmos reservatórios registam pouco mais do que 17%. Ao
ministro de Minas e Energia, não restou alternativa, senão a ironia:
“Deus é brasileiro. Temos que contar que ele vai trazer um pouco de
humidade e chuva para que possamos ter mais tranquilidade ainda”.
E se a água e a luz estão a esgotar-se, com elas lá vai o orgulho
brasileiro. Esta quarta-feira, o Brasil teve que pedir ajuda aos
vizinhos e esquecer qualquer rivalidade futebolística. Acionou um acordo
de emergência de 2006 e passou a importar energia elétrica da
Argentina.
Não consigo deixar de pensar no absurdo que é um país como o Brasil, com
tamanha riqueza natural, pedir auxílio à Argentina, que já se habituou a
viver em constante crise. É gritante que algo vai mal no país irmão,
mas talvez daqui a pouco tempo ninguém consiga ver o cerne da questão.
Basta apenas surgir um novo apagão.
Jornalista
Correspondente no Brasil
IN "OJE"
23/01/15
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