11/01/2015

CATARINA CARVALHO

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A ilusão das decisões
 de ano novo

Decisões de ano novo, quem as não faz? Mesmo que se­ja no mais íntimo lugar da consciência, enquanto brinda com o es­pumante ou engole as 12 passas? Ora decisões de ano novo não são desejos de ano novo, e pode ser pouco saudável confundir umas com os outros. Ora aí está uma boa decisão de ano novo: fazer que os desejos de ano novo sejam as decisões de ano novo. Isto é, fazer que os nossos desejos sejam algo que esteja ao nosso alcance, trazê-los à medida da nossa vontade. Só isso já diminuirá imediatamen­te a probabilidade de frustração. E começar um novo ano frustra­do pode ser, como todos sabemos por experiência própria, meio ca­minho andado para arrasar com todas as decisões de ano novo, levando consigo, por sua vez, todos os desejos.

Andei pela internet nestes últimos dias de 2014 e primei­ros dias de 2015 à procura das melhores resoluções. Oh, admirável mundo novo das listas! Encontrei de tudo para me guiar nesta épo­ca – e em muito digeríveis pontos de leitura separados. Antes de mais nada, percebi, é preciso saber o que é uma boa decisão. Ou uma decisão exequível. A diferença está entre as condições necessárias e as suficientes – pensar se temos as primeiras é meio caminho an­dado para tomar decisões exequíveis. A maior parte das fórmulas para uma boa decisão envolve uma grande quantidade de lógica, o B-A-Ba do pensamento adulto tantas vezes relegado para segundo plano. Segundo o site IttyBiz, uma espécie de autoajuda para a área da gestão, as nossas decisões ajudam-nos a andar pelo mundo. Al­gumas, intrínsecas, permitem-nos pôr as decisões quotidianas em piloto automático. Um exemplo: se decidimos que queremos perder vinte quilos até ao nosso aniversário, o nosso cérebro vai encontrar maneiras de maximizar o sucesso e minimizar a falha. Se não to­marmos a decisão específica, o cérebro continua a atuar de forma igual, e há muita probabilidade de falhar.

Encontrei também na minha busca o 2.0 dos conselhos sobre decisões – como fazer que as decisões deste ano sejam mesmo para cumprir. Exemplo: se querem perder peso, peçam a um colega de trabalho ou amigo que vos tire dinheiro da con­ta de cada vez que vos vir a comer porcarias. Outro: se querem mesmo poupar, planeiem uma transferência automática da vos­sa conta todos os meses para uma conta da qual não têm cartão multibanco.

Aprendi também que para cada uma das decisões que to­mar, sejam elas o tão falado regime de emagrecimento ou simples­mente encontrar mais os amigos, ou mesmo – pasme-se – passar menos tempo inútil online, há uma aplicação para o meu telemó­vel que pode ajudar-me. Há guias para uma vida mais verde, mas também um calendário automático que me obrigará, em teoria, a, naquele dia, àquela hora, encontrar-me com aquele amigo que não vejo há tanto tempo.

E encontrei a metafísica das dicas sobre decisões: co­mo analisar por que as nossas decisões de ano novo não foram cumpridas ou, melhor ainda, como saber largar rapidamente uma decisão se a nossa avaliação sobre ela for negativa, logo nos pri­meiros dias de janeiro. Pensamento prospetivo, dizem os sites de autoajuda. E leveza de espírito.

Na minha busca internética descobri até que as más deci­sões são normalmente tomadas nos nossos anos de transição – quando temos 29, 39, 49 anos. Porque é disso que se trata: o tem­po, o último reduto do inatingível para nós, humanos modernos. As listas da internet permitem-nos a falsa ilusão de que o conse­guimos controlar. Assim como as mudanças de ano nos dão a sen­sação de que, pelo menos naquela mudança marcante do calendá­rio, o dominamos.

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
 04/01/15



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