21/01/2015

ANA SOUSA DIAS

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Os terroristas são idiotas
. sem sentido de humor 

Tout est pardonné, dizem eles passada uma semana, e mostram um Maomé feito menino da lágrima com o cartaz Je suis Charlie. Esta é a resposta do Charlie Hebdo àquela pergunta que uma tragédia sempre coloca: o que se faz no dia seguinte? Como quando nos morre alguém querido e verificamos, perplexos, que as padarias continuam a vender pão fresco e os autocarros seguem o caminho de antes.

No Libération, podemos ler o que Luz, o autor, foi pensando até chegar a esse desenho tão simples e subtil. As tentativas até conseguir fazer uma capa sem necrologia, sem sangue nem buracos de balas, como as que antes lhe passaram pela cabeça. A primeira ideia, em que mostrava os rabos dos companheiros caídos a desafiar os agressores. Ou a outra em que os mortos exibiam cartazes dizendo "Nós somos deus", e assim desmascarava todos os extremos que desvirtuam religiões. Mas ele não queria mostrar feridas, queria só fazer uma capa que os divertisse, a eles e a nós.

Eles foram sempre um jornal irresponsável e desabrido, bobos da corte sem medo de dizer "o rei vai nu". Sem medo, melhor dizendo, sem ceder ao medo. O mesmo jornal em que Wolinski dizia "je ne pense qu"à ça" e falava obsessiva e livremente de sexo e de mulheres num país saído dos pudores de antes de Maio de 68. Nessa França de humor iconoclasta onde Gotlib criou um super-herói de pantufas e suspensórios, o Superdupont dos gestos inúteis. Onde era possível ler o Hara Kiri, o Charlie Hebdo, o Écho des Savanes, o Le Canard Enchaîné ou o Actuel, os humoristas que desmontavam machismos, chauvinismos, nacionalismos, extremismos religiosos, tratando-os como parvoíces desprezíveis das quais podemos e devemos rir-nos. 

"Vivemos uma época formidável!", proclamava o companheiro deles todos, o genial Reiser. E continua a ser uma época formidável, porque há alguém, como o autor da capa de hoje, a tratar Maomé por mon vieux e a piscar-nos o olho dizendo "está tudo perdoado". E porque de repente aparece um pombo a sujar o casaco de Hollande no momento em que este abraça um dos companheiros do Hebdo. E porque apanhamos em flagrante Sarkozy aos empurrões para chegar à primeira fila.

"Idiotas que não têm sentido de humor: é isso que os terroristas são", diz Luz tão a propósito. Páginas e páginas de texto, horas de imagens que provam que uma religião não pode ser confundida com um extremismo violento, que nenhum deus justifica a morte de crianças que querem estudar, de crentes de uma outra religião, de humoristas que nos mostram que o rei vai nu e que vivemos uma época formidável.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/01/15


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