Os terroristas são idiotas
. sem sentido de humor
Tout
est pardonné, dizem eles passada uma semana, e mostram um Maomé feito
menino da lágrima com o cartaz Je suis Charlie. Esta é a resposta do
Charlie Hebdo àquela pergunta que uma tragédia sempre coloca: o que se
faz no dia seguinte? Como quando nos morre alguém querido e verificamos,
perplexos, que as padarias continuam a vender pão fresco e os
autocarros seguem o caminho de antes.
No Libération, podemos ler o
que Luz, o autor, foi pensando até chegar a esse desenho tão simples e
subtil. As tentativas até conseguir fazer uma capa sem necrologia, sem
sangue nem buracos de balas, como as que antes lhe passaram pela cabeça.
A primeira ideia, em que mostrava os rabos dos companheiros caídos a
desafiar os agressores. Ou a outra em que os mortos exibiam cartazes
dizendo "Nós somos deus", e assim desmascarava todos os extremos que
desvirtuam religiões. Mas ele não queria mostrar feridas, queria só
fazer uma capa que os divertisse, a eles e a nós.
Eles foram
sempre um jornal irresponsável e desabrido, bobos da corte sem medo de
dizer "o rei vai nu". Sem medo, melhor dizendo, sem ceder ao medo. O
mesmo jornal em que Wolinski dizia "je ne pense qu"à ça" e falava
obsessiva e livremente de sexo e de mulheres num país saído dos pudores
de antes de Maio de 68. Nessa França de humor iconoclasta onde Gotlib
criou um super-herói de pantufas e suspensórios, o Superdupont dos
gestos inúteis. Onde era possível ler o Hara Kiri, o Charlie Hebdo, o
Écho des Savanes, o Le Canard Enchaîné ou o Actuel, os humoristas que
desmontavam machismos, chauvinismos, nacionalismos, extremismos
religiosos, tratando-os como parvoíces desprezíveis das quais podemos e
devemos rir-nos.
"Vivemos uma época formidável!", proclamava o
companheiro deles todos, o genial Reiser. E continua a ser uma época
formidável, porque há alguém, como o autor da capa de hoje, a tratar
Maomé por mon vieux e a piscar-nos o olho dizendo "está tudo perdoado". E
porque de repente aparece um pombo a sujar o casaco de Hollande no
momento em que este abraça um dos companheiros do Hebdo. E porque
apanhamos em flagrante Sarkozy aos empurrões para chegar à primeira
fila.
"Idiotas que não têm sentido de humor: é isso que os
terroristas são", diz Luz tão a propósito. Páginas e páginas de texto,
horas de imagens que provam que uma religião não pode ser confundida
com um extremismo violento, que nenhum deus justifica a morte de
crianças que querem estudar, de crentes de uma outra religião, de
humoristas que nos mostram que o rei vai nu e que vivemos uma época
formidável.
13/01/15
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