Sobre a liberdade
Vivemos num mundo interdependente e globalizado, em sociedades multiculturais - a minha liberdade de expressão tem de ser inteligente e ter em conta a sensibilidade de outros
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Reagi
no Twitter, na hora em que tive conhecimento do ataque terrorista ao
“Charlie Hebdo” no passado dia 7, expressando horror e sublinhando que o
terrorismo hoje é também resultado da Europa que temos, com políticas
austeritárias destruindo a intervenção social dos estados, fomentando o
desemprego que faz desintegrar famílias, alimentar a marginalização
social e a alienação individual – factores propícios ao recrutamento
terrorista.
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Em comentários subsequentes, sublinhei ser preciso compreender as
razões por que cerca de 3 mil jovens europeus são atraídos para as
fileiras terroristas e cometem hoje atrocidades na Síria e no Iraque –
como me foi sublinhado por tantas vítimas, em visita que fiz à linha da
frente contra o chamado Estado Islâmico no Curdistão iraquiano a semana
passada. Entre outras causas está sem dúvida a falta de oportunidades e o
sentimento de marginalização afectando comunidades emigrantes na
Europa, como nos confirmam as histórias de vida da maioria dos jovens
recrutados, incluindo portugueses. Também fiz notar que as políticas
austeritárias têm diminuído os meios financeiros, humanos e outros,
facultados aos serviços de informação e de segurança na Europa para
serem mais eficazes no combate ao terrorismo, bem como disponibilizados
para programas de prevenção da radicalização e de desradicalização.
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De tudo o que escrevi no Twitter nesse dia e nos dias seguintes,
assumindo solidariamente o “Je suis Charlie”, e de tudo o que tenho
dito, escrito e feito como deputada europeia, fica claro que condenei e
condeno em termos veementes os actos terroristas de Paris e quaisquer
outros, onde quer que tenham lugar, sejam contra quem forem, praticados
por quem quer que seja.
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Sublinho que me fiz membro da Subcomissão de Segurança e Defesa do
PE desde que fui eleita pela primeira vez, em 2004, justamente pelo
interesse em compreender e combater o terrorismo. Esse interesse
resultava da experiência que vivi na Indonésia, entre 1999 e 2003, anos
em que o povo daquele país se viu frequentemente golpeado por
organizações terroristas ligadas à Al-Qaeda. A bomba de Bali, em Outubro
2002, que causou mais de 200 mortos e em que perdeu a vida o soldado
português Diogo Ribeirinho, obrigou-me, como representante de Portugal, a
percorrer morgues improvisadas a inspeccionar restos de corpos, na
tentativa de localizar algum vestígio que identificasse o do nosso
compatriota – a experiência macabra marcou-me profundamente e
determinou-me a tudo fazer para combater o terrorismo.
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Nesse esforço, ao longo dos anos visitando sociedades acossadas
pelo terrorismo, compreendi que é profundamente errado amalgamar
terrorismo com islão ou com emigração, como faz agora a extrema-direita
europeia para suscitar medidas antidemocráticas nas águas turvas do medo
e da ignorância dos cidadãos. Por isso também, combati a deriva
securitária da administração George W. Bush, que implicou tortura,
prisões secretas e Guantanamo: expliquei que só daria mais recrutas e
narrativa aos terroristas, além de descer ao nível dos terroristas, que
querem precisamente destruir as liberdades fundamentais, os direitos
humanos e a democracia.
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No mesmo propósito de combater o terrorismo, mal ouvi divulgar em
França que a capa da primeira edição do “Charlie Hebdo” depois do ataque
terrorista seria um cartoon com um boneco representando o Profeta
Maomé, voltei a escrever no Twitter, questionando “Porquê insistir na
representação do Profeta, que se sabe ofender os muçulmanos? Não estou
de acordo. Não em meu nome”.
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Ao contrário do que V. sustenta no editorial “Há limites, claro que
há limites” da edição de sábado/domingo passado, entendi escrevê-lo
naquele momento não para “desculpabilizar os terroristas [...] vacilar
quando não há tréguas possíveis [...] abrir a porta a um acobardamento
que matará a prazo tudo aquilo em que acreditamos”. Não procurei
justificar ou desculpar os hediondos actos terroristas em Paris, nem
defendo que vacilemos diante do terrorismo, nem que abdiquemos das
liberdades em que acreditamos. Procurei, sim, avisar quanto à provocação
desnecessária que poderia degenerar numa escalada de violência: e já
hoje lamentamos mortos e igrejas destruídas no Níger, jornalistas
franceses atacados no Paquistão, cristãos e europeus ameaçados e
receosos em diversos países...
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Procurei fazer ver que responder ao terrorismo eficazmente implica
ter connosco a comunidade muçulmana, que é quem conta mais vítimas às
mãos das organizações terroristas que perversamente se reclamam do islão
(mais de 60%). Implica não a gozar, não a ofender – gostemos ou não,
concordemos ou não, é sabido que representar o Profeta Maomé viola o que
há de mais sagrado para os muçulmanos. Porquê responder
provocatoriamente com a imagem, ainda que exalando perdão e compaixão?
Porquê identificar o boneco como o Profeta e não como um qualquer Maomé,
como os milhares que dias antes tinham estado nas ruas de França a
gritar “Je suis Charlie, je suis Ahmed” condenando o assassinato dos
jornalistas, dos judeus, dos polícias e de outros caídos às mãos dos
terroristas? Porquê alienar os muçulmanos quando tanto precisamos deles
para que denunciem como anti-islão os actos de organizações terroristas
que perversamente se reclamam do islão?
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Vivemos num mundo interdependente e globalizado, em sociedades
multiculturais – a minha liberdade de expressão tem de ser inteligente e
ter em conta a sensibilidade de outros. A minha liberdade de ter ou não
ter religião (e eu não tenho) tem de ser respeitosa do que é sagrado
para outros. Há limites, sim: sem tolerância não há liberdade. Haverá
regressão civilizacional, que é o que desejam a extrema-direita
xenófoba, islamofóbica e anti-semita na Europa, e é o que desejam grupos
terroristas irmanados na hidra Al-Qaeda. Eu não quero fazer o jogo de
uns nem de outros. E como cidadã e deputada eleita tenho a obrigação de
não me deixar intimidar pelo que parece, no momento, “politicamente
correcto”, mas é incorrecto, insensato e perigoso. Tenho a obrigação de
alertar quem não perceba que, estando em causa a nossa segurança, está
em causa também a nossa liberdade.
IN "i"
21/01/15
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