16/11/2014

CRISTINA AZEVEDO

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Para inglês ver...

Que é como quem diz "para turista pagar". Isto a propósito da corrente e despropositada discussão sobre a introdução de uma taxa municipal sobre os turistas em Lisboa. É curioso que me vem logo à memória o que, como escrevi neste espaço há alguns meses, mais vi escrito em paredes, fontes e passeios na minha última visita a Roma: "Os turistas são piores que os exércitos de ocupação!".

Para além de, num primeiro momento, nos fazerem sentir como as antigas hordas de bárbaros que fizeram cair o Império, a seguir os graffiti omnipresentes fazem-nos olhar com muita atenção para o desgaste de quase tudo o que nos rodeia.

Os degraus milhões de vezes calcados, os passeios milhões de vezes sujos e milhões de vezes varridos, as lâmpadas públicas milhões de vezes fundidas, os caixotes do lixo milhões de vezes cheios, esvaziados e vandalizados, os jardins milhões de vezes estragados e desflorados. Isto num olhar muito rápido e num perímetro muito curto.

Ou seja, apesar de em termos económicos a dinamização do mercado turístico ser, em princípio, positiva para qualquer comunidade, a verdade é que não há muitas vezes equilíbrio entre o lucro dos agentes privados e os custos dos agentes públicos. Será que o dinheiro que uma Câmara recebe por via do aumento de impostos dos agentes privados (restauração, hotelaria, serviços de animação turística etc.) chega para custear o aumento da provisão de serviços públicos e, sobretudo, para investir na manutenção/regeneração do espaço e equipamentos públicos?

É muito provável que não. Por isso, é salutar que o turista contribua diretamente para financiar aquilo que estraga. Não é mais nem menos do que aplicar ao turista o princípio do utilizador/pagador. A fruição de um espaço bem arranjado, de uma segurança eficaz ou de um serviço de transportes públicos eficiente é normalmente subvalorizada e quase sempre custeada pelos contribuintes locais!

E isto em cidades onde a afluência turística ainda é saudável! Porque ninguém poderá nunca pagar a transformação de Veneza em Disneylândia ou mesmo evitar o seu definitivo desaparecimento. É aliás com enorme tristeza que o presidente da Região do Venetto diz que há 800 anos que não precisa de qualquer contribuição do Governo central para apoio ao turismo!

A questão, parece-me, não é tanto o levantar de algumas barreiras como garantia de uma atividade turística responsável, mas sim a ausência da afirmação de que se quer que essa atividade seja, desde o início, sustentável e responsável.

Portanto, só seria preciso que António Costa consignasse, de facto, a receita que a Câmara vai auferir com esta taxa, a investimentos ou custos com a mesma diretamente relacionada.

Porque o que está mal com as contas do Governo é que tudo, mas mesmo tudo, serve para ser sugado pelo grande buraco negro do défice. Seja o aumento dos impostos sobre o rendimento, a taxa sobre a restauração ou as privatizações, tudo serve o mesmo grande propósito: diminuir o défice.

Ora, todas estas formas de fazer receita têm um fundamento diferente. E é por isso que tanto aflige que, por exemplo, o dossier das privatizações seja tão penosamente indiferenciado.

Portanto, muito mais grave do que lançar a taxa, será fazê-lo e ter ruas esburacadas, lixo aos montes, zonas de escuridão e banditagem. E no final, vir dizer que é o avassalador acréscimo de turistas o grande culpado. 

Tudo isto, aliás, poderia ter sido de imediato aduzido e deduzido se, em Portugal, houvesse o meritório hábito de estabelecer cenários e calcular impactos. Já foi inventada a metodologia que nos permite, face ao histórico e a previsões moduladas de formas mais ou menos prudentes, calcular com precisão o efeito de determinada política ou medida. 

O que incomoda é que António Costa e Paulo Portas estão fartos de saber disto. Mas como se organizaria a luta política, a luta do sound bite, das declarações e contradeclarações, se os assuntos não fossem sistematicamente debatidos na generalidade e na superficialidade?

Por isso a taxa é para turista pagar mas a discussão, infelizmente, para inglês ver......

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS2
14/11/14

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