Para inglês ver...
Que é como quem diz "para turista pagar".
Isto a propósito da corrente e despropositada discussão sobre a
introdução de uma taxa municipal sobre os turistas em Lisboa. É curioso
que me vem logo à memória o que, como escrevi neste espaço há alguns
meses, mais vi escrito em paredes, fontes e passeios na minha última
visita a Roma: "Os turistas são piores que os exércitos de ocupação!".
Para
além de, num primeiro momento, nos fazerem sentir como as antigas
hordas de bárbaros que fizeram cair o Império, a seguir os graffiti
omnipresentes fazem-nos olhar com muita atenção para o desgaste de quase
tudo o que nos rodeia.
Os degraus milhões de vezes calcados, os
passeios milhões de vezes sujos e milhões de vezes varridos, as lâmpadas
públicas milhões de vezes fundidas, os caixotes do lixo milhões de
vezes cheios, esvaziados e vandalizados, os jardins milhões de vezes
estragados e desflorados. Isto num olhar muito rápido e num perímetro
muito curto.
Ou seja, apesar de em termos económicos a dinamização
do mercado turístico ser, em princípio, positiva para qualquer
comunidade, a verdade é que não há muitas vezes equilíbrio entre o lucro
dos agentes privados e os custos dos agentes públicos. Será que o
dinheiro que uma Câmara recebe por via do aumento de impostos dos
agentes privados (restauração, hotelaria, serviços de animação turística
etc.) chega para custear o aumento da provisão de serviços públicos e,
sobretudo, para investir na manutenção/regeneração do espaço e
equipamentos públicos?
É muito provável que não. Por isso, é
salutar que o turista contribua diretamente para financiar aquilo que
estraga. Não é mais nem menos do que aplicar ao turista o princípio do
utilizador/pagador. A fruição de um espaço bem arranjado, de uma
segurança eficaz ou de um serviço de transportes públicos eficiente é
normalmente subvalorizada e quase sempre custeada pelos contribuintes
locais!
E isto em cidades onde a afluência turística ainda é
saudável! Porque ninguém poderá nunca pagar a transformação de Veneza em
Disneylândia ou mesmo evitar o seu definitivo desaparecimento. É aliás
com enorme tristeza que o presidente da Região do Venetto diz que há 800
anos que não precisa de qualquer contribuição do Governo central para
apoio ao turismo!
A questão, parece-me, não é tanto o levantar de
algumas barreiras como garantia de uma atividade turística responsável,
mas sim a ausência da afirmação de que se quer que essa atividade seja,
desde o início, sustentável e responsável.
Portanto, só seria
preciso que António Costa consignasse, de facto, a receita que a Câmara
vai auferir com esta taxa, a investimentos ou custos com a mesma
diretamente relacionada.
Porque o que está mal com as contas do
Governo é que tudo, mas mesmo tudo, serve para ser sugado pelo grande
buraco negro do défice. Seja o aumento dos impostos sobre o rendimento, a
taxa sobre a restauração ou as privatizações, tudo serve o mesmo grande
propósito: diminuir o défice.
Ora, todas estas formas de fazer
receita têm um fundamento diferente. E é por isso que tanto aflige que,
por exemplo, o dossier das privatizações seja tão penosamente
indiferenciado.
Portanto, muito mais grave do que lançar a taxa,
será fazê-lo e ter ruas esburacadas, lixo aos montes, zonas de escuridão
e banditagem. E no final, vir dizer que é o avassalador acréscimo de
turistas o grande culpado.
Tudo isto, aliás, poderia ter sido de
imediato aduzido e deduzido se, em Portugal, houvesse o meritório hábito
de estabelecer cenários e calcular impactos. Já foi inventada a
metodologia que nos permite, face ao histórico e a previsões moduladas
de formas mais ou menos prudentes, calcular com precisão o efeito de
determinada política ou medida.
O que incomoda é que António
Costa e Paulo Portas estão fartos de saber disto. Mas como se
organizaria a luta política, a luta do sound bite, das declarações e
contradeclarações, se os assuntos não fossem sistematicamente debatidos
na generalidade e na superficialidade?
Por isso a taxa é para turista pagar mas a discussão, infelizmente, para inglês ver......
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS2
14/11/14
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