ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
Senhoras e senhores, apresentamo-vos
o "padeiro dos livros"
Nove mil livros e 30 anos depois, Alberto Casiraghi, poeta, pintor, músico, construtor de violinos e impressor, tem a sua primeira exposição em Portugal. Chama-se "9000 Formas da Felicidade: as edições Pulcinoelefante".
Uma gravura baseada no famoso quadro de Goya, "Três de
Maio de 1808 em Madrid", assinada por Luciano Ragozzino. Fotografias de
Marylin Monroe coladas sobre uma mão de papel e uma fotografia também da
atriz, provavelmente recortada de um jornal ou revista, com números
pintados sobre o papel. Um poema de Rainer Maria Rilke, o poeta alemão,
escrito em italiano.
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Três fotografias de Alda Merini (1931-2009), a
escritora italiana que teve a admiração de artistas como Pasolini,
Salvatore Quasimodo e Giorgio Manganelli, e foi vencedora em 2003 do
Premio Librex Montale, que reconhece poetas italianos contemporâneos. É
ela, aliás, que assina alguns dos livros expostos (mas já lá vamos).
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Mais à frente, entra-se no chamado "Núcleo: Alberto em
Portugal". Uma fotografia a preto e branco de Manuel Alegre, vestido de
fato. E um desenho de um homem deitado com uma monumental letra "M"
junto à sua cabeça, parecendo decapitá-lo, e que segundo o programa da
exposição é do livro de Alberto Pimenta, o escritor português, feito e
escrito por ele. Miguel Martins, Luís Manuel Gaspar, Manuel de Freitas.
Outros nomes da poesia portuguesa contemporânea que aparecem destacados.
O 91 da exposição é de Vasco Graça Moura, é de 2013, e tem uma
dedicatória sua na capa que diz assim: "Na verdade, o poema é um ruído
modelado de gente".
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Chama-se "9000 Formas de Felicidade: as edições
Pulcinoelefante", é dedicada a Alberto Casiraghi, poeta, pintor, músico,
construtor de violinos e impressor, e inaugurou no final de outubro na
Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, onde fica até 31 de janeiro.
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É a primeira exposição em Portugal dedicada a Alberto,
que prefere, no entanto, ser conhecido como o "padeiro de livros", e o
"único padeiro que trabalha durante o dia". Há uma boa razão para isto:
desde 1992, tem feito, em média, mais de um livro por dia. Atualmente,
são mais de nove mil.
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Os livros "belos e simples" do mestre Alberto
Em 1982, depois de ter sido despedido da tipografia
onde trabalhava, uma grande casa em Milão que imprimia jornais, Alberto
Casiraghi decidiu construir a sua própria oficina, a que deu o nome de
Pulcinoelefante. Fê-lo em casa, na cidade de Osnago, em Itália, onde
nasceu. Fala-se muito dessa tarde ventosa e de um primeiro livro dado à
estampa nesse dia: "Una Lirica. Una Immagine", de um escritor chamado
Marco Carnà. No ano seguinte, 1983, foram lançados mais quatro livros,
três com textos do próprio Casiraghi (assinados, não sabemos, se por
ele, se por um dos seus três pseudónimos) e o outro da autoria de
Gaetano Neri, também ilustrados por Carnà, em conjunto com Pierluigi
Puliti e Gianni Maura. Em 1984, sete, e no ano seguinte, nove. Ao fim
dos primeiros dez anos, estavam feitos 236 livros, ou 236 "pulcinos",
nome por que são chamados.
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Mas o que são, afinal, os "pulcinos"? A descrição
oficial diz assim: são quatro ou seis folhas de papel Hahnemühle,
tamanho A4, dobradas em A5. Contêm um aforismo ou um pequeno poema
impresso em carateres móveis, e uma ilustração, que tanto pode ser uma
impressão digital dos desenhos de Alberto, uma xilografia, águas-fortes,
litografias, fotografias, colagens, desenhos e pinturas com todas as
técnicas, ready-made, esculturas, entre outras intervenções. As tiragens
vão de 15 exemplares a 30 ou 35, numerados sequencialmente.
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A descrição não-oficial é esta que nos traz Catarina
Figueiredo Cardoso, comissária da exposição, e responsável por outros
projectos anteriores na área da edição independente e livros de artista.
Distingue nos "pulcinos" a "beleza e a aparente simplicidade". Do ponto
de vista tipográfico, assegura que são "impecavelmente bem feitos". "O
que torna o Alberto diferente é a consistência da sua prática e a
mestria com que a utiliza. Há muitos problemas na utilização dos tipos
móveis: gastam-se, partem-se, as máquinas desafinam e avariam, todo o
material envolvido é caro e a sua utilização é difícil e implica muita
prática. Ora o Alberto tem tudo: foi tipógrafo de tarimba, tem imensos
tipos, tem a máquina e sabe concertá-la se for preciso. É por isso que
ele se distingue dos restantes impressores".
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A técnica que nasceu na China antes de Cristo
O primeiro sistema de impressão a partir de tipos
móveis (letras, símbolos e sinais de pontuação individuais), feito em
porcelana chinesa, é atribuído a Bi Sheng (990-1051 AD), e terá sido
criado por volta de 1040 A.D., na China. Quando, cerca de 200 anos
depois, a técnica começou a ser usada na Coreia, os tipos móveis
passaram a ser feitos em metal. "Jikji" (1377), ou "Antologia de
ensinamentos zen pelos grandes sacerdotes budistas", documento budista
coreano, é o mais antigo livro imprimido com o uso desta técnica, título
que a UNESCO confirmou em 2001, tendo incluído o livro no programa
"Memory of the World", destinado a preservar documentos e arquivos de
grande valor histórico.
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Por volta de 1450, os tipos móveis voltariam à mó de
cima (eram caros e exigiam muita mão-de-obra e isso teve consequências),
com a impressão da Bíblia por Johannes Gutenberg, na Europa, a partir
de um sistema que o próprio inventou, e que superava em larga medida os
antigos modelos. Como se passou para a impressão em línguas europeias
(número mais limitado de carateres), a técnica tornou-se rentável e foi,
dito de uma forma abreviada, um sucesso. Mais tarde, já no século XIX,
com a invenção da composição mecânica e seus sucessores, acabaria por
entrar em declínio.
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Cabras, coelhas e galinhas, e máquinas grandalhonas
Numa das fotografias dos livros em exposição, Alberto
surge acompanhado de uma cabra. Ao vê-la, lembramo-nos das imagens do
editor e tipógrafo, arrumadas em vídeos (no youtube), que nos trazem
essa outra realidade de um quintal cheio de cabras e coelhos e galinhas,
e uma casa aparentemente pequena cheia de máquinas grandalhonas que já
ninguém parece saber ao certo para que servem, e livros, muitos livros,
atrás das portas de vidro dos armários altos ou ali mesmo à mão de
semear.
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É nessa casa que Alberto continua a receber visitas,
artistas, poetas e ilustradores, que ali vão "para lhe ditarem os textos
e ajudarem a fazer os livros, cortar o papel e coser as páginas",
explica Catarina. E foi também nessa casa que recebeu a escritora
italiana de que falávamos, Alda Merini, amiga e colaboradora. Catorze
dos 110 livros expostos são dela. Parece pouco, mas há outra história
por detrás disto, que podemos arriscar, embora com palavras que não são
nossas, contar assim: "A amizade e consequente colaboração com Alda
Merini conduziram ao aumento alucinante no número de livros produzidos, e
à enorme projeção de Alberto e da sua editora em Itália, nos Estados
Unidos e no Japão". A escritora deu, ainda segundo essas páginas que
acompanham a exposição, "uma dimensão inesperada à Pulcinoelefante".
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O mestre Alberto em Portugal
Em 2013, Alberto vinha pela primeira vez a Portugal, a
convite de Catarina. "Achei importante dar a conhecer aos meus amigos
portugueses que se dedicam à edição a obra de um dos expoentes da arte
da composição tipográfica com tipos móveis".
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Nesse ano, fez um workshop no Homem do Saco, um dos
ateliers que, segundo Catarina, continua a dedicar-se à técnica de
impressão em tipos móveis. A outra é a Oficina do Cego, também em
Lisboa. Desse workshop resultaram quatro "pulcinos" sob a supervisão
direta de Alberto, que deram aos tipógrafos e artistas portugueses
envolvidos (alguns têm agora expostos os livros que fizeram) a motivação
necessária para, a partir daí, dedicarem-se à "criação de edições
artísticas inovadores e imaginativas que os singularizam no panorama da
edição independente."
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Mas a ligação de Alberto a Portugal é bem mais antiga.
Em 1993, fazia o primeiro livro de um escritor português. É lançar um
palpite e acertar, senão à primeira, pelo menos à segunda. Sim, foi
mesmo de Fernando Pessoa, mas esse não está entre os que viajaram de
Itália para Portugal. Vai ter de ficar para a próxima.
* Alberto Casiraghi uma pessoa a decobrir porque a vida, embora não pareça, começa no conhecimento.
* Alberto Casiraghi uma pessoa a decobrir porque a vida, embora não pareça, começa no conhecimento.
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