05/10/2014

SÍLVIA MARTINS

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Há coisas que nunca mudam

… nem irão nunca mudar.

Tão certo como o planeta ser redondo e mais certo do que dois e dois serem quatro, há coisas que a vida nunca conseguirá mudar.

As injustiças a que a sorte nos acomete. Os ricos serem sempre mais ricos. Os pobres sempre mais pobres. Os tristes mais tristes que ficam e os tolos que nunca irão aprender.

Os sonhadores e as suas utopias acreditaram um dia que toda a gente podia um dia mudar. Os otimistas torceram por isso, os pessimistas disseram logo que não.

As crianças acordaram com sonhos de mudança nos olhos, mas só mudaram aquelas que não quiseram acordar.

Há coisas que nesta vida feita de mudanças nunca mudam. O que é pena, porque algumas deviam mesmo mudar.

Os feitios moldam-se, as pessoas adaptam-se, mas a mudança do abstrato nunca acontece em concreto.
Podemos aprender a gostar de alguma coisa, mas dificilmente mudamos para passar a gostar de alguém.

Podemos adaptar-nos a determinada situação, mas raramente mudamos em prol dessa adaptação.

A mudança implica a vontade, um esforço e mais do que um evento pontual, a mudança tem de ser constante. Caso contrário, não é mudança de todo. Pode ser uma alteração, um estado transitório, uma alternância, mas se não for perene, não é mudança.
É por isso que há coisas que não mudam, nem irão nunca mudar. O que é pena, porque há coisas que deviam mesmo mudar, para sempre.

Devíamos mudar o paradigma da felicidade, ligando-a a mais tempo e não a mais dinheiro, a mais saúde e não a mais beleza, estabelecendo as prioridades da vida nos sentidos e menos nas sensações.

Vivemos uma época conturbada, de visões turvas, de dúvidas existenciais inegáveis, de hesitação e incerteza. Esta época, esta fase não será para sempre, mas a mudança é.

Os utópicos, como eu, que acreditam sinceramente, mas secretamente, que um dia irão ser capazes de mudar o mundo, guardam no saco a esperança. A esperança de uma mudança que há de vir. A esperança do libertar do sufoco e do estrangulamento dos sonhos. Mas os utópicos, como eu, que acreditam sinceramente, mas secretamente, que um dia irão ser capazes de mudar o mundo, não irão estar cá para sempre. No nosso lugar, daqui a anos que vêm, irão estar os seres céticos, agnósticos e sem esperança que não acreditam em nada, porque nada mudou. Porque os sonhos dos utópicos, como eu, que acreditam sinceramente, mas secretamente, que um dia irão ser capazes de mudar o mundo, deixaram de ser e de acreditar. Esse dia será triste e se calhar vai chegar, mas eu, que continuo sinceramente e secretamente a acreditar que serei capaz de mudar o mundo, vou espalhando a semente enquanto posso, fazendo votos que mais, como eu, a queiram. Tanto ou mais do que eu. Tão sinceramente e tão menos secretamente do que eu. E no dia em que essa mudança vier, que seja para sempre.

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
03/10/14


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