Tecnoforma e
o copo meio cheio
Todos sabemos do que estamos a falar quando falamos da Tecnoforma. De tal forma é claro que a empresa moribunda ameaça com processos contra quem disser o evidente. E o evidente que, nos belos e saudosos anos 90, havia dinheiro em barda. Dinheiro europeu, bem fresco, para estourar em "formação".
Quem não teve um amigo que fez mais do que um curso de informática da CEE? Apesar de tanta gente se fazer desentendida, não estamos propriamente a falar de uma ciência oculta. E era isso que a Tecnoforma fazia, como empresa de referência no setor. E para chegar ao pote era preciso pessoas que conhecessem outras pessoas que tomavam decisões vantajosas. Ou era isso que Passos Coelho fazia ou é um especialista espontâneo na área da formação e um benemérito que trabalha à borla. É escolher.
Tenho lido e ouvido várias pessoas espantadas com o facto de Passos,
como Socrates, Cavaco e tantos outros, não darem a sensação de não se
terem preparado toda a vida para a possibilidade de serem governantes.
Se estivessem a trabalhar para isso não tinham deixado tantas pontas
soltas, sejam apenas sinais, suspeitas ou pecados reais. Enganam-se.
Pensaram. Só que neste passado, quando muitos dos escândalos de que
falamos agora aconteceram, estas pontas soltas não tinham qualquer
importância.
Teriam, em casos extremos, se chegassem à primeira página de O Independente. Fora esse risco, tudo estava relativamente seguro. Primeiro, porque os cidadãos não davam a estes comportamentos muita importância. Havia dinheiro e a democracia, com a sua exigência, ainda era jovem. Depois, porque em geral eles não se sabiam. O jornalismo era um pouco mais temeroso.
Teriam, em casos extremos, se chegassem à primeira página de O Independente. Fora esse risco, tudo estava relativamente seguro. Primeiro, porque os cidadãos não davam a estes comportamentos muita importância. Havia dinheiro e a democracia, com a sua exigência, ainda era jovem. Depois, porque em geral eles não se sabiam. O jornalismo era um pouco mais temeroso.
Esta é uma das lições que estes casos nos oferecem e que são
sistematicamente ignorada. Não é verdade que haja cada vez mais
impunidade. É ao contrário. O que não nos chocava então choca-nos agora,
o que não se sabia na altura sabe-se agora. Isso dá uma sensação de
degradação da política quando, na realidade, essa sensação é o resultado
de uma exigência democrática acrescida. Com muitos dos escândalos que
vão surgindo, alguns já prescritos do ponto de vista judicial, estamos a
ser vigilantes com retroativos. Apanhando com a boca na botija políticos
que estão hoje preparados para este ambiente mas não o estavam há vinte
anos.
Pode ser difícil de engolir, mas o nosso choque com o passado de alguns
políticos deve ser também um choque com o nosso passado enquanto
comunidade. E, perante isso, percebermos que, com todas as imperfeições,
com todos os corruptores e corrompidos, com toda a impunidade e
desfaçatez, já estivemos bem pior. Houve um tempo em que o que Passos
Coelho fazia na Tecnoforma e o que a Tecnoforma fazia com os dinheiros
europeus ou era ignorado ou encarado com naturalidade. Por Passos
Coelho, claro. Mas também pela maioria dos cidadãos. Esse tempo não
passou completamente. Mas já vamos sabendo um pouco mais e já nos vamos
indignando. Como se vê no caso da comissão de inquérito ao negócio dos
submarinos, falta que a maioria dos deputados se adapte a este tempo.
IN "EXPRESSO"
03/10/14
IN "EXPRESSO"
03/10/14
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