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Como os investidores
foram iludidos no BES
Fez nesta sexta-feira dois meses que o BES foi resgatado. Enquanto
prepara o futuro do Novo Banco, a equipa de Eduardo Stock da Cunha tem
de enfrentar os problemas de uma herança pesada.
A bolsa de Lisboa não gostou que Paulo Portas apresentasse a demissão
de ministro dos Negócios Estrangeiros ao primeiro-ministro Pedro Passos
Coelho na primeira terça-feira de julho de 2013. O índice PSI 20, que
reflete as cotações das principais ações portuguesas, caiu 1,5% nesse
dia.
Emília Vieira aproveitou a fraqueza da bolsa de Lisboa para comprar
ações do Banco Espírito Santo (BES) nessa altura. Entre junho e julho,
comprou títulos do BES a preços entre 62 e 70 cêntimos. “Investimos, à
luz da informação disponível na altura, com grande margem de segurança”,
conta a presidente da Casa de Investimentos, que gere patrimónios a
partir de Braga. “A cotação de mercado do banco, a posição acionista tão
elevada da família, que eram também os gestores do banco, e o facto de
não ter recorrido à ajuda do Estado foram os motivos que nos levaram a
investir 1,5% do valor das carteiras dos nossos clientes”, revela Emília
Vieira.
Emília Vieira não estava sozinha a investir no BES. No final de junho de
2013, os gestores de fundos portugueses tinham 10,7 milhões de euros
aplicados no segundo maior banco nacional, o equivalente a 0,9% dos
capitais totais investidos pelos fundos em ações. O BES estava na
terceira posição das ações favoritas do setor financeiro, a seguir ao
espanhol Bankia. No primeiro lugar estava o luxemburguês Espírito Santo
Financial Group (ESFG), que, apesar de deter 27,6% do capital do BES,
controlava o banco português. Todavia, 99,5% das ações do ESFG detidas
pelos gestores portugueses estavam na mão de um único fundo: o Espírito
Santo Premium.
“Pela positiva, destaca-se o nosso investimento em ações nomeadamente na
estratégia adotada ao nível do investimento no setor financeiro
nacional”, escreveram os gestores do Espírito Santo Premium sobre o
desempenho do fundo no primeiro semestre de 2013. O relatório não
mencionava, todavia, que, ao longo desses seis meses, a ESAF, a entidade
gestora controlada pela ESFG, apenas investiu em duas ações: do BES e
da ESFG. No final de junho 2013, o Espírito Santo Premium tinha 40,2
milhões de euros em ações da ESFG, o equivalente a 20,7% do seu
património. Na altura já se sabia que a exposição ao Grupo Espírito
Santo (GES) não poderia durar muito mais tempo.
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Crónica de um resgate antecipado
Quatro anos antes, em 2009, o Parlamento Europeu aprovou novas regras
para os fundos de investimento. Entre elas, os fundos especiais de
investimento, como o Espírito Santo Premium, teriam de limitar a
exposição aos títulos emitidos pelo grupo da entidade gestora.
Esperava-se que a transposição da diretiva europeia fosse efetuada até
ao verão de 2011, mas foi só em maio de 2013 que o Governo publicou o
novo regime jurídico dos fundos. Na prática, as novas regras só entraram
em vigor em novembro do ano passado.
Até ao final de outubro de 2013, a ESAF teve de despachar não só as
ações do ESFG que detinha através dos seus fundos, mas também os títulos
de dívida emitidos por empresas do grupo. Esse era um problema muito
maior.
A maior parte das obrigações estavam noutro fundo, o Espírito Santo
Liquidez. Ao contrário do Espírito Santo Premium, que não era vendido na
rede de retalho do BES, o Espírito Santo Liquidez estava espalhado por
cerca de 15 mil investidores, segundo o relatório do fundo do final de
2012. No verão de 2013, o Espírito Santo Premium só tinha cinco
investidores institucionais.
A pressão para a alienação da dívida começou a notar-se no mercado. Em
apenas dois meses, a ESAF teve de vender mais de 1,8 mil milhões de
euros de dívida ligada ao Grupo Espírito Santo que o Espírito Santo
Liquidez tinha na carteira. Não se sabe exatamente quem comprou os
títulos. “É um mistério”, conta um corretor de obrigações de um banco
português. “Fala-se que parte foi empacotada e foi vendida na rede
comercial [do BES], parte foi para grandes investidores estrangeiros, na
Suíça e no Dubai, por exemplo, e outra parte ficou na PT.”
Em agosto, o Wall Street Journal (WSJ) relatou
que uma pequena firma suíça, a Eurofin, criada há 15 anos para
administrar o património da família Espírito Santo e das suas empresas,
ajudava o grupo a vender dívida. “Por vezes, um veículo gerido pela
Eurofin era o único comprador de certas obrigações do BES”, escreveu o
WSJ. “A Eurofin ajudava a empacotar grandes somas de dívida de várias
empresas Espírito Santo, que eram então vendidas aos clientes do banco.”
As relações entre a Eurofin e a família Espírito Santo ficaram evidentes quando a empresa suíça comprou a Nau Capital em fevereiro de 2012, uma gestora de fundos criada com dinheiro dos Espírito Santo e que tinha como líder João Poppe, sobrinho de Ricardo Salgado. João Moreira Rato, que foi administrador financeiro do BES e depois do Novo Banco, também tinha ligações à Nau Capital.
Outras firmas financeiras, muitas com reputados nomes, facilitaram a
venda de títulos do grupo.
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Sair na altura certa
Apesar de saírem muitas notícias sobre as dificuldades de
financiamento do BES, a cotação do banco continuou a subir. Foi então
que Emília Vieira começou a vender. “Decidimos vender 80% da posição dos
nossos clientes na primeira semana de janeiro [de 2014] a 1,198 euros”,
conta a presidente da Casa de Investimento, que agora gere cerca de 60
milhões de euros. “A restante posição foi vendida no início de fevereiro
a 1,179 euros na sequência do adiamento das contas do banco.” A cotação
continuou a subir até 1,46 euros no início de abril e, depois, começou a
derrocada.
“Houve um entusiasmo exagerado”, recorda Emília Vieira, que, antes de
fundar a Casa de Investimentos, trabalhou nas principais capitais do
mundo financeiro e dirigiu o Mestrado em Finanças da Universidade
Católica Portuguesa. A área de investigação preferida de Emília Vieira,
que divide as decisões de investimento com o diretor de gestão de
ativos, Hugo Roque, é na modelização da probabilidade de solvência. O
“entusiasmo exagerado” levou-a a escrever um artigo
para a Vida Económica a chamar a atenção dos investidores para a banca.
Começava assim: “Às vezes os ‘investidores’ estão dispostos a pagar
qualquer preço para entrarem na ‘festa’, convencidos que conseguem sair
cinco minutos antes da meia-noite.”
A análise do Observador às carteiras dos fundos de investimento geridos
em Portugal mostra que os gestores de fundos demoraram um pouco mais do
que a Casa de Investimentos a abandonar as ações do BES. Os fundos
dedicados exclusivamente à bolsa lisboeta, que, em meados de 2013,
tinham pouco mais de 4,2% dos seus ativos nas ações do banco, reduziram
para 3,5% em março passado e, no final de junho, para 1,4%. No final de
julho, no penúltimo dia em que o BES cotou em Lisboa, ainda havia fundos
com ações. O Barclays FPA, um plano de poupança em ações, era o que
mais tinha: 500 mil ações que valiam o equivalente a 2,1% do capital
disponível. Este é o fundo de ações portuguesas que menos ganhou nos
últimos 12 meses, segundo a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios.
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Grandes a sair, pequenos a entrar
Enquanto os gestores profissionais abandonavam o barco, o Banco
Espírito Santo convencia os pequenos investidores a participar num aumento de capital,
anunciado em maio de 2014. O aumento de capital do BES suscitou uma
procura elevada entre os investidores, desde os financeiros da City
londrina até aos investidores nacionais que, respondendo à campanha de marketing
habitual nestas operações, se dirigiram aos balcões do BES para
subscrever as novas ações. O “aumento de capital foi uma ilusão montada
em torno da solidez e da estabilidade do banco”, diz o advogado Alberto
Vaz, que representa um grupo de pequenos acionistas que agora quer travar a venda de ativos do BES.
A procura total pelos novos títulos do aumento de capital superou em
quase duas vezes os 1.045 milhões de euros que foram colocados em novo
capital. Ricardo Salgado, na altura presidente do BES, afirmou após a
operação: “dos dez aumentos de capital que fizemos desde a
reprivatização, em 1992, este foi o de maior sucesso”. Para o banqueiro,
“o êxito deveu-se à elevada confiança, robustez e credibilidade que o
banco goza nos mercados financeiros”, uma robustez que “sai ainda mais
reforçada com esta operação”, afirmou. Cerca de quatro meses volvidos,
“os pequenos investidores que foram ao aumento de capital sentem-se
defraudados”, diz Alberto Vaz.
Os problemas com o GES avolumaram-se logo após o aumento de capital e o
banco ressentiu-se na bolsa. As ações do banco caíram de forma acentuada
em vários dias consecutivos, uma hemorragia que só foi estancada –
temporariamente – quando o governador do Banco de Portugal, Carlos
Costa, tentou tranquilizar o mercado.
“Se algum capital adicional fosse necessário, por força de riscos que
neste momento não estamos a ver, seguramente que há acionistas
interessados em participar num aumento de capital do BES”, afirmou
Carlos Costa, defendendo: “a solvabilidade é sólida e o BES está
capitalizado, tem uma almofada de capital para fazer face aos riscos com
que está confrontado, que tem a ver com a evolução da área não
financeira da família”.
Estas declarações, proferidas a 15 de julho, continuam a ser alvo de
críticas por quem terá aproveitado a queda das ações para investir. Uma
semana depois, o Presidente da República, Cavaco Silva, disse, durante
uma visita à Coreia do Sul: “o Banco de Portugal tem sido perentório e
categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito
Santo dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para
cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira [do GES],
mesmo na situação mais adversa.”
Estas declarações, proferidas a 15 de julho, continuam a ser alvo de
críticas por quem terá aproveitado a queda das ações para investir. Uma
semana depois, o Presidente da República, Cavaco Silva, disse, durante
uma visita à Coreia do Sul: “o Banco de Portugal tem sido perentório e
categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito
Santo dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para
cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira [do GES],
mesmo na situação mais adversa.”
A 1 de agosto, a sexta-feira antes da intervenção, a negociação das
ações do BES foi suspensa pela Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM), o supervisor do mercado de capitais português,
quando os títulos valiam 12 cêntimos e caíam mais de 50%. No aumento de
capital, as novas ações tinham sido vendidas a 65 cêntimos cada uma. O
Financial Times considerou, recentemente, o aumento de capital do BES
como “um dos piores negócios de sempre” na história financeira.
Investidores qualificados?
Alberto Vaz é advogado, um dos que representam os pequenos acionistas que criaram a ABESD – Associação de Defesa dos Clientes Bancários.
Esta associação quer não só travar a venda de ativos do BES para que,
antes de isso acontecer, se possa passar a pente fino a documentação
existente e obter “informação sobre o que existe e o que não existe em
termos de património. E saber o que vai ser reembolsado e em que
termos”, diz o advogado. “Este está a ser um processo demasiado confuso e
com demasiado segredo”, acusa.
A ABESD encomendou um parecer jurídico a uma firma de advogados, que
analisou as queixas apresentadas pelos associados. São várias as
ilegalidades detetadas. Terá havido violação do perfil de risco do
cliente na comercialização de produtos financeiros e, ao mesmo tempo,
foi prestada informação incorreta ou insuficiente sobre as
características dessas aplicações.
Mais: os clientes queixam-se de que terão sido subscritos ou
renovados investimentos sem a sua autorização ou, sequer, o seu
conhecimento. “Parece ter havido uma atuação concertada pelos bancos da
família Espírito Santo com vista a colocar, a todo o custo, o papel
comercial do GES junto dos pequenos investidores”, relata a associação
criada no final de junho para reunir casos de pequenos investidores
lesados no investimento em papel comercial das empresas do GES.
Mais de 200 clientes tinham, em agosto, pedido ajuda a esta
associação, entre os mais de mil contactos feitos. Alberto Vaz, que
agora quer inviabilizar a venda dos ativos do BES, relata a mesma
situação. “Sabe-se que os funcionários do banco receberam instruções
para vender um conjunto de ativos junto dos clientes de retalho que, na
maioria das situações, adquiriram esses produtos sem total consciência
dos seus riscos. Esses investidores, que confiaram nos seus gestores de
conta, foram levados a crer que seria um bom investimento.” Muitos deles
serão, contudo, considerados investidores qualificados, por terem
investimentos superiores a 50 mil euros, como lembrou no início de
agosto a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.
Também a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor quer ajudar os investidores lesados. Para isso, lançou um formulário de denúncia
que, até esta sexta-feira, recolheu 2.755 informações. “A maioria
destes processos encontra-se ainda sob avaliação por parte da
associação, para saber se é possível avançar para uma solução judicial”,
lê-se no comunicado publicado hoje. Em setembro, André Gouveia, supervisor do serviço de informação, revelou na Proteste Investe, a publicação financeira da associação, que 80% das reclamações prendiam-se com o investimento em ações do BES.
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Arrumar a casa
Enquanto trabalha na venda do Novo Banco, a gestão está a decidir o
que faz com os diversos instrumentos financeiros que foram
comercializados junto dos clientes. A administração liderada por Eduardo
Stock da Cunha propõe a conversão da dívida sénior – ou seja, títulos
com menor risco e que transitaram do BES para o Novo Banco – em
depósitos a prazo que poderão ser mobilizados pelos clientes dentro de
um ano. A solução foi encontrada em acordo entre o Novo Banco, o Banco
de Portugal e a CMVM. Os clientes que não querem ficar presos ao Novo
Banco durante um ano, vendem os títulos ao balcão com perdas de 10%.
Entretanto, o Diário Económico adiantou
que também para o papel comercial das empresas do GES vendido aos
balcões do BES haverá uma solução. Ao contrário do que era o plano de
Vítor Bento, primeiro sucessor de Ricardo Salgado na liderança executiva
do banco, que queria uma solução única para esta questão, Stock da
Cunha prefere, segundo o jornal, uma abordagem diferenciada, ou seja,
procurando resolver um problema de cada vez. Trata-se, aqui, de cerca de
mil milhões de euros em dívida de curto prazo de empresas do GES.
Além disso, segundo noticiou o
Jornal de Negócios, clientes de retalho do Novo Banco ainda têm mais de
1.400 milhões de euros bloqueados em produtos comercializados pelo BES e
que terão sido vendidos como aplicações de capital garantido. Esta é
conhecida como a “dívida oculta” do BES: recursos de clientes que foram
aplicados em ações preferenciais do universo BES e contratos de gestão
discricionária de carteiras que o banco usou para comprar obrigações
suas e instrumentos financeiros do GES. A nova administração quer ajudar
estes clientes a recuperar o capital investido e, também aqui, a equipa
liderada por Eduardo Stock da Cunha está a trabalhar com o Banco de
Portugal e a CMVM no desenho das propostas comerciais para solucionar
esta situação.
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Vender quando? E por quanto?
O governador do Banco de Portugal esteve no último fim de semana de
setembro em Madrid para contactos com possíveis interessados na compra
do Novo Banco. A notícia foi avançada pela imprensa espanhola, citando
fontes que notam, contudo, que uma possível operação de venda “está
ainda muito verde”. O BNP Paribas é o consultor contratado pelo Banco de
Portugal para vender o Novo Banco, o que o ministro da Economia,
António Pires de Lima, antecipa para um “prazo razoável”, isto é,
“durante 2015″.
O Sabadell, parceiro histórico do Banco Comercial Português (BCP) em
Portugal, é um dos nomes citados pela imprensa espanhola como
interessado em investir no Novo Banco, apesar de o banco espanhol
desmentir que esteja a olhar para as operações do Novo Banco em
Portugal. “O nosso sócio de referência em Portugal é o BCP, como ficou
evidente pela participação no recente aumento de capital e de termos
aumentado ligeiramente a participação. Neste momento, não analisamos
nenhuma operação [do Novo Banco] neste país”, garantiu o Sabadell em
resposta ao Cinco Días.
O BBVA, que suspendeu o plano de saída do mercado português quando
começaram a surgir os problemas no BES, é outra das entidades vistas
como interessadas. O Diário Económico adiantou, contudo, que são o
Santander e o Banco BPI que estão mais bem posicionados para vir a
adquirir o Novo Banco. O BPI contaria com o apoio do também espanhol La
Caixa e da empresária angolana Isabel dos Santos, acionista do banco
português que poderia, eventualmente, absorver na sua estrutura as
operações e os ativos e passivos do Novo Banco. O modelo de venda, dizia
o jornal, estará fechado até ao final do ano.
Antes disso, falta ainda a conclusão da auditoria da PwC e espera-se
ainda o desfecho da análise do Banco Central Europeu (BCE) à qualidade
dos ativos bancários europeus. O que parece ter sido garantido é que não
será necessário um reforço de capital do Novo Banco antes da venda. O
chamado balanço “base zero” já está fechado e isso torna mais fácil o contacto com potenciais investidores na instituição criada a 4 de agosto.
Será possível vender o Novo Banco pelos mesmos 4,9 mil milhões de euros com que foi capitalizado pelo Fundo de Resolução?
“Penso que essa possibilidade está completamente fora de questão”,
afirma um analista do setor. Não parece haver muito interesse, diz o
especialista, realçando: “a necessidade de o governador do Banco de
Portugal ter de ir a Madrid, com uma pasta debaixo do braço, atrair
investidores para o banco é revelador disso mesmo”.
Do ponto de vista dos investidores, continua a existir muito pouca
visibilidade quanto ao risco de perdas adicionais e possíveis
litigações. Mesmo depois da auditoria da PwC e do exame do BCE à banca
europeia, é muito difícil que o banco seja vendido ao valor dos seus
capitais próprios, ou seja, aqueles que foram injetados pelo Fundo de
Resolução. “Se olharmos para os outros bancos portugueses na bolsa,
todos estão a negociar a valores inferiores aos seus capitais próprios.
E, apesar de tudo, não é comparável a situação dos outros bancos com as
dificuldades e os riscos que o Novo Banco ainda enfrenta.”
O BES foi alvo de uma medida de resolução há dois meses. Dentro de 30
dias, os juros pagos pelo Novo Banco pelo empréstimo que recebeu da
linha de recapitalização da troika vão sofrer o primeiro
agravamento. O custo do empréstimo foi inicialmente definido em 2,95%,
mas este valor sofre um agravamento de cinco pontos base à passagem de
cada período de três meses. Assim, no início de novembro, a taxa subirá
para 3%.
Trata-se, ainda assim, de uma fração do custo de mais de 8% cobrado
aos outros bancos (BCP, BPI e Banif) que foram recapitalizados com
dinheiro da troika, mas através da emissão de obrigações de
capital contingente, ou seja, empréstimos que se transformariam em
capital e, portanto, numa nacionalização, caso não fossem reembolsados.
Aqui, explicou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, “não há
risco para os contribuintes”, porque se o Novo Banco for vendido abaixo
do preço do empréstimo, os outros bancos a operar em Portugal –
acionistas do Fundo de Resolução – têm de devolver a diferença.
Se o banco for vendido a um preço inferior a 4,9 mil milhões de
euros, terão de ser os outros bancos a suportar a diferença. O impacto,
para estes, será “gerível”, acredita o analista. “Mesmo que o Novo Banco
seja vendido a zero euros, o pior cenário possível, as imparidades a
registar por um banco como o BCP, por exemplo, rondariam os mil milhões
de euros, um valor elevado mas gerível”, nota o especialista, que não
exclui que haja algum programa de benefício fiscal diferido que suavize,
a prazo, o impacto para os bancos. “Há risco de perda de dinheiro de
contribuintes?”, pergunta o Observador. “Tudo isto foi estruturado de
forma a isso não acontecer, mas nunca se deve dizer nunca.”
IN "OBSERVADOR"
03/10/14
JORNALISMO DE INVESTIGAÇÃO
DAVID ALMAS EDGAR CAETANO
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