HOJE NO
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Abertas investigações por violência
contra filhos adoptivos em Lisboa.
O i conta algumas das histórias
Maioria dos casos não passaram porém do Tribunal de Família e Menores por não se considerar que havia crime, mas apenas abandono afectivo
Hora
de ponta em Lisboa. Da janela do autocarro Maria vê a condutora do lado
bater no filho. Não é uma bofetada leve nem uma chamada de atenção para
sossegar uma criança desobediente. O episódio é tão violento que ela
tira à pressa, da mala, um pedaço de papel e anota a matrícula para
fazer uma denúncia, sem saber que a criança era adoptada.
Josefa talvez
não convencesse António a ter dois filhos se soubesse que poucos meses
depois uma doença terminal lhe tiraria a vida e as duas crianças
acabariam abandonadas pelo pai noutro país europeu, vítimas de
maus-tratos e sem ir à escola.
Estes dois casos não são únicos. Desde 2012, houve seis investigações
do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa a pais
que maltrataram filhos adoptados, outros processos ficaram-se pelo
Tribunal de Família e Menores por se considerar que se estava perante o
abandono afectivo, situações que não configuram crime.
Estas duas agressões contra adoptados - tal como as restantes - não
são muito diferentes das que acontecem contra filhos biológicos, mas os
magistrados do Ministério Público explicam ao i que deveriam ser
analisadas para perceber o que poderá estar a correr mal nos processos
de selecção. Defendem que um processo de adopção precisa de tempo para
criar vínculos entre pais e filhos e que a aceleração dos últimos anos
pode estar a pôr em causa esses laços.
"Em alguns casos são agressões físicas, noutros são maus-tratos
psicológicos, falta de afectividade", explicou a procuradora do DIAP de
Lisboa, Fernanda Alves. De acordo com a sua experiência "têm acontecido
alguns casos graves" que devem fazer pensar como é que "essas famílias
foram sinalizadas, até porque alguns já tinham filhos biológicos e
poderiam existir já indícios do que veio a acontecer."
Fernanda Alves lembra ainda que, excluindo pequenas divergências
entre adoptados e pais na adolescência - em que ambas as partes dizem o
que não devem -, têm--se verificado casos graves de violência
psicológica: "Há pais que por tudo e por nada dizem às crianças que elas
não valem nada e que são iguais aos membros das famílias de onde
vieram."
Em dois dos seis inquéritos abertos nos últimos dois anos foi
deduzida acusação - ainda que nenhum tenha acabado com condenação - e os
outros quatro estão ainda em investigação. Fonte oficial da
Procuradoria-Geral da República, explica que o tratamento de dados no
DIAP do Porto não permite saber ao certo qual o número de inquéritos
contra adoptantes mas o procurador Rui Amorim, que até há dois anos
coordenou o Tribunal de Família e Menores do Porto também salienta que a
falta de vínculos é um dos maiores problemas.
prazos
"Para
evitar a ocorrência de adopções mal sucedidas, talvez fosse de repensar
o período mínimo de convivência entre adoptantes e adoptados para
avaliação da conveniência da constituição do vínculo", explica o
procurador, lembrando que "presentemente, o prazo mínimo que tem de ser
observado é de seis meses (sendo reduzido para três meses no caso da
adoptante de filho de cônjuge ou de companheiro), [o que pode] ser
insuficiente para aquilatar da conveniência da constituição do vínculo."
Na maioria dos casos, a sinalização é feita pelas escolas ou pelas
comissões de protecção de Jovens e Crianças, mas há casos em que são
denúncias como as de Maria que desencadeiam a investigação.
Más Experiências por Estudar
Rui Amorim diz que os casos que chegam ao Tribunal de Família e Menores
do Porto são importantes para que a Segurança Social possa seleccionar
melhor os candidatos no futuro, mas segundo o i apurou nem
sempre as conclusões do inquérito crime são usadas por entidades como a
Santa Casa da Misericórdia ou Segurança Social para perceber o que pode
correr melhor no futuro. Confrontada com esta situação, a procuradora
Teresa Alves diz ter já tentado passar informações sobre os inquéritos
que correm ou que já correram no DIAP de Lisboa para o Tribunal de
Família e Menores, mas garante não ter tido qualquer feedback sobre o
assunto.
Ainda assim, a procuradora explica que, na prática, o Tribunal de
Família e Menores também não tem influência sobre quem é seleccionado.
E, mesmo que tenha dúvidas sobre se um pai ou uma mãe é a melhor opção
para uma determinada criança, só se pronuncia quando o adoptado já está
naquela família há seis meses: "Raros são os casos em que o tribunal diz
que por algum motivo aquele não é o adoptante certo, porque já passou
muito tempo e a criança já está ambientada."
Defende por isso que "o tribunal deveria ter controlo sobre os
candidatos escolhidos para cada criança". O processo ficaria mais lento e
burocrático, mas essa demora poderia ser benéfica: "Seis meses pode ser
muito pouco tempo para criar vínculos, aquelas crianças têm uma
história e quando são adoptadas essas memórias não se apagam por magia."
Sobre as situações que nem sequer chegam ao DIAP de Lisboa, a
procuradora explica que ainda não há muita sensibilidade para a
violência psicológica e que muitos casos - que até poderiam no limite
enquadrar-se em crimes - podem não ter passado do Tribunal de Família e
Menores, tramitando apenas como abandono afectivo.
* Não é preciso ser adoptada para, muitas vezes, a criança ser tratada como bombo, basta ter pais selvagens, adoptivos ou biológicos.
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