A sugestão de Carlos Slim
1 O
empresário mexicano Carlos Slim, que recuperou esta semana o título de
homem mais rico do mundo no campeonato organizado anualmente pela
revista norte--americana Forbes, propôs ontem a criação de uma semana de
trabalho de apenas três dias, de 11 horas cada. Esta ideia visa,
segundo ele, contribuir para o combate ao desemprego e seria também
ligada à idade da reforma, que de uma forma geral aumentaria. Diz Slim
que a medida proporcionaria quatro dias livres para que os trabalhadores
pudessem dedicá-los à família, a inovar, a cultivar-se e a criar.
Este tipo de ideias não é uma absoluta novidade.
O desemprego cresce.
A
crise económica instalou-se nas economias consideradas mais evoluídas,
destruindo o modelo de negócio das empresas em demasiados setores.
A formação que se adquiriu na escola já não dá para a vida.
A evolução tecnológica é tão aliciante quanto terrível, consoante a perspetiva pela qual a olhamos.
Estamos
a aproximar-nos, seguramente, de um tempo em que tem de haver novas
respostas para dar aos problemas sociais resultantes de todas estas
mudanças - e isso tem convocado os palpites de algumas pessoas.
A sugestão de Carlos Slim é, apenas, o mais recente dos contributos.
2
O magnata mexicano está a dizer que é preciso agarrar no tempo de
trabalho e distribui-lo por mais pessoas. Certamente também estará a
fazer contas de que quem empregue, a começar por ele, com o mesmo
dinheiro, acabe por usufruir de mais horas de trabalho. É tão certo
quanto qualquer sindicato entender que por menos horas o trabalhador
deverá sempre receber o salário de antes.
Neste sentido, os
mercados mais evoluídos socialmente começaram há muito a fazer caminho. É
habitual encontrar nos países da Europa Central e do Norte anúncios
procurando ou oferecendo tempos de trabalho relacionados com horas,
sendo estas função da vida que as pessoas escolheram ter ou da
estratégia associada ao desenvolvimento de uma ideia para uma empresa.
Nos próximos anos, quer se queira ou não, também Portugal prosseguirá
esse caminho de flexibilização laboral associado à globalização e à
multiplicidade de formas de viver a vida.
3
O que é interessante é a explicitação da parte social da ideia de Slim,
dando por bom que não seja cinismo. A admissão de que o homem precisa
hoje de mais tempo para crescer, tanto em termos familiares como
profissionais - e que isso o torna melhor, obviamente também mais
produtivo. Acrescento eu: e isto é tão válido para o trabalhador sob a
alçada da contratação coletiva como para o empresário mais esforçado,
especialmente se este apenas o for nos almoços e jantares que fazem
parte da sua "extenuante" jornada de trabalho.
Convém ir pensando
nestas alterações, e ter estratégia para elas, tanto no meio sindical
como no das associações patronais. O futuro que está à porta não é o da
defesa do modelo laboral do século XIX, tão cheio de certezas e de
rotinas. O que vamos ter é obrigatoriedade de construir um espaço de
tra-balho e de negócio mais sofisticado, adequado às necessidades de
ambas as partes e que seja justo para todos. Isso far-se-á com certeza
com muitas palavras, outros tantos desencontros, e uma mão-cheia de
propostas e sugestões, como esta de Carlos Slim.
Nunca
imaginei, sobretudo quando via tanta coluna vertebral adaptar-se à
passagem de Ricardo Salgado, que o antigo presidente do BES tivesse
tantos crí-ticos na sociedade portuguesa. Mea culpa! Afinal, onde
julgava ver subserviência havia apenas pudor. O que vale é aquilo que
escuto e leio agora. E, portanto, reconheço: há ilusões de ótica
perigosas, muito perigosas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
19/07/14
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