09/06/2014

YURIKO KOIKE

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O caminho para Slovyansk

A crise na Ucrânia demonstrou que uma pessoa pode colocar em risco a paz mundial. Mas essa pessoa pode não ser o presidente russo Vladimir Putin. Putin, na verdade, apenas lidera uma grande potência regional - devido a sua regência autoritária e com o seu sistema económico confuso - e é uma ameaça a longo prazo mais para si do que para o mundo.
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O actor responsável por ameaçar a paz mundial pode ser, ainda que de forma involuntária, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com a sua inércia erudita e aparente desconsideração pelo destino dos países mais pequenos e distantes.

Claro que Obama não é responsável pela invasão e anexação russa da Crimeia ou pelo elevado número de tropas russas na fronteira ocidental ucraniana num esforço para intimidar o governo de Kiev. Barack Obama não está sozinho a formular a política ocidental de apaziguamento. A chanceler alemã, Angela Merkel, tem também uma responsabilidade considerável: a sua retórica dura mascara a sua abordagem "business as usual" que reflecte a dependência do seu país do fornecimento de gás russo.

Mas Obama é responsável pela aparente indiferença da sua administração para com o destino da ordem construída pelos Estados Unidos, que regeu as questões mundiais desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A menos que as suas políticas se tornem mais duras, as regras e as normas que garantiram a paz para tantos, e durante tanto tempo, podem perder a sua força.

A total separação entre os princípios diplomáticos dos Estados Unidos e a prática tornou-se tão grande que está a encorajar os seus adversários. E, por isso, após a entrada ilegal e a anexação russa da Crimeia, Putin tenta moldar as províncias ocidentais da Ucrânia em regiões vassalas, se não fomentando a irracionalidade, de forma a concretizar o seu sonho de reconstruir o império russo.

Mas não são apenas os rivais da América que estão a aperceber-se da passividade da administração Obama. Os aliados mais próximos dos Estados Unidos estão a assistir com nervosismo e as conclusões a que aparentemente estão a chegar, podem prejudicar severamente os interesses de segurança norte-americanos nos próximos anos e décadas.

No Médio Oriente, a Arábia Saudita está já a questionar abertamente a veracidade da garantia de defesa histórica, dada ao Reino pelos Estados Unidos. E a "orientação" do secretário de Estado, John Kerry, para um acordo para o conflito israelo-palestiniano, que deveria já ter sido alcançado vai agora continuar sem solução. A especulação abundou no sentido em que a "orientação" de Kerry tinha uma garantia norte-americana específica para as fronteiras israelitas. Mas alguém acredita que os israelitas confiam na palavra dos Estados Unidos depois de verem os Estados Unidos a não fazerem nada enquanto a Rússia redesenha o mapa da Ucrânia?

No Memorando de Budapeste, de 1994, os Estados Unidos, em conjunto com o Reino Unido e com a Rússia, asseguraram a integridade territorial da Ucrânia. Em troca, Kiev entregava o grande arsenal nuclear herdado da União Soviética. Agora, que os Estados Unidos ignoraram a sua obrigação para com a Ucrânia – alegadamente com pouca disponibilidade para partilhar informações sobre as movimentações das tropas russas e fornecer ao país os meios para se defender – todas as apostas foram canceladas em relação a uma garantia norte-americana quanto à segurança e integridade territorial de Israel.

Neste sentido, porque deve o Irão suspender o seu programa nuclear quando vê a facilidade com que a Ucrânia é desmembrada? Afinal, os iranianos suportaram sanções bem mais duras do que as impostas até aqui à Rússia.

Ao conformar-se com a anexação russa da Crimeia, os Estados Unidos podem ver alianças importantes a começarem a desfazer-se. Por exemplo, os Estados Unidos já indicaram abertamente que vão defender o Japão, por isso, deve a China aproveitar a disputa sobre as ilhas Senkaku. Mas se os Estados Unidos puderem desviar-se da sua garantia quanto à integridade territorial da Ucrânia, porque devem os líderes japoneses acreditar que os Estados Unidos vão agir de outra forma no caso de um conjunto vasto de ilhas desabitadas que são praticamente ocupadas apenas por ovelhas?

O secretário de Estado da Defesa norte-americano, Chuck Hagel, ouviu várias dúvidas oficiais sobre a credibilidade do compromisso de defesa norte-americano durante a sua visita ao Japão. Obama ouviu mais do mesmo quando esteve em Tóquio.

Claro que os Estados Unidos já não se encontram numa posição de "pagar qualquer preço… para assegurar a sobrevivência e o sucesso da liberdade", como John F. Kennedy referiu no seu discurso de tomada de posse – não na Ucrânia e não em qualquer outro lugar. O elevado preço das suas guerras no Afeganistão e no Iraque fez com que compreensivelmente os Estados Unidos estejam cansados de guerras.

Além disso, nenhum país tem o direito de esperar que os norte-americanos lutem ou morram no seu território pela sua liberdade. Mas será que os Estados Unidos estão tão afastados do mundo que estão dispostos a pagar apenas um preço simbólico, como as sanções impostas à Rússia, para travar as agressões que ameaçam a ordem internacional? Terão as guerras no estrangeiro marcado tanto os seus líderes, que estes são agora incapazes de defender a ordem mundial que os antecessores criaram e pela qual muito americanos morreram?

O tempo é curto para os Estados Unidos mostrarem de novo – a amigos e inimigos – que a sua palavra continua a ser a sua obrigação. A menos que a Rússia honre o acordo alcançado em Genebra para aliviar a crise ucraniana, os Estados Unidos têm de utilizar todo o seu arsenal não militar para mostrar a Putin os custos, e a loucura, do seu revanchismo ao estilo de 1930.

O ponto fraco das ambições imperiais de Putin é a fraca e pouco diversificada economia russa, e as expectativas dos cidadãos para uma melhoria do padrão de vida. Os Estados Unidos e a União Europeia têm de mostrar claramente aos russos que as políticas do seu presidente vão significar o regresso da pobreza e da tirania da era soviética. Qualquer exibição, por mais pequena que seja, pode enfraquecer mortalmente a base da segurança do Ocidente – e do mundo.

Yuriko Koike, ex-ministra da Defesa do Japão e conselheira para a segurança nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata do Japão e é deputada na Dieta Nacional (Parlamento japonês).

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/06/14



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