Optimismos perigosos
Está em curso uma retoma do consumo privado, que estimula a economia,
mas será insustentável se o investimento empresarial não recuperar
Há duas semanas informava o SOL estarem esgotados os voos charter para o
estrangeiro no período da Páscoa. Os voos low cost para a Eurodisney em
Paris, para o Brasil, para as Caraíbas, etc., esgotaram-se mais de um
mês antes da Páscoa. Nas agências de viagens as reservas subiram este
ano 20%, 30% ou mesmo 40%.
“A classe média está a voltar a viajar”, comentou ao SOL o
presidente da Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo. Os
que viajam serão apenas uma parte da classe média. Mas é curioso que
tantos voem para férias longe do país, quando se diz que a austeridade
teria liquidado a classe média.
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Entretanto, no primeiro trimestre deste ano as vendas de carros em
Portugal tiveram o maior aumento de toda a União Europeia - mais de 40%,
comparando com o primeiro trimestre de 2013. É certo que há um ano a
venda de carros registava valores baixos e que ainda hoje é inferior ao
que era há anos atrás. Mas queremos regressar à situação absurda de
sermos o terceiro país europeu com maior número de automóveis ligeiros
por cada cem habitantes, a seguir ao Luxemburgo e à Itália, quando nem
de longe somos a terceira nação mais rica da UE?
Em 2013 a subida dos impostos mais do que compensou a reposição,
ordenada pelo Tribunal Constitucional, dos subsídios de férias e Natal
dos funcionários públicos e pensionistas. Por isso o rendimento
disponível médio das famílias continuou a descer. Cortando no consumo, a
taxa de poupança das famílias subiu para 12,6% desse rendimento - mas
este ano já baixou.
Está em curso uma retoma do consumo privado, que estimula a economia,
mas será insustentável se o investimento empresarial não recuperar. O
indicador do Banco de Portugal sobre o consumo atingiu em Março passado o
valor mais alto desde Agosto de 2010. A expansão do consumo privado já
ultrapassa o crescimento global da economia.
O apertar do cinto feito pelas famílias foi bem superior ao realizado
pelas empresas e pelo Estado. Por isso é normal, agora, alguma retoma
do consumo, desde que não se entre de novo em exageros despesistas - a
recuperação económica é modesta.
O risco será agravado se, como aconteceu na fase que quase nos levou à
bancarrota, se multiplicarem os sinais errados no espaço público. Por
exemplo, o CDS tem criado expectativas pouco sensatas sobre o
significado prático da saída da troika e insiste em baixar impostos.
O Presidente da República apelou a que, agora com a economia a
crescer, se corrijam injustiças da austeridade. Mas, se existe alguma
folga (o que é duvidoso, até porque o Tribunal Constitucional ainda não
se pronunciou), ela deveria ser encaminhada para os mais pobres e os
desempregados, não para quem tem rendimentos acima da média.
E o PS acusa o Governo de querer um 'Estado mínimo', quando a despesa
pública continua a subir. Os socialistas opõem-se a cortes nessa
despesa, afirmando ao mesmo tempo que cumprirão as estritas regras de
eliminação do défice impostas pelo Tratado Orçamental, que o PS
apoiou...
Há evoluções económicas e financeiras positivas em Portugal. Mas
temos as empresas mais endividadas da Europa e a dívida pública
ultrapassará em breve 130% do PIB. Os credores só nos financiarão a
juros razoáveis se não tornarmos insustentável essa dívida. Cuidado com
os optimismos irrealistas ou eleitoralistas.
IN "SOL"
09/05/14
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