Jornais só têm a ganhar
com uma participação ativa
dos seus leitores
Nestes
últimos tempos de "estaleiro", fui surpreendido com a realização de um
encontro, em Coimbra, de treze pessoas que se identificam como
"leitores-escritores" de jornais. Mais perplexo - ou mesmo incomodado -
fiquei quando me apercebi, pelo texto, de um certo tom de remoque e
desdém dirigido a um número considerável de responsáveis editoriais e
provedores, que não terão prestado a atenção a que os promotores do
encontro se julgam com direito.
Acontece que para ignorar
propositadamente um evento é condição prévia ter conhecimento de tal
acontecimento. Dei voltas a toda a minha correspondência eletrónica e
não encontrei nenhuma informação, muito menos convite, para participar
ou estar atento. Só soube da existência do encontro e das suas
conclusões porque a Direção do DN teve a gentileza de me reencaminhar o
documento.
A verdade é que não pertence à Direção do DN
transformar-se no meu carteiro eletrónico privativo.
Independente que
sou da Direção do jornal, a correspondência que me seja dirigida deve
ser feita para o e-mail que está bem visível ao alto da página na edição em papel, em e-paper, ou na coluna permanente online.
Aliás, embora eu não seja muito seguro na fixação e identificação de
nomes, nenhum dos treze nomes subscritores do documento me fez retinir
campainhas a lembrar tratar-se de alguns dos leitores que mais
frequentemente me abordam exatamente para discutir e melhorar as
condições de participação livre e isenta de impropérios e escarros
verbais de javardos que se imiscuem na conversa entre homens e mulheres
civicamente bem formados.
Verifico mesmo que só dois jornais
diários terão sido objeto de apreciação dos participantes e esse facto
acentuou-se quando vi um deles criticado por embutir à força o exercício
do direito de resposta na secção de cartas. Talvez por ignorância da
lei, os participantes lamentaram tão-somente o espaço que tal direito de
resposta retira aos que escrevem cartas à Direção. Esse é o mal menor:
quem para ali desterra o direito de resposta - e há pelo menos dois
conhecidos jornais, um diário, outro semanário, que o fazem com olímpica
impunidade e cumplicidade de autoridades que, em lugar de aplicarem a
lei, se dão ares de legislador por juris(im)prudência e (má) doutrina,
dobrando a cerviz e cumpliciando-se com os detentores dos meios de
produção - que vergonha! Que rastejo!
O direito de resposta
é para ser publicado em espaço e visibilidade igual ao do escrito que
lhe deu origem - a isso se chama lealdade editorial - e apenas é
concebível a sua publicação no espaço das cartas de leitores, se se
tratar de resposta a outra missiva ali publicada.
Esse respeito
escrupuloso pelos direitos de quem exerce o direito de resposta é regra
de ouro aqui no DN. Se os participantes do encontro de Coimbra se
houvessem documentado melhor sobre os jornais que querem melhorar, não
teriam perdido a oportunidade de louvar este exemplo de honra e lealdade
para com os visados nas notícias.
Dou agora a voz aos excertos
mais significativos do documento aprovado em Coimbra, eliminados os
remoques pouco a propósito a que já fiz referência:
"O encontro compreendeu quatro componentes distintas:
"-
Apresentação de cada um dos participantes: quem são e como encaram a
sua participação pública como autores de cartas para jornais;
"-
Leitura e discussão de textos originais, por cada um dos presentes,
focando assuntos relativos a dois temas: o encontro entre leitores e o
significado do envio de cartas;
"- Intervenção do investigador
Fábio Ribeiro da Universidade do Minho subordinada ao título "A opinião
do leitor importa? Retratos de quem escreve para as Cartas do Leitor do Jornal de Notícias, motivações e dificuldades para participar";
"-
Apresentação de propostas e de questões a colocar às direções de
jornais e a provedores do leitor como conclusões gerais do encontro de
Coimbra.
"Importa, então, apresentar as principais questões colocadas pelos participantes.
"Em
primeiro lugar, há unanimidade na consideração da atividade
leitor-escritor como uma manifestação de participação cívica e livre que
constitui um sinal e um suporte da democracia. Qual será, para as
direções dos jornais, a importância e mais-valia atribuídas às cartas
que recebem diariamente de leitores? Não será um serviço público
relevante prestado pelo jornal?
"Há, contudo, preocupações relevantes que foram identificadas:
"-
A gestão das cartas enviadas aos jornais carece de uma maior
transparência, nomeadamente no que diz respeito aos critérios de
seleção. Assim solicita-se que esses critérios sejam clarificados e
conhecidos.
"- O espaço para as cartas dos leitores tende a ser
cada vez mais reduzido, em particular em alguns jornais, e acontece,
como é o caso no jornal Público, que é também ocupado pelo "direito de resposta" e pelo anúncio de eventuais erros em textos do jornal.
"-
Solicita-se que os textos das cartas não sejam alterados e amputados de
forma a desvirtuar o sentido ou o contexto em que foram escritos pelos
autores.
"- Um texto, mesmo que pequeno, como é o caso habitual de
uma carta a um jornal, merece sempre um mínimo de respeito por parte de
quem a recebe para com quem a escreveu. Acusar a recepção, agradecer e
dar uma informação objetiva sobre o destino da carta são atos que não
parece que sejam difíceis de executar numa redação bem organizada.
"-
Compreendendo que existem condicionamentos ao jornal, os participantes
consideram, contudo, que deve ser possível a criação de uma secção
online de fácil acesso na qual estejam todas as cartas recebidas (com
acesso por data e nome de autor e com a limitação natural de um critério
de decoro aceitável). No final, o objetivo dos leitores-escritores é
que as cartas possam ser lidas."
As cartas dos leitores
são um sinal vivo de participação dos recetores da mensagem
jornalística, através dos seus comentários. Dizem-me - não tive ocasião
para o apurar com rigor - que nas primeiras décadas de existência do
famoso diário londrino The Times, as cartas dos leitores eram
consideradas trabalho proporcionado ao jornal, ao ponto de ser paga
simbolicamente uma libra ao autor de carta publicada. (Convenhamos que,
naqueles tempos, uma libra não deveria ser meramente simbólica...)
Tratava-se
de um tempo em que os jornais ocupavam todo o seu espaço com noticiário
e anúncios diminutos, era placidamente lido durante um soberbo
pequeno-almoço à inglesa e acabado de ler no clube, necrológios
incluídos - ou mesmo: necrológios em especial.
Com o avançar dos
tempos, alguns dos epistolares - e outras personalidades literárias de
atividades diversas com escrita sedutora - foram convidados a escrever
regularmente, cronicamente (daí a razão estrangeirada para se
chamar inadequadamente "crónica" aos artigos ou colunas de opinião); os
jornais foram melhorando o grafismo para se tornarem mais atrativos e ao
alcance de mais estratos sociais. O espaço para as cartas foi o
primeiro a sofrer com as remodelações gráficas.
O papel,
atualmente, é um meio escasso e caro. Tudo se torna telegráfico. Também
as cartas sofrem alguma tosquia que, na vontade de preservar o essencial
da mensagem, ficam desprovidas dos temperos da estética literária.
Quanto
aos critérios que os participantes do encontro de "leitores-escritores"
- permitir-me-ia sugerir a substituição dessa classificação por algo
como "leitores-participantes", para não desmobilizar à partida quem tem a
timidez de não querer apresentar-se como "escritor" -, apesar de não
ter procuração para a resposta, posso dizer quais os critérios que
descortino: o mais atual - e o mais resumível.
Proposta útil que
se me afigura viável e desde já chamo a atenção da Direção para ela é a
de criar uma coluna de Cartas dos Leitores na edição online. Não
se confunde de modo algum com a latrina das caixas de comentários torpes
e insalubres, mas um verdadeiro espaço para cartas, intelectual e
literariamente mais elaboradas, com uma dimensão máxima de 150/200
palavras, que seriam previamente lidas para eliminar rotundamente as que
contenham expressões desprimorosas e soezes, na qual os leitores de bem
se revissem, sem direito a comentários mas à resposta com outra carta.
Os
participantes teriam de se identificar corretamente com o nome (e,
eventualmente, pseudónimo), morada, bilhete de identidade, telefone e e-mail.
Perde-se interatividade e vibração? Não importa. Nem tudo na vida é o jogo da sarrafada. Às vezes a placidez de um bom jogo de bridge ou o silêncio espesso de uma partida de xadrez traz-nos um pouco do nirvana de que andamos tão carenciados.
PROVEDOR DO LEITOR
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
26/04/14
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