08/04/2014

MANUELA PARENTE

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As lágrimas submersas

Há tantas pessoas mal amadas que o ciclo do desamor gira em volta de si próprio não permitindo a entrada de luz nem cor.

Nem sempre se pede carinho com as palavras certas. As crianças que muitas vezes chegam aos gabinetes dos psicólogos rotuladas de mal educadas ou desajustadas, na sua maneira de agir, são tantas vezes crianças em sofrimento. Pessoinhas que choram por dentro num ruido surdo e encapsulado que os adultos, na sua maioria, não conseguem escutar.

Os seus apelos de carinho e aprovação surgem sob a forma de agitação ou agressividade. Querem colo enquanto dão pontapés. O resultado habitual é a crítica, o castigo, as chamadas de atenção constantes para o que emerge como o seu pior. O melhor não é visível a olho nu mas está lá sempre. Nas crianças sim, está sempre. E elas sofrem porque quase ninguém consegue ver e muito menos acudir. Há quem lhes chame burras porque não aprendem direito, ou más porque dizem palavrões ou agridem a sua dor no confronto com o outro.

Há tantas pessoas mal amadas que o ciclo do desamor gira em volta de si próprio não permitindo a entrada de luz nem cor. Sem amor não há arco-íris. Sem amor não há magia.

Mas também existem pessoas bem amadas que não conseguem olhar para além de si próprias, consideram-se exemplos de vida e igualmente em círculos não se permitem ver mais do que aquilo que conhecem.

Alguns adultos também reagem como as crianças não se entregam nem pedem o que precisam, soltam o lobo, à espera que sosseguem o cordeiro.

Este desentendimento de linguagem afetiva impede que as crianças em sofrimento se façam entender e potencia a inadequação dos seus comportamentos e atitudes.

Por vezes bastava parar olhar nos olhos, sorrir e dizer tão simplesmente “ sabes, eu gosto tanto de ti”, depois é deixar fluir, as lágrimas, os abraços, as traquinices, o jeitinho malandro e aquele pedido tímido, “ dás-me um colinho”, implícito no olhar.

Quantos adultos se olham e desta forma genuína comunicam o que sentem? Quantos adultos se tocam e desta forma genuína comunicam o que querem?

Mas as crianças precisam ser bem educadas, obedientes e coerentes. Quem disse que tinha que ser assim?
Educar para os afetos é um conceito embrionário que precisa de crescer. Na família, na escola, na comunidade é preciso tornar as ideias projetos credíveis e adaptados às realidades.

Tantas crianças esperam ansiosamente por isso, esperam que nasça uma linguagem que lhes permita comunicar tropeçando nos erros e nos disparates até encontrarem o seu espaço de conforto para ganhar fôlego e continuar. Aliás a vida não é mesmo assim, uma sucessão de erros e vitórias com momentos de descanso para retomar a jornada.

Se nos olharmos com alma será muito mais fácil ver as lágrimas escondidas na alma de alguns meninos mal comportados.

Como diz o mestre João dos Santos no seu livro “ Se não sabe porque é que pergunta”: “ (…) como aqueles miúdos muito perseguidos e muito reprimidos a quem os pais batem por tudo e por nada, e que a certa altura perdem a capacidade de chorar e de sentir. (…) é que a criança não pode suportar a forma como é tratada  e então insensibiliza-se(…)” .


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
05/04/14


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