22/04/2014

HELENA CRISTINA COELHO

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Isto (ainda não)
é uma reforma

O Governo fez as contas a quanto terá de cortar no próximo ano para cumprir a meta do défice.
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O resultado é um número pesado - 1,4 mil milhões de euros - o que, ainda assim, não é tão grande como os 1,7 mil milhões de algumas estimativas recentes ou mesmo os dois mil milhões que se chegou a temer serem precisos para cumprir a vontade de Bruxelas. Mas, se havia boas notícias no anúncio feito esta semana pela ministra das Finanças, elas esgotam-se nisto: na revelação de que a tesoura da austeridade vai cortar menos e de que o esforço dos portugueses será aliviado em 2015 - se é que podemos considerar uma boa notícia ouvir dizer que "apenas" será preciso cortar 1,4 mil milhões de euros (muito por obra e graça, recorde-se, de uma boa execução orçamental e da melhoria de uma série de indicadores que também resultam de um brutal ajustamento das famílias e dos portugueses nos últimos anos). Chamemos-lhe, por isso, uma notícia menos má.

A parte difícil vem a seguir: saber como o Executivo chegou a esse número (porque não anunciou medidas concretas) e como tenciona executá-las (o que faz levantar dúvidas sobre o seu sucesso). Lançar um número tão certinho para cima da mesa e adoptar a política do "depois logo se vê como lá chegamos" é sempre uma má medida. Como são todas as estratégias sem metas: não funcionam. Para começar, como se pode anunciar um número se a discussão das medidas com a ‘troika' só começa na próxima semana e o anúncio das decisões foi empurrado para o final do mês? O que sabe o Governo para chegar a este número que não pode ainda contar ao país? Depois, os caminhos indicados são demasiado vagos para servirem de orientação. Por onde vão passar os cortes nos ministérios? Vão implicar a eliminação de mais funções sociais do Estado, em áreas sensíveis e problemáticas como a Saúde ou a Educação? E com que critério? Ainda não se sabe. Como vão garantir os cortes nos chamados "consumos intermédios", precisamente uma área onde o Governo não conseguiu cumprir a meta de redução acordada com a ‘troika' no último ano (e vamos ver como será este ano)? E se essas gorduras do Estado são possíveis de eliminar agora, por que razão isso não se fez antes de toda a sobrecarga fiscal e asfixiante corte de rendimentos que se exigiram aos portugueses? Ainda não se percebeu. E tudo isto sem esquecer que, entre a revelação de um número e o anúncio adiado de medidas, ficam no limbo milhares de pensionistas e funcionários do Estado, os principais alvos dessa espécie de reforma do Estado que se anda a desenhar, sem saberem o que realmente os espera no próximo ano.

Pelo meio, é bom saber que tudo o que está em cima da mesa, seja lá o que for, não implica qualquer contributo adicional para a consolidação orçamental, leia-se, mais sacrifícios - palavra de ministra. Mas até se saber rigorosamente o que vai sair deste plano para a reforma-do-Estado-que-nunca-mais-acontece, é difícil ficar tranquilo. Seja qual for o caminho, os portugueses já sabem que vão ter cortes (e ainda duros) pela frente. Só precisam de saber como se preparar para eles. Mais: falta ainda saber qual o peso que a variável "eleições em 2015" tem nestas contas que permitiram chegar a um número tão exacto.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
17/04/14


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