Trabalho para todos?
Portugal não pode sair do resgate com sucesso se os portugueses saírem de rastos.
1. A “Liga Operária Católica/Movimento dos Trabalhadores Cristãos”
(LOC/MTC) tem uma longa história de confissão pública da fé cristã, no
seio da luta operária e das suas organizações. Inscreve-se no caminho
aberto por Jesus, um judeu marginal, de há dois mil anos, que terá sido
educado por José, o artesão, na lei de ganhar o pão com o suor do seu
rosto e não com o do rosto dos outros.
Jesus não era nem um pobre de pedir nem um
proprietário ou empresário. O seu Evangelho tinha a ousadia de anunciar,
aos pobres e excluídos, a bem-aventurança de um mundo de irmãos, que
reunisse todos os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52). Acabou por
concluir que não seria tarefa fácil.
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Aos seus discípulos
interessava mais a esperança de chegar ao governo do novo poder do que
embarcar nos sonhos loucos do Nazareno. Diante do líder crucificado,
desiludidos, cada um voltou à sua vida.
Segundo a 1.ª carta aos
Tessalonicenses – o primeiro escrito cristão - quando S. Paulo entrou em
cena, a esperança tinha mudado radicalmente de sentido: o mais
importante era preparar-se para o fim do mundo.
O apóstolo
tinha-se entusiasmado tanto com a voz do Ressuscitado, que entrou em
delírio. Verificado, porém, o equívoco, pediu aos cristãos para
abandonarem as conversas sobre o fim do mundo e desautorizou os
parasitas do engano, da forma mais prática: “quem não quer trabalhar que
não coma!
Às pessoas que levavam a vida à toa, muito atarefados a não
fazer nada, ordena e exorta, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem
tranquilamente a ganhar o pão com o próprio esforço” (2Tess 3).
Aos
militantes da LOC não se lhes pede que regressem às condições de
trabalho de Jesus e José, às espectativas das comunidades de S. Paulo de
há dois mil anos, nem às condições dos anos 30, do século passado,
quando a LOC foi organizada em pleno Estado Novo.
Ao exigirem “trabalho
para todos”, não esperam certamente que a destruição dos postos de
trabalho destes últimos anos venha a ser invertida. Sabem que o trabalho
como já o conheceram não regressará. As técnicas da agricultura, das
pescas e das indústrias, que aprenderam e usaram, morreram e não
ressuscitarão.
Sendo assim, a luta por “trabalho para todos” não
será apenas o último grito do desespero ou um exercício quixotesco de
alucinados? Ainda não terão ouvido falar da nova ou terceira revolução industrial
que obriga a repensar, de forma radical, o trabalho, implicando a
reorganização fundamental da economia e das relações humanas? Não
saberão que está a nascer uma nova civilização sem eles e contra eles?
2.
Saber, sabem, mas não lhes serve de nada. Se para a maioria da
população, o determinismo tecnológico é niilista, para alguns é
exaltante e desses é o poder, o reino e a glória. Com muito menos
operários, graças à informática e à robótica, crescem a produção e os
lucros. Os vencimentos dos gestores de topo sobem em flecha e os dos
trabalhadores, os mais mal pagos, vão deslizando. As desigualdades entre
uns e outros são cada vez maiores. Os factores de desigualdade variam
segundo os ramos de actividade. Alguns roçam o absurdo. O vertiginoso
progresso da informática é um dos factores que mais conta no
aprofundamento das maiores desigualdades.
Apesar da cadeia de
esmolas, montada ao longo do país, os ideais da revolução francesa -
liberdade, igualdade e fraternidade, filhos laicos do Evangelho - foram
substituídos por várias formas de opressão, pelo abismo económico e
social, pela institucionalização do egoísmo e da humilhação.
3. Se
é previsível que, muito rapidamente, em muitos lugares, a maioria da
população será constituída por desempregados, que adianta que a LOC, o
Papa Francisco, o Bispo do Porto e todos os que ainda não perderam a
capacidade de indignação, continuem a teimar na exigência de trabalho e
emprego para todos?
Talvez por uma razão muito simples: o trabalho
é uma das dimensões fundamentais da existência humana e a situação de
desemprego uma humilhação tal que afecta a própria consciência da
dignidade humana – não valho nada! O desempregado é um marginal à força,
um desqualificado.
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A displicência com que certos governantes,
entidades patronais, comentadores e jornalistas de serviço se referem ao
número de desempregados, revela uma degradação ética insuportável. O
ser humano passou a não valer mesmo nada, é um aborto.
É preciso
gritar que as novas tecnologias, substituindo muitos postos de trabalho,
abrem também a possibilidade de imaginar, reorganizar e distribuir, de
modo novo, os calendários do trabalho, combinados com novas formas de
cultura e espiritualidade. As novas tecnologias são para proveito de
todos os seres humanos e não só de alguns. Importa ressuscitar a
política do bem comum. Estarão os cristãos rendidos ao culto dos novos
ídolos?
Sem a redescoberta de novos valores e modelos de vida pessoal e
familiar, empresarial, social e política não adianta falar de
austeridade, de empobrecimento ou desenvolvimento, pois é uma linguagem
do castigo ou da promessa que assenta na demagogia. As visões curtas são
sempre mais curtas do que se imaginam.
Portugal não pode sair do resgate com sucesso se os portugueses saírem de rastos.
IN "PÚBLICO"
13/04/14
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