HOJE NO
"DIÁRIO ECONÓMICO"
Segredos da gestão de José Mourinho
É o treinador com mais meias-finais de
Champions: oito. Chamam-lhe ‘special one’, ‘boss’ e os seus métodos de
gestão e liderança já são um modelo de sucesso. Saiba quais são.
Na fervilhante atmosfera de Stamford Bridge,
ao intervalo do Chelsea-PSG, decisivo para a passagem às meias-finais
da Champions, César Azpilicueta regressa insatisfeito ao balneário com
os companheiros. O 1-0 não chega. José Mourinho há-de surpreendê-los com
o discurso. "Disse-nos que estávamos eliminados", contou. "Pediu que
jogássemos para o público e que nos divertíssemos. Demos tudo o que
tínhamos em campo e passámos."
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A arte da gestão do treinador passa pelo
estímulo do orgulho conforme o próprio admitiu à revista do ‘El País' em
Agosto de 2010: "Dentro de 50 anos continuarei na história de clubes
como Porto, Chelsea ou Inter. Nós, jogadores e treinadores, os que
chegámos a este nível, queremos ganhar por orgulho natural, ou seja, é
um orgulho inato."
Os treinos são preparados de modo minucioso. Para Mourinho, o melhor
amigo é o bloco de notas. É aqui que aponta tudo o que se passa nos
treinos. O melhor treinador do mundo não gosta do desconhecido e, por
isso, tenta reduzir ao máximo a imprevisibilidade de cada jogo. "Manda
fazer exercícios para simular jogadas quando a equipa está a ganhar, a
perder ou no caso de algum jogador ser expulso e termos de jogar com
menos um", conta um antigo adjunto.
Aqueles que trabalham ao seu lado identificam-lhe traços de
mestria como motivador. Internacional italiano, campeão mundial em 1982,
Gabriele Oriali trabalhou de perto com o português no Inter e, ao
diário ‘La Gazzetta dello Sport', sublinhou a motivação como pano de
fundo no sucesso de Mourinho. E usou a vitória obtida ante o Bayern na
Champions de 2010, indicando que não estavam apenas 11 em campo, mas
cerca de 30. Aos jogadores juntavam-se os suplentes, os colaboradores, a
equipa médica e massagistas, unidos em torno do técnico. Além disso,
não é escravo de uma ideia ou táctica.
Exímio a decidir sob pressão, o português antecipa os problemas
para vencer. Na semana de um jogo decisivo, pede ao plantel para
imaginar dois cenários de 15 minutos diferentes: num deles estariam a
ganhar e no outro a perder. O segundo ponto é o que merece mais
reflexão. Aqueles minutos podem ser tudo o que têm para ganhar a
partida. Os jogadores falam entre si e com José Mourinho
sobre o que teriam de fazer para dar a volta ao resultado. Um exemplo
de sucesso desta metodologia aconteceu logo em Fevereiro de 2005 quando a
equipa londrina jogou a final da Taça da Liga com o Liverpool - o
desafio seguiu para prolongamento e, em apenas 15 minutos, o Chelsea
marcou dois golos, acabando o jogo a vencer por 3-2.
Dez minutos antes de subir ao relvado, pode pedir a um dos jogadores mais experientes (Terry e Lampard no Chelsea,
por exemplo) para fazer um discurso de incentivo ao grupo. A palavra
vencer é a que mais vezes se repete. "Escolhe estes porque são os que
têm uma personalidade mais forte", afirma a mesma fonte.
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Além disso, há sempre alguém da equipa de Mourinho que observa os
adversários e depois elabora relatórios detalhados sobre como defendem e
atacam, pontos fracos e fortes e a forma de executar os lances de bola
parada. Os relatórios são entregues numa segunda-feira ao treinador e a
cada jogador, escritos em páginas A4. Tudo detalhado, como Mourinho
gosta: há informações sobre o modo de jogar de cada futebolista
adversário e depois uma apreciação generalizada. Não faltam também os
gráficos com estatísticas. No dia seguinte, o treinador reúne-se com os
atletas numa das salas do clube. Aí, dá as primeiras indicações sobre o
que fazer no jogo. Os pormenores vão sendo analisados ao longo da semana
até à última reunião, quatro horas antes da partida.
Um craque da comunicação
Michael Robinson,
antigo avançado que chegou a campeão europeu no Liverpool (83/84), mas
não suportou ser concorrente de uma dupla como Dalglish e Rush,
tornou-se comentador desportivo e ficou com uma impressão positiva após
um mês de convivência na antiga Jugoslávia: "Usa um disfarce perante os
media, mas é um craque da comunicação, generoso com os jogadores -
diz-lhes que são eles a ganhar e ele quem perde e, por isso, adoram-no.
Transmite-lhes amor e respeito; é mais brando do que duro. As suas
guerras dialécticas são momentâneas, pequenos instantes numa vida que
inspira carinho especial."
"Aprendi com o meu pai, para mim um exemplo, que o mais
importante de um treinador e talvez de um homem é a honestidade.
Cometerei erros de decisão, nas análises, mas guardarei o máximo de
honestidade para os meus jogadores", assumiu Mourinho na revista
espanhola quando estava a começar a temporada inicial no Real Madrid, em
Agosto de 2010.
Sobre a base dos seus conhecimentos, uma explicação invulgar: "O meu
pai casou-se com uma professora de português e essa combinação levou-me,
por um lado, a amar o futebol, mas, ao mesmo tempo, a presença da minha
mãe, a sua actividade, influenciou-me a ter um pouco de controlo nessa
paixão e manter uma motivação cultural e académica. Quando tinha uns 17
anos conheci a minha mulher. Ela também tem formação universitária, de
Filosofia, eu estudei Educação Física, portanto, a formação do meu
pensamento é fruto da união de duas áreas que alguns crêem
incompatíveis: a universidade e o futebol."
As decisões na vida pessoal
No início não faltaram decisões difíceis. Em 1990, o treinador Manuel
Fernandes convidou-o para a equipa técnica no Estrela da Amadora, uma
oportunidade para entrar no futebol profissional. O jovem hesitou: na
altura, era professor de Educação Física na Escola Secundária de Alhos
Vedros. Além disso, ainda recebia 50 contos por mês (250 euros) para
treinar os juvenis e os juniores do Vitória de Setúbal. Estava com
dúvidas e pediu a opinião da mulher, Tami, que foi firme: disse-lhe para
aceitar o cargo na Amadora.
Muito depois, em Junho de 2000, voltou a correr riscos. Depois de
ser adjunto de Bobby Robson e Louis van Gaal no Barcelona, conversou
com o holandês sobre um convite que recebera para treinar e foi
incentivado a aceitar a proposta do Benfica, liderado por João Vale e
Azevedo. Foi de férias para uma pequena moradia, em Ferragudo, no
Algarve.
Ali brincou com os dois filhos, José Mário e Tita, deu longos
passeios pela praia e aproveitou para ler livros e ver DVD sobre
futebol. Ao mesmo tempo, elaborou um dossier de treino onde escreveu
tudo o que aprendera. Mais tarde, já bicampeão nacional, vencedor da
Taça UEFA e campeão europeu pelo Porto, quando o milionário Abramovich o
contratou para o Chelsea, a escala mudou: interessou-lhe o prestígio mundial e o dinheiro, negociando um ordenado anual de 7,5 milhões de euros.
No começo da aventura em Espanha, foi firme: "No futebol sou um
homem de risco total; na vida privada, risco zero." E, questionado sobre
os tempos livres, constatou factos: "Gosto de Gabriel García Márquez,
mas tenho pouco tempo para ler. Trabalho muitas horas e quando chego a
casa gosto de estar com os meus. Não posso ser tão egoísta ao ponto de
exigir o meu próprio espaço. Rio muito em casa e no meu ambiente de
trabalho."
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Mais difícil torna-se saber, de facto, quem é José Mourinho.
"Ninguém conhece Mourinho, só a família, os amigos e quem me conhece de
verdade. Não gosto da vida social. Perdi a minha privacidade, não posso
passear com os filhos, a mulher, a família, não posso andar na rua nem
viajar com tranquilidade. E tenho de ler muitas mentiras - quando leio -
sobre mim", confessou.
* Se tivéssemos um primeiro-ministro com 20% das capacidades intelectuais de José Mourinho não teria sido necessário o resgate.
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