HOJE NO
"PÚBLICO"
Inquérito a cientistas portugueses
mostra que 46,4% querem emigrar
ou já emigraram
Questionário na Internet foi respondido por 1820 pessoas. Só cerca de um quinto dos investigadores que responderam já teve um contrato de trabalho.
O inquérito feito pela Associação de Combate à Precariedade –
Precários Inflexíveis (PI) aos investigadores conclui que quase 46,4%
dos investigadores que responderam ao questionário tem vontade de
emigrar ou já emigrou. Segundo os resultados divulgados nesta
quarta-feira, das 1820 pessoas que participaram no inquérito, apenas
22,2% disseram ter tido um contrato de trabalho na área da investigação –
portanto, 77,8% nunca tiveram um contrato.
O inquérito dedicado à comunidade científica,
que esteve disponível no site dos PI para ser respondido entre 12 de
Fevereiro e 11 de Março deste ano, estava aberto a quem quisesse
participar. Na altura, a associação lançou o questionário em resposta às
declarações de Miguel Seabra, presidente da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT), numa entrevista dada em Janeiro ao PÚBLICO, na qual
descrevia as dificuldades de reunir dados sobre o número de bolseiros a
trabalhar em Portugal.
“Este interesse dos actuais
decisores políticos em esconder a precariedade no trabalho científico e a
emigração que esta provoca merece uma resposta”, lia-se, na altura, no
site dos Precários Inflexíveis.
Não é possível saber a proporção
de pessoas que responderam em relação ao tamanho da comunidade
científica portuguesa. Mas, para se ter algum enquadramento, basta dizer
que a FCT deu 1875 bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento no
concurso de 2012 e no concurso de 2013 concorreram 2305 investigadores
só às bolsas de pós-doutoramento.
Ao inquérito, responderam desde
professores universitários até técnicos que apoiam a investigação,
mestrandos e desempregados. No entanto, os doutorandos (32,7%) e
pós-doutorandos (25%) representaram mais de metade da população que
respondeu ao inquérito. Todas as áreas do saber estão representadas.
12% dos doutorados desempregados
Dos
inquiridos, 900 pessoas já estiveram desempregadas em algum momento das
suas vidas, e cerca de metade destas pessoas já estiveram mais de seis
meses desempregadas. “Considerando que 715 destas pessoas indicaram
nunca ter tido acesso a um contrato de trabalho na área da investigação,
inferimos que 79,5% destes investigadores não tiveram acesso a
protecção social quando estiveram numa situação de desemprego”, lê-se no
relatório.
Entre os investigadores bolseiros que responderam ao
inquérito, num total de 1254 pessoas, há 50,2% a acumular bolsas há mais
de cinco anos, o equivalente a 630 cientistas. Destes, 200
investigadores têm bolsas há mais de dez anos e 20 são bolseiros há mais
de 15 anos.
Dos investigadores que já completaram o doutoramento e
não emigraram (660 pessoas), 12% estão desempregados, 59% têm uma
bolsa, 28% têm um vínculo laboral e 1% estão a investigar sem receber
dinheiro.
Em relação à intenção de emigrar, 33% dos inquiridos
responderam que estão a pensar em emigrar, 13,4% já emigraram, 33,1%
disseram estar indecisos e apenas 20,4% responderam negativamente.
Segundo o inquérito, quem não tem um vínculo laboral, incluem-se aqui os
bolseiros, pensa mais em emigrar (39,1%) do que ficar no país (21,5%)
em relação a quem tem vínculo laboral. Neste último grupo, 38,8% diz não
pensar emigrar, enquanto 30,8% pensa em emigrar e 30,3% está indeciso.
“A precariedade associada à condição de bolseiro é um factor decisivo na
escolha pela emigração”, lê-se no relatório.
“Os resultados deste
inquérito demonstram que a estratégia de desenvolvimento e
sustentabilidade do edifício científico desenvolvida nos últimos anos
revela grandes fragilidades, tendo sido conseguida à custa da
precarização do sector”, lê-se no relatório. “A chamada ‘fuga de
cérebros’ é uma realidade grave e um fenómeno já de enorme dimensão.”
* Portugal trata os seus investigadores, cérebros inteligentes, como produtos descartáveis. Neste país dá-se mais valor a um especulador do que a um cientista.
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