Um país mais pobre,
sem confiança no governo
e com mais corrupção
Os
maiores cortes e ataques produzidos pelas medidas de consolidação
orçamental acontecem nas transferências sociais: assistência social,
apoio no desemprego, etc.
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O
país pobre e dependente que o governo deseja pode até estar melhor, mas
os portugueses estão muito pior, diz a OCDE no seu último relatório
Society at a Glance.
Os dados apresentados, não constituindo propriamente uma novidade,
traçam um retrato assustador da evolução do nosso país sob os efeitos da
crise e das medidas de austeridade fanaticamente implementadas pelo
actual governo.
Portugal é o país da OCDE onde a desigualdade de rendimento
disponível dos agregados mais aumentou por efeito da crise, a seguir à
Islândia. Ou seja, onde a crise mais polariza e segmenta os grupos
sociais. O número de pessoas a viver em agregados sem nenhum rendimento
proveniente do trabalho aumentou cerca de 20%.
No aumento do desemprego estamos em terceiro lugar, depois da Espanha
e da Grécia. O desemprego de longa duração e a perda de direito a
subsídio de desemprego sufocam as oportunidades de reinserção
profissional e laboral de grande parte das pessoas.
Os maiores cortes e ataques produzidos pelas medidas de consolidação
orçamental acontecem nas transferências sociais (assistência social, no
apoio no desemprego, no apoio na deficiência e outros apoios às
famílias). Ao cortar, o governo abandona as pessoas e as famílias, cego
pela disciplina imposta pela troika. Mas acontecem também na saúde, onde
o governo corta mais 1% do PIB, reduzindo a qualidade e o acesso dos
cidadãos aos serviços de saúde, cada vez mais incapazes de dar resposta
às populações.
Outro dado alarmante é o padrão de redistribuição ao nível das
transferências sociais, além das bruscas reduções, está a funcionar ao
contrário, dando mais a quem menos precisa. Ou seja, o governo está a
transferir mais para as famílias com mais rendimentos e menos para as
famílias mais vulneráveis. Com efeito, estas recebem apenas 71% do total
de transferências, e menos de metade do valor transferido para as
famílias de maiores rendimentos. Isto não só reduz a eficácia das
medidas no combate à pobreza, como acentua a desigualdade e a
polarização social.
A crise está a afectar especialmente os agregados com crianças e com
jovens. Os dados indicam a tendência de serem especialmente os jovens os
que estão em maior risco de pobreza.
Portugal foi dos países onde os efeitos da crise mais atingiram a
população jovem. São estes os que vêem a sua situação comparativa mais
afectada pela deterioração do mercado de trabalho. A taxa de desemprego
das pessoas entre os 15 e os 25 anos aumentou cerca de 20% entre 2007 e
2013, e a proporção de jovens que nem estudam nem trabalham nem estão em
formação é já de 15,3%.
Por tudo isto, somos o quarto país onde as pessoas estão menos
satisfeitas com o apoio do Estado social, o terceiro dos menos
satisfeitos com a saúde (depois do Japão e da Coreia), e o país onde a
satisfação com a vida mais caiu (a par da Grécia, de Espanha e de
Itália).
Portugal foi, com a Irlanda, o país em que a confiança no governo e
nas instituições financeiras mais caiu entre 2009 e 2012, especialmente
por parte dos jovens. Isto explica o seu menor envolvimento político e a
quebra no seu optimismo perante o futuro.
Paralelamente, diz o relatório, a informalidade e a corrupção aumentaram.
Mas somos também das populações que mais participam em voluntariado e
campanhas de donativos para instituições de caridade. Expressando este
facto os nossos ideais igualitários, ainda esta semana salientados no
estudo do European Social Survey, serão sempre insuficientes, no
entanto, para a mudança necessária.
A OCDE aconselha o governo a mudar de rumo, ou seja, a investir em
medidas de política social de contraciclo. Só assim, com apoio social
eficiente para aumentar o bem-estar, se minorarão os efeitos económicos e
sociais catastróficos que os actuais cortes terão no futuro. A factura
está passada para as próximas gerações pagarem. Mas o governo parece
querer insistir na receita que nos mata, falando já num corte de mais 2
mil milhões de euros na despesa para satisfazer as mais recentes
exigências da troika. O fundamentalismo neoliberal pode ser bom para os
vossos negócios, mas dá-nos cabo da vida, senhor primeiro-ministro!
Doutorada em Sociologia, docente no ISMT e no CES
Vereadora do PS na Câmara Municipal de Viseu
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26/03/14
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