23/03/2014

FILOMENA MARTINS

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Da dívida às fotos
 para alemão ver acabando
. nos erros do futebol

O tema que tem agitado os dias políticos dá por vários nomes: mutualização, renegociação ou reestruturação da dívida pública. E parece dividir os prós e contras em barricadas opostas. Mas, entre o ser e o parecer vai uma grande distância. E na verdade o que há mesmo é um consenso alargado sobre o assunto.

O único problema é nem todos o poderem assumir. O Governo não o pode dizer publicamente, só o pode desejar em privado. O PSD, por solidariedade governamental, também não pode ter nenhum dos seus membros a gritá-lo aos sete ventos, ainda que possam surgir descuidos, como o de Miguel Frasquilho.

O Presidente, como é óbvio, tem de manter uma posição institucional, sem sombra de suspeitas perante os credores, de apoio ao rigor com que saldamos os nossos compromissos, mesmo que deixe escapar, em prefácios ou no meio de comunicações ao País, aquilo que realmente pensa. E o próprio PS, na pole position para assumir o poder daqui a menos de ano e meio, tem de manter algum low profile que não alarme os mercados. Mas a verdade é que os números, os factos, as projeções e a realidade dizem que não vai ser possível liquidar a dívida nacional de acordo com o que está estabelecido. E haverá um momento em que isso ficará claro como a água. Ainda não é o momento. Mesmo assim, já há muita gente a moderar o discurso de há semanas. O bicho--papão acabará transformado em D. Sebastião. É dos livros.

Os pequenos produtores florestais vão ser premiados no IRS. Quem tiver mais filhos também. As horas extra estão igualmente na calha para ter descontos neste imposto. Além dos incentivos fiscais, o Governo já admite repor parte dos salários cortados, ainda que não voltando aos níveis de 2011. O PS, já a fazer contas para estar no poder em 2015, repete a proposta. E entre o realismo eleitoral socialista e o eleitoralismo de pré-campanha do PSD há uma certeza: os dois partidos já só pensam em legislativas.

Fazem-se fotos simbólicas para alemão ver. Juntam-se ex-ministros das Finanças com o mesmo recado. Olha-se para as europeias apenas como se fosse a volta de aquecimento de um Grande Prémio de Fórmula 1. E vão-se começar a fazer ultrapassagens, perdão, promessas impossíveis de cumprir. A tentação eleitoral é demasiado grande e como de costume ninguém resistirá. Vale dar benesses a quem plantar uma árvore, ou fizer um filho, quiçá até para quem queira escrever um livro. Acabar a tratar com ironia com alguns destes temas é lamentável. Ninguém fica bem no boneco.

Em setembro do ano passado foi um aqui d"el rey sobre a necessidade de alterar a lei eleitoral. Até havia, e há, imagine-se!, um consenso generalizado entre todos os partidos. A cobertura jornalística das autárquicas, manietada pelas baias da Comissão Nacional de Eleições, fora o sinal de que eram precisas mudanças urgentes. Bem... o conceito de urgente na política depende de muitos interesses. Talvez por isso, a discussão só foi retomada em fevereiro, a três meses das europeias. E não vai ser possível fazer nada a tempo da campanha, ficando tudo na gaveta até às legislativas, se entretanto der jeito. Agora, quando os principais partidos até estão próximos um de outro no que toca ao pensamento europeu, não convinha muito. Expunha demasiado. Depois logo se verá.

O futebol é o exemplo máximo da resistência às mudanças na Europa. O desporto que nasceu em Inglaterra e depois se espalhou por boa parte do mundo, continua agarrado a tradições que não fazem sentido no mundo tecnológico nos nossos dias e que o tornam uma das mais obsoletas modalidades da atualidade. Vem isto a propósito da discussão nacional das últimas semanas, com as queixas de enganos dos árbitros a favor de uma ou outra equipa, com maior ou menor intencionalidade.

 Feliz do país que em vez de guerras, mortes ou fome, pode centrar a discussão da atualidade em penáltis por marcar, diga-se para começar. Quanto ao problema em si, ele manter-se-á enquanto a questão de fundo não for resolvida e se mantiver ad eternum o mesmo debate de sempre. Só introduzindo os meios tecnológicos, à disposição e já testados, com informações em tempo real para árbitros e outros agentes do jogo, os erros humanos podem ser minimizados. O resto é conversa para entreter adeptos.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
22/03/14

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