ESTA SEMANA NO
"SOL"
Cerca da Europa
Dois territórios liliputianos em África, herança de um passado de
conquista, são uma dor de cabeça cada vez mais forte para o Governo de
Madrid. A pressão da imigração ilegal para a Europa está agora a
concentrar-se mais em Ceuta e Melilha.
As patrulhas dos gendarmes
marroquinos e da Guarda Civil espanhola e duas cercas de seis metros de
altura numa extensão de 11,5 quilómetros não impedem magotes de
imigrantes de tentarem a sua sorte em Melilha. Se na madrugada de
domingo duas centenas de subsaarianos, divididos em vários grupos, não
tiveram sucesso, na terça-feira uns mil aproveitaram a neblina das
primeiras horas da manhã e tentaram trepar a parede metálica. Cerca de
metade conseguiu - não há memória de um grupo tão numeroso ter dado o
salto - ainda que 29 deles tenham ficado feridos, dois com alguma
gravidade.
A maioria dos sem-papéis tem origem no Mali e no
Senegal e juntam-se a outros 1.800 no centro de acolhimento temporário,
que tem capacidade para 480 pessoas. «Não podemos continuar assim»,
reagiu o presidente de Melilha, Juan José Imbroda.
Em 2005, a
cidade autónoma viveu um assalto semelhante, tendo ficado conhecido como
a 'crise da cerca'. Desde então, num investimento de 33 milhões de
euros, as cercas duplicaram de altura, e são feitas de uma malha mais
difícil de trepar. E foi introduzido um dispositivo entre a primeira
rede e a segunda, um entrançado de cabos de aço chamado sirga
tridimensional (que impede a colocação de escadas e dificulta os
movimentos) a que se junta ainda arame farpado nalguns troços.
Além
do mais, uma centena de câmaras de vigilância, um número indeterminado
de câmaras térmicas e 20 guaritas foram instaladas nos últimos tempos.
Mas
perante a pressão dos sem-papéis, as autoridades espanholas tentam
responder de três formas. A primeira é continuar a substituir a rede
antiga das cercas pela tal malha apertada, mais difícil de escalar, e
instalar três novas torres de vigia, num investimento de 1,1 milhões de
euros; a segunda, conseguir que Marrocos cumpra o acordo bilateral de
1992, em particular, receberem de volta imigrantes ilegais acabados de
entrar em território espanhol, a chamada 'devolução a quente'. E, em
terceiro, obter apoio da União Europeia, uma vez que a magnitude da
imigração ilegal ultrapassa as fronteiras de Espanha.
Prova disso
são os números bem mais dramáticos de imigrantes que acorrem à costa
italiana. Só nos últimos dias mais de 2.100 pessoas foram salvas no
canal da Sicília, provenientes do Norte de África em dezenas de
embarcações. Desde que a operação Mare Nostrum foi lançada pelo Governo
italiano, no Outono passado, mais de 14 mil pessoas foram salvas e 46
alegados traficantes de seres humanos detidos.
Para sensibilizar
Bruxelas a financiar projectos avaliados em 45 milhões de euros para
combater a imigração ilegal, Madrid necessita de aplicar uma política de
acordo com as regras comunitárias.
Recebidos ao tiro
A
imagem que deu no caso de 15 imigrantes que morreram afogados em Ceuta
no início de Fevereiro não foi a melhor. A comissária europeia Cecilia
Malmström pediu explicações sobre a forma como a Guarda Civil abordou os
subsaarianos que tentaram entrar na praia de Tarajal a nado. As forças
policiais dispararam balas de borracha. Grupos de direitos humanos
defendem que este procedimento causou não só pânico, como também
ferimentos na cara e na cabeça de sobreviventes e mortos. A falta de
auxílio a pessoas que o pediam, devoluções imediatas de imigrantes e
actuação em território marroquino são outras ilegalidades denunciadas e
corroboradas por vídeos, como o que foi publicado no El Diario.
Na
quarta-feira, o secretário de Estado do Interior Francisco Martínez
dirigiu-se ao Congresso para dar explicações sobre o caso. A inédita
operação foi vista com desconfiança por parte da oposição, uma vez que
as autoridades começaram por não admitir o uso de balas de borracha e
caíram em várias contradições.
Perante o receio de mais avalanches
migratórias, as autoridades decidiram enviar cem agentes do corpo de
intervenção. Mas será o lado marroquino que mais precisará desse tipo de
polícia: durante os assaltos, antes de chegarem às cercas, os
subsaarianos atacam a polícia à pedrada.
O Ministério do Interior
espanhol avalia entre 40 e 50 mil o número de africanos que tentam
entrar em território europeu. Cifras às quais se juntam os sírios, cada
vez em maior número.
Ao El País, um perito alerta para os lucros
que as organizações criminosas estão a obter com este negócio. Ao
imigrante que não perca a vida, a aventura pode demorar até dois anos e
custar cinco mil euros.
* Os "donos do dinheiro" negoceiam em tudo, até em tráfico humano.
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