Apontamentos
Não foi fácil nem rápido porque não
existe uma receita instantânea para operar verdadeiras mudanças sociais.
Três anos depois da destituição do ditador Ben Ali e apesar das
ocorrências trágicas, dos assassínios e momentos de profundo desânimo, a
Assembleia Nacional Constituinte da Tunísia conseguiu aprovar uma nova
Constituição que concilia a democracia com a proteção dos direitos
humanos, a regra da maioria com o pluralismo político, as tradições
religiosas com a liberdade de consciência e a igualdade entre homens e
mulheres: "Todos os cidadãos e cidadãs têm os mesmos direitos e os
mesmos deveres. São iguais perante a lei sem nenhuma discriminação".
Esta é uma péssima notícia para os apóstolos do "choque de civilizações"
e de todos os nostálgicos da "guerra fria" que pretendem que a
humanidade está irremediavelmente condenada à intolerância religiosa, ao
preconceito, ao conflito, à violência armada. Persiste a carnificina na
Líbia. Os militares regressaram ao poder no Egito, no triste desenlace
de uma breve e atribulada experiência democrática. Embora se tenha
evitado uma perigosa escalada do conflito, continua o massacre na Síria.
Surgem alguns sinais de desanuviamento no Irão. Alheios a motivações
religiosas, corre o sangue no Sudão e na República Centro-Africana.
Confrontos violentos ocorrem também pela Europa e assumem proporções
dramáticas na Ucrânia. Entretanto, a Tunísia prepara-se para realizar as
primeiras eleições no quadro da nova Lei Fundamental, ainda este ano. A
"Primavera árabe" há de prosseguir o seu caminho.
O Parlamento
Nacional de Timor--Leste aprovou por unanimidade a lei do Orçamento do
Estado para 2014. Acossados pela vizinha Austrália - poderosa, egoísta e
obstinada - os timorenses compreenderam a necessidade de se manterem
unidos e determinados na defesa dos seus recursos naturais. Sempre foi
assim. Durante a guerra de libertação, em 1998, souberam unir-se em
torno do Conselho Nacional da Resistência Timorense. No referendo de
1999, permaneceram imunes às tentativas de suborno e intimidação da
potência ocupante. Na crise de 2006, logo depois dos confrontos
sangrentos, ultrapassaram divisões e congregaram esforços em torno do
Presidente para defender a Constituição - garantia da independência
arduamente conquistada. Não surpreende, por isso, esta recente
aproximação e entendimento entre a maioria governante e a principal
força da oposição - a FRETILIN.
Xanana Gusmão está de visita a
Portugal e vai ser homenageado com o doutoramento "Honoris Causa" no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de
Lisboa. Ainda há 15 anos estava encerrado numa prisão, em Jacarta,
enquanto em Timor se preparava o referendo que iria pôr fim à longa e
dolorosa ocupação estrangeira. O primeiro-ministro de Timor-Leste
anunciou agora a intenção de renunciar às funções de chefe do Governo
timorense no próximo mês de agosto, exatamente 15 anos após a realização
da "consulta popular" que devolveu a independência e a liberdade ao seu
povo. Como sublinhou Agio Pereira, ministro da Presidência do Conselho
de Ministros, "esta nova conjuntura que está agora a ganhar raízes na
política nacional não é uma novidade na história do nosso país. (...) Ao
longo dos 24 anos de luta pela libertação nacional, as forças políticas
fundamentais do país têm, de uma forma ou de outra, trabalhado em
uníssono na criação de plataformas comuns para fazer avançar o processo
político de libertação nacional. Até mesmo as divergências, frequentes
em qualquer processo político dinâmico, foram muitas vezes transformadas
em elementos positivos de mudança e de consolidação, contribuindo assim
para o progresso da nossa Nação". Nas palavras de Agio Pereira, é a
"democracia do consenso" que prevalece sobre a "democracia beligerante",
num testemunho de consciência do interesse comum e de defesa da unidade
nacional que serve de lição ao Mundo.
Quanto temos a aprender com a Tunísia e com Timor-Leste!
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/02/14
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