10/02/2014

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HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"

Vítor Gaspar: 
“Não tenho qualquer vocação para resolver problemas de pura política”

Em entrevista a Maria João Avillez, o antigo ministro das Finanças garante que todas as decisões foram sempre consensualizadas no Governo e cola a vaga de desconfiança dos mercados à demissão de Paulo Portas e à vontade deste de “mudar de rumo”. Sobre o que se terá passado entre os dois, responde: “Pode-me fazer a pergunta 500 vezes, que não vai ter uma resposta”.
Vítor Gaspar assegura que todas as decisões sobre as medidas concretas destinadas a dar corpo aos compromissos de reforma e de redução do défice orçamental assumidos por Portugal no âmbito do programa de ajustamento negociado a troco da assistência financeira da troika foram sempre consensualizadas com os outros ministérios e em colaboração com os grupos parlamentares do PSD e do CDS. A ideia de que o ministro das Finanças actuava sozinho e, eventualmente, à revelia de Paulo Portas é desmentida pelo antigo ministro das Finanças no livro "Vítor Gaspar", escrito por Maria João Avillez na sequência de uma série de entrevistas concedidas à jornalista, e que a partir desta terça-feira estará nas livrarias.

“Não houve um minuto em que o ministério das Finanças e o seu ministro não tenham colaborado com os outros ministérios na procura de soluções. As escolhas políticas concretas transcendem em muito a capacidade e a responsabilidade do ministro das Finanças”.

Sobre o que o levou a demitir-se, em 2 de Julho de 2013, o antigo ministro recorda as decisões do Tribunal Constitucional que obrigaram a uma revisão profunda da estratégia de redução do défice e diz que tinha de assumir a responsabilidade política pelos resultados que escolhera salientar  – as metas défice e a dívida públicos fixados no memorado original negociado pelo PS, antes das eleições de 2011 – e que não foram cumpridos. “A escolha de destacar politicamente a relevância desses limites foi minha”. “Consequentemente, no momento em que se torna claro que não vão ser cumpridos é importante assumir a responsabilidade”, acrescenta, frisando que isso não significa fracasso do programa. “O programa de ajustamento português, de modo geral, foi, em meu entender, muito bem-sucedido”.

Vítor Gaspar reconhece porém que “o motivo mais decisivo, o catalisador para a necessidade de sair foi a impossibilidade de concluir atempadamente o sétimo exame regular” da troika porque não dispunha de “mandato político”. E porque não o tinha? Essa pergunta é feita na página 34 do livro, com Vítor Gaspar a remeter a resposta para o comunicado do dia seguinte, no qual Paulo Portas anunciava a sua demissão irrevogável.

“Está claríssimo nesse comunicado que existe a vontade de promover uma alteração de rumo e que – digamos – o motivo usado no comunicado para justificar a demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros é que a minha saída não terá sido usada, dada a identidade da pessoa escolhida para me suceder – a Dr.ª Maria Luís Albuquerque - , para fazer uma inflexão política. O que claramente mostra que há uma diferença de concepção sobre esta fase do programa de ajustamento e a orientação política adequada nesse contexto”.

Não satisfeita, Maria João Avillez vai insistindo na pergunta: porque é que não houve consenso na coligação em tempo útil para fechar a sétima avaliação da troika - que, recorde-se, começou no fim de Fevereiro e só foi fechada em Maio, levando então Cavaco Silva a comentar que se trataria de uma “inspiração da nossa Senhora de Fátima, do 13 de Maio”.

Vítor Gaspar não responde. Insiste que a “capacidade de julgamento do negociador português e a sua autoridade foram claramente postos em dúvida” com esse atraso, pelo que “não podia continuar nesse papel”. E destaca os méritos da sua saída, afirmando que “existia vantagem numa alteração dos protagonistas” e que “neste momento há claramente uma coesão renovada dos partidos que apoiam o Governo, e uma forma de funcionamento que conduzirá naturalmente à manifestação desse consenso”.

Mas quais eram os problemas políticos entre Gaspar e Portas? – insiste a jornalista, ao referir a recusa do líder centrista em aceitar o que ficou conhecido como a "TSU dos pensionistas" e que está de volta, depois do chumbo do Constitucional à lei de convergência dos regimes pensionistas. “Esse episódio traduz as dificuldades políticas associadas à redução da despesas em circunstâncias de grande exigência”, comenta.

Mas porque não houve consenso, questiona pela enésima vez Maria João Avillez? A resposta definitiva surge na página 339 do livro editado pela D. Quixote. “Não tenho qualquer vocação para resolver problemas de pura política”. “Pode-me fazer a pergunta 500 vezes que não vai ter uma resposta. Estive plenamente dedicado à esta tarefa durante dois anos. Foi para mim muito difícil. A minha única motivação foi o interesse de Portugal. Estou convencido de que responder à sua pergunta seria contraproducente”.

O antigo ministro refere ainda que a data precisa da sua saída do Governo foi “decidida relativamente tarde”, mas preparada com tempo e com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, sobre quem tece rasgados e múltiplos elogios

Vítor Gaspar chama ainda a atenção para o facto de a sua saída não ter tido impacto nos mercados, ao contrário da do então MNE e hoje vice-primeiro-ministro que, tendo sido acompanhada da manifestação pública de desejo de mudança de rumo, fez disparar os juros da dívida pública. “A saída de Paulo Portas e o impacto que teve nos mercados mostra a força e a relevância da política. A centralidade da política é patente naquele momento”.

* Quem não quer ser político não vai para ministro! Não é falta de vocação, é incompetência!



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