Acordo para Gastar
O exemplo mais gritante de desbarato de recursos escassos em obras públicas inúteis vem do outro lado do mundo.
Sucedeu na China, durante o Grande Salto em
Frente, com a barragem do Rio Amarelo, que pretendia tirar o sedimento
das suas águas, e o reservatório dos Túmulos Ming. Depois de enormes
fundos gastos, a primeira levou a que o sedimento no leito do Rio
Amarelo duplicasse e a segunda foi abandonada por estar no local errado.
Não nos comparamos com a China de há 60 anos, mas temos também
recursos finitos, uma dívida pública colossal a pagar e compromissos
internacionais sobre contas públicas a cumprir. O facto de os políticos
não se poderem dar ao luxo de construírem, ou promoverem a construção,
de todos os seus devaneios com aço e cimento é o maior benefício desta
situação financeira apertada.
Um dia talvez seja contabilizado o que foi mal gasto em obras
públicas desnecessárias. Só um exemplo: entre 2001 e 2008, em estudos,
assessorias e consultadorias com o TGV, que não será construído,
gastou-se mais de 90 milhões de euros. Lembremo-nos ainda das
incontáveis versões de percursos e números de linhas de TGV com que
vários governos se entretiveram, sem qualquer ideia do que seria
prioritário ou, até, necessário. É óbvio que, havendo necessidade de
construção e melhoria de infra-estruturas com dinheiros públicos, a
escolha seja criteriosa. E, sendo projectos que demorarão várias
legislaturas a construir, que os dois principais partidos se entendam
sobre quais construir ou melhorar. Afinal o número de contentores no
porto de Sines não é objecto de luta partidária, pois não?
Parece que é. PSD - que ajuizadamente percebe que não poderá
seguir, por constrangimentos financeiros, as 30 sugestões do grupo de
trabalho para as infra-estruturas de elevado valor acrescentado (i.e.,
de interesse vital para o crescimento do país) - convida o PS para o
consenso sem real empenho. O PS, que nos últimos anos não fez nada
ajuizado, duvida-se que perceba que há recursos escassos e que escolher
em que obras públicas os aplicar. Em suma: além de não conseguirem
acordar onde cortar para reformar o estado, PS e PSD nem se entendem
sobre onde gastar.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/01/14
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