03/02/2014

MARIA JOÃO MARQUES

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Acordo para Gastar

O exemplo mais gritante de desbarato de recursos escassos em obras públicas inúteis vem do outro lado do mundo.

Sucedeu na China, durante o Grande Salto em Frente, com a barragem do Rio Amarelo, que pretendia tirar o sedimento das suas águas, e o reservatório dos Túmulos Ming. Depois de enormes fundos gastos, a primeira levou a que o sedimento no leito do Rio Amarelo duplicasse e a segunda foi abandonada por estar no local errado.

Não nos comparamos com a China de há 60 anos, mas temos também recursos finitos, uma dívida pública colossal a pagar e compromissos internacionais sobre contas públicas a cumprir. O facto de os políticos não se poderem dar ao luxo de construírem, ou promoverem a construção, de todos os seus devaneios com aço e cimento é o maior benefício desta situação financeira apertada.

Um dia talvez seja contabilizado o que foi mal gasto em obras públicas desnecessárias. Só um exemplo: entre 2001 e 2008, em estudos, assessorias e consultadorias com o TGV, que não será construído, gastou-se mais de 90 milhões de euros. Lembremo-nos ainda das incontáveis versões de percursos e números de linhas de TGV com que vários governos se entretiveram, sem qualquer ideia do que seria prioritário ou, até, necessário. É óbvio que, havendo necessidade de construção e melhoria de infra-estruturas com dinheiros públicos, a escolha seja criteriosa. E, sendo projectos que demorarão várias legislaturas a construir, que os dois principais partidos se entendam sobre quais construir ou melhorar. Afinal o número de contentores no porto de Sines não é objecto de luta partidária, pois não?

Parece que é. PSD - que ajuizadamente percebe que não poderá seguir, por constrangimentos financeiros, as 30 sugestões do grupo de trabalho para as infra-estruturas de elevado valor acrescentado (i.e., de interesse vital para o crescimento do país) - convida o PS para o consenso sem real empenho. O PS, que nos últimos anos não fez nada ajuizado, duvida-se que perceba que há recursos escassos e que escolher em que obras públicas os aplicar. Em suma: além de não conseguirem acordar onde cortar para reformar o estado, PS e PSD nem se entendem sobre onde gastar.


IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/01/14


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