HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS/
portal VER"
A pandemia da corrupção
São 120 mil milhões
de euros que se evaporam, anualmente, nos 28 países comunitários,
devido a “práticas de abuso de poder com objectivos de obtenção de
benefícios próprios”. O número foi divulgado no primeiro Relatório
Anti-Corrupção publicado pela União Europeia, no início desta semana,
com informação e recomendações distintas para todos os Estados-membros.
Em Portugal, 90% dos cidadãos acreditam que este é um fenómeno
generalizado
Só
a corrupção custa, aos 28 países que fazem parte da União Europeia e,
consequentemente, à sua economia, o valor astronómico de 120 mil milhões
de euros anuais, de acordo com estimativas da própria Comissão,
reveladas no início da semana no primeiro relatório publicado por este
organismo sobre a temática em causa. Este valor equivale quase ao
orçamento total de todas as instituições europeias, o que serve para
demonstrar o “rombo” monumental que as práticas de corrupção, que
afectam todos os Estados-membros sem excepção, provocam na economia
europeia.
Com pelo menos seis meses de atraso, a Comissão Europeia trouxe
finalmente à luz do público um relatório que analisa a corrupção no
interior de cada Estado-membro, bem como os passos - ainda que vagarosos
– já dados para a prevenir e combater. No que respeita especificamente a
Portugal, a Direcção da TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica, publicou de imediato a sua reacção ao relatório, bem como um conjunto de conteúdos sobre o mesmo no seu website, os quais o VER sugere como leitura complementar necessária.
No artigo que se segue, são sumarizados os principais resultados
deste primeiro Relatório Anti-corrupção da União Europeia, os quais
estão igualmente relacionados com dois Eurobarómetros realizados em
2013, sobre as percepções de corrupção por parte dos cidadãos europeus,
bem como das empresas. São cerca de 350 páginas sobre políticas
anti-corrupção, legislação e casos específicos sobre a mesma, em
conjunto com as estatísticas e os resultados dos dois inquéritos acima
mencionado. As recomendações para Portugal são igualmente abordadas
neste artigo.
Estratégia de crescimento para 2020 depende do controlo da corrupção
O
relatório em causa começa por relembrar que a crise financeira colocou
pressões adicionais aos europeus e aos seus governos. E que face aos
desafios económicos correntes, são necessárias garantias mais fortes de
integridade e transparência no que respeita às despesas públicas. Os
cidadãos esperam que a União Europeia protagonize um papel principal na
ajuda aos Estados-membros para que estes protejam a economia lícita do
crime organizado, das fraudes financeiras e fiscais, da lavagem de
dinheiro e da corrupção, principalmente em tempos de crise económica e
de austeridade orçamental. E é por isso que o próprio relatório afirma
que o custo da corrupção para a economia da União Europeia é de 120 mil
milhões de euros por ano, um valor ligeiramente inferior ao orçamento
anual da própria EU (o qual ronda os 140 mil milhões de euros).
Recordando que a “Europa 2020” constitui a estratégia de crescimento
da UE ao longo desta década, com o objectivo de estimular uma economia
inteligente, sustentável e inclusiva, ajudando, desta forma, a União e
os Estados-membros a atingir níveis elevados de emprego, produtividade e
coesão social, o relatório sugere que o sucesso da mesma dependerá de
factores institucionais como uma boa governança, do bom funcionamento do
Estado de Direito e do controlo da corrupção. Lutar contra a corrupção
contribui substancialmente, de acordo com relatório, para a
competitividade europeia à luz da economia global. Para além das medidas
anti-corrupção sublinhadas para cada um dos Estados-membros, a melhoria
da eficiência da administração pública, em particular se esta for
combinada com uma maior transparência, poderão contribuir para ajudar à
mitigação de riscos relacionados com a corrupção.
No relatório é igualmente divulgado que, enquanto follow-up
do mesmo, a Comissão deseja envolver-se num debate, orientado para o
futuro, sobre as melhores formas de combate à corrupção, debate este que
deverá ser feito com a participação activa de todos os Estados-membros,
do Parlamento Europeu, dos parlamentos nacionais, do sector privado e
da sociedade civil. Adicionalmente, a Comissão pretende também levar a
cabo um programa de partilha de experiências mútuas que envolva os 28
países da União, as organizações não-governamentais locais e outros stakeholders
para que sejam identificadas boas práticas, para se ultrapassar as
medidas de curto prazo nas políticas anti-corrupção, para aumentar a
sensibilização para este fenómeno destrutivo e para a oferta de
formação. Este programa de partilha de experiências será lançado depois
da adopção das medidas propostas no relatório em causa, com base no
feedback recebido e nas discussões com os vários stakeholders.
Para 90% dos portugueses inquiridos, a corrupção é “fenómeno generalizado”
Para
a realização deste primeiro relatório europeu e como já referido
anteriormente, foram tomados em consideração os dados de dois
eurobarómetros realizados em 2013: um deles focado na percepção dos
cidadãos e outro especificamente feito com empresas. Como em todas as
matérias relacionadas com a já grande União Europeia, à qual pertencem
28 países muito distintos, é natural que os dados sejam igualmente
díspares.
A Dinamarca, a Finlândia, o Luxemburgo e a Suécia aparecem como os
países onde o nível de percepção da corrupção é mais baixo e onde os
“convites” ao pagamento de subornos são quase inexistentes. Todavia, e
no que a este último item diz respeito, é no Reino Unido em que a
possibilidade de se pagar um suborno aparece como recordista, no bom
sentido, com menos de 1% dos respondentes a admitirem esta prática,
apesar de 64% dos inquiridos acreditarem que a corrupção esteja
generalizada no seu país. Mesmo assim, abaixo da média europeia, que se
cifra em 74%.
Em países como a Alemanha, a Holanda, a Bélgica, a Estónia e a França, e apesar de mais de metade dos respondentes considerarem a corrupção como um fenómeno difundido, o número de pessoas que admite ter pago um suborno é igualmente baixo (2%).
Em países como a Alemanha, a Holanda, a Bélgica, a Estónia e a França, e apesar de mais de metade dos respondentes considerarem a corrupção como um fenómeno difundido, o número de pessoas que admite ter pago um suborno é igualmente baixo (2%).
Por seu turno, em alguns países com um número elevado de pessoas que
indicaram ter tido uma experiência pessoal de suborno, a concentração em
alguns sectores específicos é clara. Estamos a falar da Hungria (13%),
Eslováquia (14%)e da Polónia (15%), sendo que o sector mais afectado é o
dos cuidados de saúde. A percepção da corrupção atinge nestes países
níveis verdadeiramente elevados, com 82% dos polacos, 89% dos húngaros e
90% dos eslovacos a percepcionarem a corrupção como muito disseminada.
E, chegando finalmente à posição que realmente nos interessa,
Portugal junta-se à Eslovénia, à Espanha e à Itália como o grupo de
países nos quais o suborno “parece raro”, mas a corrupção é
percepcionada de uma forma significativamente alargada. Se a experiência
pessoal de suborno é aparentemente rara (entre 1% a 3%), a percepção da
corrupção está tão fortemente influenciada pelos recentes escândalos
políticos e pelas crises recentes económica e financeira que acaba por
se reflectir numa impressão extremamente negativa dos inquiridos sobre a
situação geral da mesma: Em Portugal, 90% dos respondentes encaram a
corrupção como um fenómeno absolutamente comum (contra uma média
europeia de 76%) – e com apenas 15% dos inquiridos nacionais a afirmar
que os esforços públicos para o seu combate são suficientes –
seguindo-se a Eslovénia com 91%, a Espanha com 95% e a Itália a ser a
recordista do grupo, com 97%. Com um valor que bate todos os seus pares
está também a Grécia, onde 99% dos cidadãos encaram a corrupção como um
fenómeno completamente alastrado no seu país.
Em termos de admissão de experiências relacionadas com o pagamento de
subornos, e a acompanhar também a Grécia, estão países como a Croácia, a
República Checa, a Lituânia, a Bulgária e Roménia, onde entre 6% a 12%
dos inquiridos admitiram terem sido convidados a pagar subornos e mesmo a
aceitá-los nos últimos 12 meses.
Um quarto dos europeus considera-se pessoalmente afectado pela corrupção no dia-a-dia
Comparativamente
ao Eurobarómetro efectuado em 2011, no qual 29% dos europeus afirmavam
que a corrupção afectava o seu quotidiano, a percentagem de europeus que
o afirmaram em 2013 desce uns pontinhos, para 26%. São os espanhóis e
os gregos aqueles que mais pessoalmente afectados se consideram (63% em
ambos os países) contra os que menos impacto referem sentir: os
dinamarqueses (3%) e os franceses e alemães (6%). No que respeita a
Portugal, 36% dos inquiridos sente os tentáculos da corrupção no seu
dia-a-dia, sendo que 75% consideram que o fenómeno tem vindo a
agravar-se.
Maior percentagem é a dos europeus que afirmam que o suborno e a
utilização de “conhecimentos” e de redes de clientelismo é a forma mais
fácil de se obter certos serviços públicos: são quase três quartos dos
europeus (73%) a afirmarem-no, com os gregos a liderar (93%), seguidos
dos cipriotas (92%), dos eslovacos e dos croatas (89% em ambos). Com
resultados similares a dados de 2011, cerca de dois em cada três
europeus (67%) acreditam que o financiamento dos partidos políticos não é
suficientemente transparente e supervisionado. Nesta questão em
particular, “ganham” os espanhóis (87%), seguidos dos gregos (86%) e dos
checos (81%). Nas posições opostas estão os dinamarqueses (47%), os
ingleses (56%), os suecos (55%) e os finlandeses (56%). Adicionalmente,
apenas 23% dos europeus inquiridos concordam que os esforços levados a
cabo pelos seus governos são eficazes para lidar com a corrupção.
Por último e no que respeita às empresas europeias inquiridas, mais
de 4 em cada 10 consideram a corrupção como um problema que afecta os
seus negócios, o mesmo acontecendo no que respeita ao clientelismo e ao
nepotismo. Quando inquiridos especificamente se a corrupção é um
problema para a sua estratégia de negócios, 50% dos inquiridos do sector
da construção e 33% das empresas de telecomunicações e tecnologias da
informação afirmaram que esta é um problema significativamente sério.
Portugal não tem uma estratégia nacional abrangente para lutar contra a corrupção
As
instituições principais que pretendem prevenir e lidar com a corrupção
em Portugal estão a enfrentar a mesma pressão de recursos que afecta a
sua administração pública no contexto da reforma do Estado. Assim começa
o capítulo dedicado à situação portuguesa neste relatório europeu.
O mesmo salvaguarda o facto de, ao longo da última década, terem sido
várias as iniciativas que demonstraram o grau de compromisso político
para abordar a corrupção, incluindo a adopção de nova legislação. Por
outro lado, pode ler-se no relatório, a crise económica deu também
origem a um aumento significativo de “vigilância popular” no que a esta
temática diz respeito. Todavia, não existe nenhuma estratégia nacional
de combate à corrupção. Deficiências na investigação,
nos processos e nas sentenças em caso de corrupção são algumas das
fragilidades apontadas pelo relatório europeu à situação nacional, que
as considera como “desafios complexos e permanentes”.
Apesar de algum progresso ter sido atingido no que respeita à
supervisão do financiamento dos partidos, há ainda muito a fazer nesta
área, de acordo com o relatório, nomeadamente a existência de políticas
relacionadas com a integridade dos representantes eleitos.
O planeamento urbano e a construção permanecem como os sectores mais
vulneráveis à corrupção e, no que respeita às privatizações, algumas
medidas têm vindo a ser implementadas para aumentar a transparência e
mitigar os riscos a ela associados, não sendo estas, contudo,
suficientes.
Assim, as recomendações para o futuro próximo nacional em matéria de corrupção são as seguintes:
- Estabelecer um histórico bem-sucedido de processos de alegada corrupção, assegurando que a aplicação e a execução da lei sejam eficazes, que as autoridades judiciárias estejam devidamente equipadas para lidar com os mesmos e que exista um reforço da cooperação entre os mecanismos de controlo e os organismos responsáveis pela aplicação da lei.
- Reforçar continuamente a acção preventiva no que respeita ao funcionamento dos partidos, tendo em linha de conta as recomendações do GRECO (The Council of Europe's Group of States against Corruption). Desenvolver códigos de conduta para representantes eleitos aos níveis central e local, com medidas de responsabilização e aplicação de sanções para abordar possíveis violações destes mesmos códigos. Considerar o estabelecimento de códigos éticos no interior dos partidos ou pactos de ética entre os diferentes partidos.
- Colocar em vigor requisitos mínimos no que respeita a conflitos de interesses, a práticas danosas, a incompatibilidades em conjunto com a obrigatoriedade na divulgação das declarações de rendimentos para representantes eleitos, assegurando mecanismos de monitorização efectivos e sanções dissuasoras no que a este tema específico dizem respeito.
- Reforçar substancialmente a transparência e a verificação ex ante e ex post dos procedimentos dos contratos públicos, em conjunto com a monitorização na sua fase de execução, incluindo contratos concluídos por empresas detidas pelo Estado e pelas parcerias público privadas (PPPs). Aumentar a prevenção, a detecção e a sensibilização para os conflitos de interesses existentes no interior destes contratos públicos. Assegurar a aplicação uniforme de regras de divulgação dos rendimentos para os funcionários responsáveis pela adjudicação desses contratos.
- Avaliar uma amostra representativa de decisões de planeamento urbano em projectos concluídos recentemente ao nível local de forma a identificar os factores de risco e melhorar continuamente a eficácia das medidas preventivas, incluindo a transparência na tomada de decisões. Reforçar, igualmente, os mecanismos de controlo neste sector.
* Artigo esclarecedor
.
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