31/01/2014

JOÃO MARCELINO

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Passos e Marcelo


1-Passos Coelho não estava a referir-se a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) na definição do perfil para o candidato do partido às próximas presidenciais, contido na moção ao próximo congresso do PSD. E Passos Coelho também não teve nada a ver com a proposta de referendo à coadoção apresentado pela JSD, a qual interrompeu, por agora, um processo legislativo iniciado pela aprovação de alguns deputados do partido.

Estes dois episódios podem ter sido uma casualidade. Provavelmente radicam numa nova atitude do PSD e do seu líder, agora mais confiantes com alguns indicadores económicos e sociais e no que eles podem representar na preparação das próximas eleições. Mas encerram um grande perigo político.
Explico.

Pedro Passos Coelho foi sempre visto até agora, por parte significativa da opinião pública, mesmo no auge da contestação às convicções com que tem guiado o Governo, como um homem capaz de olhar a direito e dizer o que pensa sem subterfúgios. Depois daquela fase inicial, em que rompeu com promessas da campanha e se desdisse em vários temas (o que infelizmente é comum em Portugal depois de se ganhar eleições), o primeiro-ministro sempre se esforçou por ser visto como um homem sem medo de assumir as suas ideias e preferências, capaz de olhar em frente e dizer o que pensa, sem subterfúgios. Em certa medida conseguiu esse objetivo.

Ora o que Passos Coelho fez esta semana foi começar a delapidar este património de frontalidade e coragem política.
Para toda a gente resultou claro que a carapuça presidencial era, pelo menos, para MRS (pode ser para mais comentadores...). E só os crentes podem acreditar que numa matéria social tão fraturante como a da coadoção, com um congresso (de reeleição) à vista, o líder e primeiro-ministro não tivesse dado o aval à ação de Hugo Soares e da JSD.

Se continuar assim, rapidamente vai ser um político "como os outros" - que, como esses outros, obviamente não desdenha exercitar a hipocrisia.
2-É óbvio que o perfil traçado na moção ao congresso pretende identificar MRS e exclui-lo da corrida presidencial (assim como parece esperar por Durão Barroso ou... Rui Rio). Outra coisa é MRS voltar-se para trás e reconhecer que aquelas palavras não só o pretendem definir como, retirando-lhe o eventual apoio do PSD, excluem liminarmente as suas ambições tantas vezes percebidas.

De uma só vez, para se colocar no centro das atenções, MRS enfiou o barrete e abdicou da vontade própria que um candidato a presidente da República deve possuir. No passado, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva não deixaram de marcar o terreno perante os respetivos partidos. Primeiro avançaram. O partido definiu-se depois.

Desse ponto de vista, MRS cometeu um erro. Tantas vezes no passado exerceu a sua capacidade crítica em relação à atividade governativa e do partido para acabar nesta posição disciplinada de funcionário que espera uma bênção? Não faz sentido.

Mas também Passos Coelho pode vir a arrepender-se desta pequena vingança em relação a uma voz que tem, às vezes, sido crítica. Se, no futuro, precisar de recuperar MRS, porque mais ninguém (nem Durão) venha a querer afrontar umas eleições favoráveis à esquerda, vai ter de engolir um sapo.
Quanto a MRS, tudo é mais simples. Voltar atrás na palavra é coisa que não o atrapalha especialmente. Por ele, Cristo pode vir até cá mais uma vez...

Finalmente, nesta legislatura, Portugal cumpre um défice. Pagámo-lo todos, com os impostos. Resta saber como, no futuro, o Governo devolverá todas as contribuições especiais sem prejudicar as contas públicas. Só pode ser com crescimento económico e uma verdadeira reforma do Estado. Esse desafio falta ganhar.

Director

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/01/14

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