O QUE NÓS
RECEBEMOS!
A HISTÓRIA UNIVERSAL DA INFÂMIA
Entre os portugueses e a luxúria do poder, Passos Coelho escolheu o poder. Fica registado.
«Este Governo, o de Pedro Passos Coelho, nasceu de uma infâmia. No livro
"Resgatados", de David Dinis e Hugo Coelho, insuspeitos de simpatias
por José Sócrates, conta-se o que aconteceu. O então primeiro-ministro
chamou Pedro Passos Coelho a São Bento para o pôr a par do PEC4, o
programa que evitava a intervenção da troika em Portugal e que tinha
sido aprovado na Comissão Europeia e no Conselho Europeu, com o apoio da
Alemanha e do BCE, que queriam evitar um novo resgate, depois dos
resgates da Grécia e da Irlanda.
Como conta Sócrates na entrevista que hoje se publica, Barroso sabia o
quanto este programa tinha custado a negociar e concordava com a sua
aplicação, preferível à sujeição aos ditames da troika, uma clara perda
de soberania que a Espanha de Zapatero e depois de Rajoy evitou.
Pedro Passos Coelho foi a São Bento e concordou. O resto, como se diz, é
história. E não é contada por José Sócrates que um dia a contará toda.
No livro conta-se que uma personagem chamada Marco António Costa,
porta-voz das ambições do PSD, entalou Passos Coelho entre a espada e a
parede. Ou havia eleições no país ou havia eleições no PSD. Pedro Passos
Coelho escolheu mentir ao país, dizendo que não sabia do PEC4. Cavaco
acompanhou. E José Sócrates demitiu-se, motivo de festa na aldeia.
Detenho-me nesta mentira porque, quando as águas se acalmam no fundo
poço, é o momento de nos vermos ao espelho. Pedro Passos Coelho podia
ter agido como um chefe político responsável e ter recusado a chantagem
do seu partido. Podia ter respondido ao diligente Marco António que o
país era mais importante do que o partido e que um resgate seria um
passo perigoso para os portugueses. Não o fez. Fraquejou.
Um Governo que começa com uma mentira e uma fraqueza em cima de uma
chantagem não acaba bem. Houve eleições, esse momento de vindicação do
pequeno espaço político que resta aos cidadãos, e o PSD ganhou,
proclamando a sua pureza ideológica e os benefícios da anunciada purga
de Portugal. Os cidadãos zangados com o despesismo de José Sócrates e do
PS, embarcaram nesta variação saloia do mito sebástico. O homem
providencial. Os danos e o sofrimento que esta estupidez tem provocado a
Portugal são impossíveis de calcular. Consumada a infâmia, a campanha
contra José Sócrates continuou dentro de momentos. Todos os dias
aparecia uma noticiazinha que espalhava pingos de lama, ou o Freeport,
ou a Face Oculta, ou a TVI, ou todas as grandes infâmias de que Sócrates
era acusado. Ao ponto do então chefe do Bloco de Esquerda, Francisco
Louçã, que se tinha aliado ao PCP e ao PSD para deitar o Governo abaixo e
provocar a demissão e eleições (no cálculo eleitoralista misturado com a
doutrina esquerdista que ignorava a realidade e as contas de Portugal),
me ter dito numa entrevista que considerava "miserável" a "campanha
pessoal" da direita contra Sócrates. Palavras dele.
Aqui chegados, convém recordar o que o Governo de Passos Coelho tem dito
e feito. Recordar as prepotências de Miguel Relvas, os despedimentos,
os SMS, os conluios entre a Maçonaria e os serviços secretos, os
relatórios encomendados, os escândalos, a ameaça da venda do canal
público ao regime angolano, e, por fim, o suave milagre de um
inexistente diploma. Convém recordar as mentiras sobre o sistema fiscal,
os cortes orçamentais, a adiada e nunca apresentada reforma do Estado,
as privatizações apressadas e investigadas pelo MP, os negócios e
nomeações, a venda do BPN, as demissões (a de Gaspar, a "irrevogável" de
Portas), as mentiras de Maria Luís, os swaps e, por último, cúmulo das
dezenas de trapalhadas, o espetáculo da "Razão de Estado" vista pela
miopia de Rui Machete. Convém recordar que na semana da demissão de José
Sócrates os juros do nosso financiamento externo passaram de 7% para
14%. E os bancos avisaram-no de que não aguentavam. Sócrates sentou-se e
assinou o memorando.
Que o atual primeiro-ministro não hesitasse, mais uma vez, em invocar um
segundo resgate para ganhar as eleições autárquicas que perdeu, diz
tudo sobre a falta de escrúpulos deste Governo, a que se soma a sua
indigência, a sua incompetência, o seu amadorismo. A intransigência.
Este é o problema, não a austeridade.
José Sócrates foi estudar. Escreveu uma tese, agora em livro, que o
honra porque tem um ponto de vista bem argumentado, politicamente
corajoso vindo de um ex-primeiro-ministro. E vê-se que sabe o que diz.
Podem continuar a odiá-lo, criticá-lo, chamar-lhe nomes. Não alinho nas
simpatias ou antipatias pela personagem, com a qual falei raras vezes. O
que não podem é culpá-lo de uma infâmia que levou o país ao colapso
político, financeiro, cívico e moral.
Entre os portugueses e a luxúria do poder, Passos Coelho escolheu o poder. Fica registado».
ESCREVEU:
Clara Ferreira Alves
IN "EXPRESSO"
19/10/13
OBRIGADO JOPE
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