05/01/2014

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ESTA SEMANA NO
"SOL"

Projecto único dá apoio psicológico
 a centenas de sem-abrigo

Quase 90% das pessoas sem-abrigo são casos psiquiátricos, mas porque dificilmente aderem a serviços de saúde há em Lisboa um grupo psicoterapêutico aberto a todos, que acompanha cerca de 800 pessoas, 300 das quais sem-abrigo.


Desde 2002 que todas as quintas-feiras, das 09:45 às 10:45, a porta está aberta no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), antigo Hospital Júlio de Matos, para receber todos os que quiserem participar no grupo psicoterapêutico aberto.

Não há listas de espera, a entrada é imediata e as inscrições directas.
O responsável pelo grupo, o psiquiatra e director do Serviço de Psiquiatria Geral e Transcultural do CHPL, trabalha com pessoas sem-abrigo desde os anos 1990 e admite que foi um passo "arrojado" criar um grupo aberto a todas e quaisquer pessoas.

Teve de lutar contra quem duvidava que funcionasse ou questionasse como iria solucionar se lhe aparecessem cem pessoas ao mesmo tempo no grupo.
"Isso nunca aconteceu e o máximo que tivemos foram 65 pessoas numa manhã. Habitualmente, temos entre cerca de 20 e 30 pessoas, o que é perfeitamente comportável", adiantou António Bento.
O grupo já teve mais de 500 sessões e é aqui que se faz a preparação para as consultas individuais.
A equipa clínica é composta por dois psiquiatras seniores e um psicólogo que desde 2002 acompanham perto de 800 pessoas, 300 das quais sem-abrigo. No total, já deram perto de 13 mil consultas.

António Bento explica que a cerca de 90% das pessoas sem-abrigo é possível fazer um diagnóstico psiquiátrico, tendo em conta que neste bolo entram as dependências com o álcool ou a droga.
São os sem-abrigo que, em média, vão mais vezes. No total, há 210 pessoas que só foram uma vez e nunca mais voltaram, mas há também quem nunca falte, como José Manuel Lopes, com 68 anos, que vem há 13 anos.

Depois de muitos trabalhos e de "correr o mundo todo", José Manuel regressa a Portugal, mas "com a cabeça um bocadinho passada". Tem uma depressão e vê-se a viver nas ruas de Lisboa. "Chorava muito" e foi pela mão de voluntários das equipas de rua da Santa Casa da Misericórdia que se convenceu a ser tratado.
"Quando cheguei ao grupo não sabia quem era. Temos pessoas à nossa volta que não conhecemos de lado nenhum, mas que escutam o que a gente diz. Ajudamo-nos uns aos outros porque estamos todos no mesmo barco, não importa o problema que nos trouxe aqui", explica José.
José Paulo Ribeiro tem 46 anos e depois de em tempos ter sido voluntário da Comunidade Vida e Paz, viu-se no papel inverso.

Tinha casa, tinha trabalho, até resolver ir com a companheira para o Brasil. Desconfia que alguma coisa não está bem. Regressa e é aí que percebe que, nas suas costas, a companheira lhe tirou todo o recheio da casa.

Sem trabalho, não consegue pagar a prestação da casa e acaba por ter de a devolver ao banco. Atualmente dorme numa "garagem pequenina" na zona de Santos e todas as semanas caminha duas horas a pé para chegar a horas ao grupo.
"Sinto-me bem aqui no grupo. Dou-me bem com toda a gente e graças a Deus agora vou com calma e pouco a pouco tenho de conseguir outra vez", diz, confiante.

António Bento explica que a principal vantagem do trabalho feito no CHPL é que dão uma resposta imediata a todas as necessidades de psiquiatria e de saúde mental de todos os sem-abrigo.
Mais do que tratar imediatamente quem chega, o objectivo passa por estabelecer as condições para que aquela pessoa venha uma segunda vez.

* Um trabalho digno quase anónimo, as notícias/negócio não são deste tipo.

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