HOJE NO
"PÚBLICO"
15,5% das vítimas de
violência doméstica são homens
Das mais de 26 mil vítimas de violência doméstica em Portugal que
pediram ajuda no ano passado, cerca de 15,5% são homens, segundo números
oficiais da Direcção-Geral da Administração Interna, referidos nesta
segunda-feira durante a apresentação de um estudo universitário sobre o
tema.
A psicóloga Andreia Machado, da Universidade do Minho aplicou um
inquérito cujos resultados indicam que embora 70% dos inquiridos afirmem
ter sido vítimas de um comportamento abusivo nos últimos 12 meses,
apenas 9% deles se afirmem vítimas de violência. Ainda existe uma
relutância masculina em se admitir ser vítima de violência e o
preconceito social é o principal motivo.
O inquérito incidiu sobre
indivíduos de sexo masculino com mais de 18 anos e com relações
heterossexuais. 60% dos inquiridos admitiu ser vítima de agressões
psicológicas com impacto para a sua saúde mental, mas apenas 23%
procurou ajuda. Destes, 83% relatam que os profissionais das forças de
segurança “nada ajudaram”. Para Andreia Machado, o estudo da violência
contra os homens está no patamar em que estava o estudo da violência
contra as mulheres nos anos 70.
A “feminização do fenómeno e a
invisibilidade de outras faces do problema” conduz a que esta seja uma
violência ainda não reconhecida socialmente no nosso país. Socialmente
mas não só.
A psicóloga foi uma das oradoras presentes no seminário-debate As outras faces da violência doméstica,
promovido pela Associação de Apoio à Vítima (APAV).
João Paiva foi uma
voz activa apresentando um caso de violência doméstica, o seu. “As
pessoas desatam-se a rir na nossa cara, mesmo quem está destacado na
esquadra para tratar de assuntos de violência doméstica”, disse.
Para
esta testemunha na primeira pessoa, quando um homem pretende apresentar
queixa por violência, é quase certo que esbarra num “comportamento
estranho”. Diz ser necessário lutar contra a invisibilidade e a
passividade das forças de segurança e da justiça e afirma ser difícil
avançar-se para formalizações de processos. A razão, no seu entender, é
uma: “sou homem”.
Um quarto dos jovens agredido
A
violência nos relacionamentos entre jovens foi analisada por Rosa
Saavedra, assessora técnica da APAV, que citou um estudo que indica que,
de 4667 estudantes do ensino secundário, profissional e universitário,
25% afirmou ter sido vítima e 30% agressor numa situação de violência
entre jovens.
Para Rosa Saavedra, de uma forma geral “os jovens
condenam a violência, mas tendem a desculpar”.
A banalização das formas
ditas “menores” de violência e a desculpabilização da agressão em
determinadas circunstâncias faz com que a maioria dos jovens não procure
ajuda na solução dos seus problemas, muitas vezes por falta de
conhecimento dos recursos existentes. Os jovens precisam de ter mais
informação acerca dos recursos formais de apoio.
Para a especialista,
“bater e pontapés é considerado agressão, mas muitos jovens pensam que
controlar o telemóvel não é”, o que constitui uma certeza de que é
necessário haver um trabalho sobre o que caracterizou como os “níveis
normativos de violência”.
“Entre duas mulheres isso não acontece”
Só
muito recentemente o código penal português passou a reconhecer como
violência doméstica um acto de agressão ocorrido entre pessoas do mesmo
sexo. Até 2007, a invisibilidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e
transgénero) tinha contornos legais.
A violência entre mulheres lésbicas
foi objecto de uma campanha por parte da APAV em 2008, mas para Ana
Cristina Santos, investigadora do centro de estudos sociais da
Universidade de Coimbra, ainda há muito por fazer naquilo que
classificou como a “dupla discriminação das mulheres lésbicas e o duplo
armário de que são vítimas”.
Se já existe uma dificuldade numa
relação heterossexual, esta dificuldade aumenta nas relações entre
pessoas do mesmo sexo. Para a investigadora, o entender social das
relações heterossexuais como a norma dificulta: “a heteronormatividade
coloca as vítimas numa relação de fragilidade”, diz. Para além do
estigma da agressão, a invisibilidade das relações lésbicas acentua “a
opressão e o isolamento”. O envolvimento da academia, a consolidação do
trabalho associativo e a formação de agentes institucionais educativos,
de saúde, justiça e segurança poderá constituir a resposta necessária
para pôr fim a esta dupla discriminação
Com o objectivo de
proporcionar uma reflexão acerca das diferentes formas de vitimação,
esta acção composta por um seminário e um debate constituiu aquilo que
Catarina de Albuquerque, vice-presidente da APAV, afirmou serem “novas
formas de actuação” da associação. A violência doméstica atinge todos os
géneros, sexos e estratos da sociedade e é urgente lutar contra aquilo
que definiu como o “amor que se transforma em controlo e medo”.
* Se é para andar à porrada porque se juntam?
.
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