Um sinal
de esperança
Rui Moreira fez
um acordo com Manuel Pizarro para governar a Câmara Municipal do Porto.
Presumo que tenham sido acertadas as principais linhas de actuação, os
objectivos e a forma de os atingir. Estou convencido de que nenhuma das
partes conseguiu impor à outra o seu programa na íntegra, apesar de ter
existido uma prevalência das ideias de quem ganhou as eleições. Não
duvido de que, em vários aspectos, existiram cedências de parte a parte.
Ou seja, os representantes do povo juntaram-se e respeitaram o mandato
de representação que lhes tinha sido conferido: governar da melhor forma
possível a cidade segundo os programas votados. Tanto Rui Moreira como o
candidato dos socialistas perceberam, e bem, que um executivo em
minoria não podia trazer estabilidade governativa e que os compromissos
necessários para mudar estruturalmente o que precisa de ser mudado exige
um amplo consenso.
Parece que "certos sectores" do PS não
gostaram do acordo. As razões do desagrado não foram divulgadas, mas não
são difíceis de calcular. Imagine-se que o Presidente da Câmara do
Porto, apoiado nesta coligação, faz um bom trabalho? Pois claro, quando
as próximas eleições chegarem há uma grande probabilidade de os cidadãos
voltarem a votar nele. Se o PS não se coligasse com Rui Moreira ficava
muito mais difícil governar a cidade, havia uma maior probabilidade de
as coisas correrem mal e a possibilidade dos socialistas ganharem as
eleições daqui a quatro anos seria maior. O melhor para o bem comum, o
melhor para a cidade será apenas um detalhe sem importância para esses
socialistas.
Claro está: em idênticas circunstâncias, tanto a
máquina do PSD como a do PS reagiriam como os tais "certos sectores"
socialistas. A crise está a ter um papel vital no descrédito dos
partidos e dos políticos, disso já não pode haver dúvidas. Uma crise
destas dimensões afecta sempre a confiança dos cidadãos no regime, no
próprio sistema democrático. Sejam as razões atribuíveis a causas
internas ou externas. Aliás, teoricamente a crise que estamos a viver
seria culpa dos políticos e dos partidos - não de agora mas de há vários
anos. Mas não há que negar que a degradação dos partidos se tem
acelerado e transformando-os em máquinas em que o poder deixou de ser
visto como um instrumento para atingir fins, mas como um objectivo em si
mesmo.
Ao transformarem-se em entidades sem ideologia, sem
doutrina, funcionando em larga medida como agências de emprego, os
partidos passaram a funcionar numa lógica de trincheira, com um
comportamento igual ao duma claque de clube de futebol. Ou como agentes
transformadores ou como fruto do que os partidos se transformaram, os
líderes actuais e as suas equipas reflectem na cúpula o que as máquinas
são na base. Daqui até à impossibilidade do diálogo, ao olhar a
negociação como um campo de derrotas ou vitórias vai um passo de anão.
A
falta da estabilidade das políticas públicas, a incapacidade de fazer
reformas é o espelho desta realidade. E convém não ter falta de memória.
A negociação e os consensos sobre grandes temas são marcas da nossa
democracia. Integração europeia, Serviço Nacional de Saúde, escola
pública, política internacional e as próprias revisões constitucionais
mostram que essa cultura de diálogo existiu.
Ora, a forma como as
máquinas partidárias encaram agora a conquista do poder e o seu
exercício chocam de frente com a própria essência da democracia. Neste
regime acredita-se que da negociação, da troca de ideias, da convicção
de que a verdade não está só dum lado, surgem melhores soluções. Que a
conflitualidade é boa, mas que os consensos, os compromissos, devem e
podem ser atingidos. Que as grandes linhas políticas impostas são sempre
piores do que as negociadas, bastando a razão simples de que podem ser
alteradas na sequência do jogo democrático. Que as vitórias e as
derrotas devem ser analisadas em função do bem comum e não do mero
interesse partidário. E que os cidadãos, cedo ou tarde, reconhecerão
quem se orienta pelo interesse geral.
Foi a primeira semana em muito tempo com uma boa notícia.
Foi
bom terem-nos recordado que temos homens com cultura democrática e
sentido de serviço público, fora dos partidos, como Rui Moreira, ou
dentro dos partidos, como Manuel Pizarro. E mais há e em todos os
partidos e fora deles. Como todos sabemos, mais do que leis, mais do que
mil tratados, são sempre os homens e as mulheres os agentes da mudança.
São eles que conseguirão mudar os partidos e, sobretudo, a comunidade.
Há uma luz ao fundo do túnel.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/10/13
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