29/10/2013

PEDRO MARQUES LOPES

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Um sinal 
de esperança

Rui Moreira fez um acordo com Manuel Pizarro para governar a Câmara Municipal do Porto. Presumo que tenham sido acertadas as principais linhas de actuação, os objectivos e a forma de os atingir. Estou convencido de que nenhuma das partes conseguiu impor à outra o seu programa na íntegra, apesar de ter existido uma prevalência das ideias de quem ganhou as eleições. Não duvido de que, em vários aspectos, existiram cedências de parte a parte. Ou seja, os representantes do povo juntaram-se e respeitaram o mandato de representação que lhes tinha sido conferido: governar da melhor forma possível a cidade segundo os programas votados. Tanto Rui Moreira como o candidato dos socialistas perceberam, e bem, que um executivo em minoria não podia trazer estabilidade governativa e que os compromissos necessários para mudar estruturalmente o que precisa de ser mudado exige um amplo consenso.

Parece que "certos sectores" do PS não gostaram do acordo. As razões do desagrado não foram divulgadas, mas não são difíceis de calcular. Imagine-se que o Presidente da Câmara do Porto, apoiado nesta coligação, faz um bom trabalho? Pois claro, quando as próximas eleições chegarem há uma grande probabilidade de os cidadãos voltarem a votar nele. Se o PS não se coligasse com Rui Moreira ficava muito mais difícil governar a cidade, havia uma maior probabilidade de as coisas correrem mal e a possibilidade dos socialistas ganharem as eleições daqui a quatro anos seria maior. O melhor para o bem comum, o melhor para a cidade será apenas um detalhe sem importância para esses socialistas.

Claro está: em idênticas circunstâncias, tanto a máquina do PSD como a do PS reagiriam como os tais "certos sectores" socialistas. A crise está a ter um papel vital no descrédito dos partidos e dos políticos, disso já não pode haver dúvidas. Uma crise destas dimensões afecta sempre a confiança dos cidadãos no regime, no próprio sistema democrático. Sejam as razões atribuíveis a causas internas ou externas. Aliás, teoricamente a crise que estamos a viver seria culpa dos políticos e dos partidos - não de agora mas de há vários anos. Mas não há que negar que a degradação dos partidos se tem acelerado e transformando-os em máquinas em que o poder deixou de ser visto como um instrumento para atingir fins, mas como um objectivo em si mesmo.

Ao transformarem-se em entidades sem ideologia, sem doutrina, funcionando em larga medida como agências de emprego, os partidos passaram a funcionar numa lógica de trincheira, com um comportamento igual ao duma claque de clube de futebol. Ou como agentes transformadores ou como fruto do que os partidos se transformaram, os líderes actuais e as suas equipas reflectem na cúpula o que as máquinas são na base. Daqui até à impossibilidade do diálogo, ao olhar a negociação como um campo de derrotas ou vitórias vai um passo de anão.

A falta da estabilidade das políticas públicas, a incapacidade de fazer reformas é o espelho desta realidade. E convém não ter falta de memória. A negociação e os consensos sobre grandes temas são marcas da nossa democracia. Integração europeia, Serviço Nacional de Saúde, escola pública, política internacional e as próprias revisões constitucionais mostram que essa cultura de diálogo existiu.
Ora, a forma como as máquinas partidárias encaram agora a conquista do poder e o seu exercício chocam de frente com a própria essência da democracia. Neste regime acredita-se que da negociação, da troca de ideias, da convicção de que a verdade não está só dum lado, surgem melhores soluções. Que a conflitualidade é boa, mas que os consensos, os compromissos, devem e podem ser atingidos. Que as grandes linhas políticas impostas são sempre piores do que as negociadas, bastando a razão simples de que podem ser alteradas na sequência do jogo democrático. Que as vitórias e as derrotas devem ser analisadas em função do bem comum e não do mero interesse partidário. E que os cidadãos, cedo ou tarde, reconhecerão quem se orienta pelo interesse geral.

Foi a primeira semana em muito tempo com uma boa notícia.

Foi bom terem-nos recordado que temos homens com cultura democrática e sentido de serviço público, fora dos partidos, como Rui Moreira, ou dentro dos partidos, como Manuel Pizarro. E mais há e em todos os partidos e fora deles. Como todos sabemos, mais do que leis, mais do que mil tratados, são sempre os homens e as mulheres os agentes da mudança. São eles que conseguirão mudar os partidos e, sobretudo, a comunidade.

Há uma luz ao fundo do túnel.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/10/13


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