Os bufos na espionagem
Uma parte da União Europeia está enxofrada com os Estados Unidos. Uma
parte da América Latina está enxofrada com os Estados Unidos. Razão:
Angela Merkel, François Hollande, Dilma Rousseff e mais uns quantos
líderes abespinharam-se por terem sido alvo, eles e uns milhões dos seus
súbditos, de escutas por parte da Agência Nacional de Segurança
norte-americana.
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Poder-se-iam sentir muito importantes por fazerem parte de um
cardápio no qual para já não entram nações minorcas (como Portugal), mas
não. Em nome de uma alegada amizade e das relações Atlânticas estão
numa onda de puxar as orelhas (dizem eles) ao presidente de que são
(eram?) mais fãs do que os próprios americanos: Barack Obama.
O ar
de gravidade marcou a Cimeira Europeia desta semana e dela resultou o
costume: uma aliança franco-alemã para tentar chamar à razão a Casa
Branca através da criação de um código de conduta bilateral aos serviços
de informação. Pois. A impossibilidade de uma posição à escala da União
estava escrita nas estrelas, ou não houvesse divergências e leituras
diferenciadas, a começar pela de David Cameron, o primeiro-ministro
inglês.
O arrufo, naturalmente, deve ser interpretado à luz da
hipocrisia internacional reinante, embora suscetível de gerar
complicações, a começar pelas que decorrem das eventuais voltas e
contravoltas do projeto de Livre Comércio Europa--Estados Unidos.
Os
mais cândidos tenderão a considerar haver serviços secretos bons e
serviços secretos maus, espiões amigos e espiões inimigos. Reducionista,
uma tal visão tenderá a ignorar todo um trabalho invisível, suscetível
embora de "aggiornamentos" consoante os interesses e as alianças
geoestratégicas em presença em cada fase da História. A espionagem,
política, militar, industrial e por aí fora, faz parte do ADN de
qualquer Estado que se preze, embora calibrada em função dos respetivos
poderios. Todos os países, da Alemanha de Merkel à França de Hollande,
passando pelo Brasil de Rousseff ou, já agora, Portugal de Passos
Coelho, têm esquemas de informação sobre todos os parceiros, internos e
externos, graduando-os conforme os interesses.
O atual ruído
gerado pela informação constante das bases de dados da Agência Nacional
de Segurança dos Estados Unidos acaba, pois, por obedecer a outro tipo
de propósitos, alguns deles pérfidos. Todos a roçar a hipocrisia.
É
de natureza simples o essencial e quebra-cabeças de uma sociedade na
qual os avanços tecnológicos (redes de fibra ótica, web e acoplagem a
ela de novos sistemas de comunicação, a começar pelas redes sociais)
permitem maior escrutínio. Desde logo: como garantir a não violação dos
serviços de espionagem por tipos como o soldado analista de dados
Bradley Manning (fornecedor de milhões de informações à Wikileaks) ou o
ex-consultor da inteligência americana Edward Snowden, agora casadoiro
na Rússia e responsável pela atual crise?
Esse é o ponto.
Sobretudo se se considerar já não haver muitos países como Portugal onde
um agente dos serviços de informações ou espionagem até muda legalmente
de poiso e acaba a prestar serviços a uma empresa privada.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/10/13
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