A reclusão feminina,
em "tempo de crise"
Em tempo de crise debate-se, na esfera pública e
privada, o aperto por que passam os portugueses. É um debate que
sentimos ser de todos, por se centrar no que faz parte da nossa vida: as
ruas, com mais sem-abrigo; as estradas, com menos carros; as casas,
devolvidas ao banco; as escolas, com greves; os empregos, que
escasseiam. Em tempo de crise fala-se pouco do que não faz parte do
nosso quotidiano, do que não vemos e não sentimos como sendo nosso. É o
caso da reclusão feminina.
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Em Portugal, em 1997, a
proporção de mulheres nas prisões atingiu 10,1%, um dos valores mais
elevados da Europa. As últimas estatísticas mostram que estamos hoje em
linha com os restantes países europeus, com 797 mulheres em
14.082
pessoas reclusas. Esta diminuição para 5,7% de mulheres nas prisões
portuguesas não retira, a meu ver, a importância de trazer este tema a
debate.
Hoje, em Portugal, as mulheres estão detidas em prisões
concebidas ou adaptadas para responder às suas necessidades, dispondo de
estruturas adequadas, para si e para os seus filhos. Dispõem de mais e
melhores serviços de saúde. Dispõem também de mais oportunidades de
trabalho, de formação e de desenvolvimento pessoal, dimensões
fundamentais para a mudança de alternativas após a permanência na
prisão.
Perante este cenário, é a reclusão de mulheres de
nacionalidade estrangeira, atualmente uma em cada quatro reclusas em
Portugal, que me tem preocupado. São diversos os seus trajetos até às
nossas prisões. Às mulheres que procuravam em Portugal uma vida melhor é
exigida uma reconstrução identitária. Se o crime emerge de
vulnerabilidades sociais pela pertença a comunidades excluídas da
sociedade portuguesa, com a reclusão reforçam-se os obstáculos à sua
integração.
Para outras mulheres, Portugal foi um destino de
acaso, sobre o qual pouco conhecem e onde, muitas vezes, não têm redes
de suporte. Quando são mães, têm os filhos longe, ou então, se os têm
consigo é escasso o apoio para que eles possam, ocasionalmente, sair. Na
vivência prisional, são mulheres mais vulneráveis à discriminação pelas
reclusas nacionais. As “estrangeiras” podem ser vistas como
responsáveis por problemas que vão surgindo em contexto prisional, por
exemplo na relação entre reclusas ou entre reclusas e guardas
prisionais.
Por vezes, o destino de «migração aleatória»,
Portugal, transforma-se num contexto idealizado para uma vida futura.
Mas dificilmente conseguirão ficar devido à pena acessória de expulsão.
Ainda assim, o regresso ao país de origem, desejado ou não, pode
implicar tempo extra em reclusão, à espera de um bilhete de avião.
Em
tempo de crise, devemos pensar para além de nós e do que nos rodeia. Em
relação a estas mulheres, urge criar respostas ajustadas às suas
necessidades. A privação de liberdade constitui em si mesma uma punição
por um crime cometido, devendo ser cumprida com dignidade. Acredito que
todos ganhamos se a experiência da reclusão for vivida o melhor possível
e se constituir como uma oportunidade de mudança.
Docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto
IN "PÚBLICO"
05/09/13
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